As Duas Faces de um Crime / Primal Fear


3.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2007, com complemento em 2008: Eu já tinha visto este filme anos atrás, embora não tivesse anotado sobre ele na época. Outro dia passou na TV e me deu vontade de pegar no vídeo. É muito, muito bom, bem acima da média do gênero – e, bem, qual seria mesmo o gênero deste filme? Ação, policial, tribunal, thriller, suspense?

Ele é um pouco destes gêneros todos, com uma trama inteligente, interessante, daquele tipo de história que parte de um crime que parece comum e pequeno; com o tempo, o espectador vai descobrindo, junto com os personagens, que o crime esconde muito mais coisa por baixo das camadas mais visíveis.

Trata de alta corrupção em Boston, envolvendo imóveis, bispo, procurador de Justiça – e, de quebra, fala em abuso sexual por parte de religiosos católicos. Edward Norton está brilhante como o suspeito que convence o advogado ambicioso mas muito competente (Richard Gere) e até a psiquiatra especialista (Frances McDormand) de que é esquizofrênico, e portanto legalmente inculpável.

Frances McDormand, claro, é sempre muito boa. E Richard Gere está muito bem aqui, no que foi classificado por Leonard Maltin e por Roger Ebert como um de seus melhores papéis.  

Um show à parte é a paixão do diretor, ou dos produtores, por Dulce Pontes. Não me lembro de nenhuma outra exposição assim tão forte, tão óbvia, e gratuita, de um artista em um filme americano. Toca uma música dela (Canção do Mar) numa cena em que o advogado vai visitar um cliente, um bandido; o advogado elogia a música, o cliente elogia o bom gosto do advogado – e depois entrega a ele o CD (e o espectador vê nitidamente a capa do disco, o Lágrimas, de 1993, três anos antes de o filme ter sido realizado), recomendando: a faixa de que você gostou é a número tal. Fantástico. A jovem cantora portuguesa estava no início de carreira, e isso deve ter seguramente ajudado na sua ascensão absolutamente veloz.

O lead da longa crítica de Roger Ebert é muito bom; não resisto e transcrevo:

“Antigamente eram os policiais que resolviam crimes. Depois, os detetives particulares. Nesta era de Grisham, têm sido os advogados. Em Primal Fear, baseado numa novela de William Diehl, Richard Gere faz um vistoso advogado de Chicago que caça réus em vez de ambulâncias e se oferece para defender um adolescente de Kentucky acusado de matar um arcebispo.  

Por quê? Porque ele sabe que o caso será o mais sensacional do ano, e ele quer estar onde está a ação. E talvez porque ele pense que o rapaz pode ser inocente, embora os diálogos do filme, inteligentes, literários, deixem claro que culpa não é um tema desse advogado: qualquer réu merece uma defesa competente, ele acredita (e réus em casos sensacionais, de grande repercussão na imprensa, merecem que ele os defenda).”

O final do filme é um choque – faz lembrar o de Testemunha de Acusação, a obra-prima de Billy Wilder com uma Marlene Dietrich soberba, brilhante.

As Duas Faces de um Crime/Primal Fear

De Gregory Hoblit, EUA, 1996.

Com Richard Gere, Laura Linney, Edward Norton, John Mahonney, Frances McDormand, Alfre Woodward

Roteiro Steve Shagan e Ann Biderman

Baseado no livro de William Diehl

Cor, 129 min.

***1/2

Título em Portugal: A Raiz do Medo

4 Comentários para “As Duas Faces de um Crime / Primal Fear”

  1. O final do filme é um choque mesmo … mas o que eles quiseram dizer com isso? Será o relativismo moral da cultura norte-americana? O advogado precisava de uma lição tão dura só pq ele queria os holofotes e agora tentava se “redimir” com os outros pq tinha cometido um erro no passado?

  2. Para mim o maior “choque” foi a interpretação de Edward Norton na sua estreia no cinema.

  3. Surpreendente seu desfecho, até mesmo aqueles que defendem a Justiça podem errar involuntariamente, todos nós somos enganados um dia; todo o elenco maravilhoso, excepcional, e a música extraordinária (Dulce Pontes / Canção do Mar). Aprendemos mais com estes tipos de filmes. All right, see you.

  4. Com certeza um dos melhores filmes da história do cinema. A interpretação de Edward Norton não tem palavras para ser qualificada. É monstruosamente perfeita. Ele nunca mais conseguirá fazer nada melhor do que Roy Stample, sem nenhuma sombra de dúvida. E corajoso ao aceitar o papel pois era um moleque e sabia que Richard Gere também é um excelente ator. Foi muito corajoso mesmo aceitar duelar com Richard. Filme maravilhoso, antológico. Ficará para sempre como referência na história do cinema.

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