O Terraço / La Terrazza


3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 1996: Um Ettore Scola painel, afresco, como ele gosta tanto. No caso específico, um afresco de um grupo de velhos amigos intelectuais e burgueses, que se reúnem a cada ano na casa romana com terraço de um deles. Como é um Scola, é bonito, competentíssimo, às vezes emocionante.

Tem uma sacada formal excelente, brilhante: depois da primeira seqüência, no terraço, a narrativa acompanha um dos personagens, e conta a história dele. Mais tarde, volta-se ao terraço, dessa vez para pegar a perspectiva de outro personagem. E depois volta-se outra vez mais, de forma que algumas cenas, alguns diálogos, são repetidos várias vezes. Brilhante.

Mas, como é sobre intelectuais e burgueses, e Scola (assim como, de resto, todos os cineastas italianos de sua geração) detesta os burgueses, e não consegue esconder isso nem um pouco, é um filme todo amargo, todo triste, todo sem perspectiva. Tudo é condenado, tudo é natimorto, até o amor novo. Todos os relacionamentos são doentios, ou passaram da vez, tinham que ter terminado mas continuam porque ninguém tem coragem de separar.

Jean-Louis Trintignant interpreta um roteirista de cinema, especialmente de comédias, que já fez muitos enredos de sucesso mas agora não consegue mais criar; acaba apontando o próprio dedo no apontador de lápis elétrico que o produtor lhe deu de presente, e indo pra uma clínica de loucos. O casamento dele é uma exceção dentro do filme: não é um casamento fracassado.

Ugo Tognazzi faz o produtor de cinema, que antigamente era ator, depois virou diretor e agora é riquíssimo e esnoba os filmes “de arte”. A mulher não o suporta, mas ele, ao contrário, se baba por ela, faz todo o possível para reconquistá-la, inclusive produzir o filme de um diretorzinho que se diz intelectual mas na verdade faz uma porcaria, uma pornografia misturada a rituais repugnantes. (Mais tarde, veremos que o diretorzinho vai esnobar a mulher que esnoba o marido produtor.)

Marcello Mastroianni faz o jornalista que foi brilhante e agora é um cético acomodado, preguiçoso, Tinha se casado com uma mulher bela, 20 anos mais jovem (deve ser a Carla Gravina), e gaba-se de tê-la feito estudar, gaba-se de ter sido o Pigmalião dela; ela foi à luta, tornou-se independente, profissional ambiciosa, e cansou-se dele, que não suporta a idéia de viver sem ela. (Mais tarde, veremos que ela até tenta se aproximar dele de volta, mas ele educadamente a repele.)

Serge Reggiani faz o intelectual que vira diretor da RAI, é abandonado pela mulher e escanteado no trabalho; ele tem, por exemplo, um velho projeto de filmar A Viagem do Capitão Tornado (que Scola filmaria em 1990), mas o diretorzinho que pega o projeto descaracteriza inteiramente a história.

Vittorio Gassman, finalmente, faz o deputado comunista, casado há 35 anos com uma mulher que o espectador não vê, também escanteado no partido. Como é comunista, afinal, o personagem de Gassman é o único que Scola trata com carinho e dignidade. Ele e uma mulher (a deusa Stefania Sandrelli) igualmente casada se conhecem na festa em que se passa a maior parte da ação, e eventualmente têm um caso; uma revista sensacionalista os flagra saindo de um prédio, e dá a foto na capa. Esta é a cena mais emocionante do filme: o deputado se imagina indo à tribuna para perguntar aos nobres colegas sobre o direito, garantido em algumas constituições democráticas, à procura da felicidade. Assim ele termina o discurso que não fez: “Resumindo: é lícito sermos felizes mesmo se isso gerar infelicidade?”

Se você não viu o filme, não leia a partir de agora

No final, há uma nova festa no mesmo terraço, um ano depois daquela que foi focalizada ao longo do filme todo, e percebemos que a resposta à pergunta foi não. Os personagens de Gassman e Stefania se reencontram e ficamos sabendo que eles não ficaram juntos; não ficamos sabendo por que, mas o fato é que continuaram com seus respectivos casamentos e romperam o namoro.

Um Scola triste, especialmente triste.

Vou ver agora os alfarrábios. Sim. O filme é de 1980. Seis anos depois de Nós Que Nos Amávamos Tanto, dez anos antes de A Viagem do Capitão Tornado. O Cinemania não tem uma linha sobre ele, só a citação do nome na cinegrafia do Scola. O Videobook tem informações. Diz que Carla Gravina e o roteiro foram premiados em Cannes. Epa. Problemas: Cinéguide diz que o filme tem 160 minutos; a capa do vídeo diz que tem 107. Ou o vídeo foi cortado, ou o Cinéguide errou. Os demais alfarrábios não registram o filme.

O Terraço/La Terrazza

De Ettore Scola, Itália-França, 1980.

Com Marcello Mastroianni, Vittorio Gassman, Jean-Louis Trintignant, Ugo Tognazzi, Stefania Sandrelli, Serge Regianni, Carla Gravina, Ombretta Colli, Marie Trintignant

Argumento e roteiro Agenore Incrocci, Furio Scarpelli e Ettore Scola

Música Armando Trovajoli

Cor, 124 min

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