
(Disponível no Looke em 4/2025.)
Uma cara, espetacular produção, com grandes astros e um número imenso de figurantes, em uma longa narrativa épica sobre a sociedade e o amor nos conturbados, dolorosos tempos da Guerra Civil americana (1861-1865). Uma belle, rica, marcante sulista como protagonista, interpretada por uma atriz de beleza descomunal – nascida não na Georgia ou na Virginia, mas na Inglaterra.
Claro, óbvio: poderia ser uma sinopse de … E o Vento Levou/Gone With the Wind (1939), um dos maiores clássicos de Hollywood, até outro dia mesmo uma das maiores bilheterias de todos os tempos, com uma referência a Vivien Leigh. É uma síntese de Raintree Country, no Brasil A Árvore da Vida, lançado em 1957, 18 anos depois da superprodução de David O. Selznick. No papel da belle sulista, Elizabeth Taylor, com a beleza fulgurante, acachapante, sem jeito, de seus 25 aninhos. No lugar do orgulhoso, respeitado cavalheiro sulista interpretado por Clark Gable, há um íntegro, correto, respeitado ianque abolicionista interpretado por Montgomery Clift. Para compor o triângulo amoroso que também existe no outro filme, temos uma loura suave, educada, inteligente – o papel de Eva Marie Saint, três anos depois de Sindicato de Ladrões e dois anos antes de Intriga Internacional.
É difícil encontrar algum texto sobre A Árvore da Vida que não fale de … E o Vento Levou.
“Enorme tentativa da MGM de superar GWTW”, diz Leonard Maltin, que deu ao filme 3 estrelas em 4, “Com Taylor como a belle mimada da época da Guerra Civil que descobre que o casamento não é aquilo tudo que deveria ser. Atuações sólidas e uma trilha sonora memorável de Johnny Green ajudam a compensar o roteiro desconexo e longo demais.”
Diz o livro The MGM Story: “Franca tentativa de fazer outro Gone With the Wind falhou, apesar dos paralelos, como se originar de um best-seller de 1.100 páginas com múltiplos personagens e sequências de Guerra Civil, e sua massiva produção tendo custado U$ 6 milhões – à época um recorde entre todos os filmes da MGM rodados nos Estados Unidos. Deu um pequeno lucro. O roteiro de Millard Kaufman não conseguiu deixar a escarrapachada história de Ross Lockridge firme de pé, e houve algumas atuações ruins no elenco reunido por Edward Dmytryk, que incluía Eva Marie Saint, Nigel Patrick, Rod Taylor, Agners Moorehead, Walter Abel, Tom Drake, Jarma Lewis, Lee Marvin, Rhys Williams e Myrna Hansen.”
O Guide des Films de Jean Tulard avalia assim L’Arbre de Vie: “História de amor tendo como pano de fundo a Guerra da Secessão. Os autores miram na direção de Autant en Emporte le Vent. É longo, muito longo e terrivelmente sem graça e tedioso.”
Autant em Emporte le Vent. Belo título os franceses deram a Gone With the Wind. Parecido com o usado no Brasil, também bonito, … E o Vento Levou.
Agora, “longo, muito longo e terrivelmente sem graça e tedioso” é dureza, não? Acho isso um tanto exagerado.

Uma história com muitos personagens, várias subtramas
É necessário um resumo objetivo da trama. Transcrevo o do próprio Guide des Films, que é bem sucinto, mas depois vou atrás de um mais extenso. (Eu mesmo teria grande dificuldade em tentar uma sinopse objetiva…)
Diz o Guide: “Em Indiana, por volta de 1859, John Shawnessy (o personagem de Montgomery Clift) procura com sua colega Nell a Árvore da Vida (Nell é o papel de Eva Marie Saint, na foto abaixo). Mas ele esquece Nell pela bela Susanna, com quem ele se casa, sem saber que ela sofre de problemas mentais.”
(E depois disso, em uma frase, a sinopse conta o finzinho da longa história.)
Eis o relato da Wikipedia em inglês sobre a trama. Vai ser aspas para me permitir não ser literal e dar umas mexidas.
In 1859, o jovem idealista John Wickliff Shawnessey (Montgomery Clift) termina os estudos na sua terra natal, Raintree County, Indiana. É fascinado pela lenda sobre uma magnífica árvore que existe no pântano ali daquele condado.
John namora uma colega de escola, Nell Gaither (Eva Marie Saint), mas logo fica conhecendo Susanna Drake (Liz Taylor), uma moça rica de Nova Orleans. Os dois têm um breve mas apaixonado caso em uma ocasião em que ela está visitando Raintree County, onde o falecido pai dela, fazendeiro e político de muitas posses, construíra uma bela casa. Susanna viaja de volta para o Sul, mas reaparece em Indiana para dizer a John que está grávida de um filho dele. Os dois se casam, e viajam para o Sul.
Lá, ele fica sabendo sobre o passado de Susanna. A mãe dela tinha seriíssimos problemas mentais. Um incêndio cuja origem nunca ficou clara destruiu a mansão da família e matou a mãe, o pai e Henrietta, uma negra vinda de Cuba que, pelas indicações, havia sido amante do pai.
Com o passar o tempo, Susanna é obrigada a confessar que havia mentido sobre a gravidez, como um artifício para que eles se casassem.
Mas ela acaba ficando grávida, e têm um filho, Jim, que nasce pouco antes do início da Guerra Civil.
Gradualmente, a bela mulher vai perdendo a razão, a lucidez.
No terceiro ano da guerra, cada vez mais paranóica e sofrendo alucinações, ela foge com o garoto para a Geórgia, onde tem parentes e também uma casa.
Para tentar reencontrá-la, John abandona o cargo de professor da escola local e se engaja no Exército da União, na esperança de ser enviado para o front na Geórgia – o que acaba acontecendo.
A esta altura, já estamos no terço final do loooongo filme. Não tem sentido prosseguir no relato – que, na Wikipedia, vai até o finalzinho.
Há diversos eventos paralelos, vários outros personagens, como um sujeito alegre, folgazão (essa palavra é dos tempos em que se passa a ação…), com quem John disputa uma corrida quando ainda bem jovens, chamado Orville Perkins, apelido The Flash – o papel de um jovem Lee Marvin. Com o passar do tempo, Orville se revela uma boa pessoa, e estará junto de John na guerra.
Um outro personagem importante é Garwood B. Jones (o papel de um jovem Rod Taylor), colega de escola de John e Nell, que, no início da trama, um tanto disputava com ele as atenções da jovem loura. Com o passar do tempo, revela-se um mau caráter, um nortista anti-Abraham Lincoln, anti-abolição.

Um idealista apaixonado por uma escravagista racista
A posição das pessoas diante do escravagismo, evidentemente, tem grande importância na trama.
Sulista, criada em família dona de fazendas cheias de escravos, Susanna acha aquela coisa desumana absolutamente natural. Tem duas escravas que a servem sempre, onde estiver. Há um momento lá em que ela fala para John uma frase absolutamente abominável, uma coisa absurda. Algo assim – vai entre aspas, embora eu a cite de memória, e portanto não é ipsis litteris: – “A única coisa que pode haver pior do que o abolicionismo é ter uma gota sequer de sangue negro”.
Vai aí um ponto estranho na trama e na construção dos personagens. Como seria possível que aquele sujeito idealista, um abolicionista firmíssimo, conseguisse amar uma pessoa capaz de pensar dessa forma?
De forma nada explícita, o filme faz com que o espectador fique em dúvida: seria Susanna na verdade filha de Henrietta, a negra amante do pai?
Era 1957, e seguramente o roteiro não poderia ser muito explícito quanto a isso – o Código Hays ainda estava em vigência, e os estúdios não ousariam afirmar com todas as letras que aquela jovem virulentamente racista era filha de uma negra, e essa contradição a deixava louca.
Pauline Kael, a prima donna da crítica americana, dá a entender que o livro é mais claro sobre isso do que o filme, no verbete no seu 5001 Nights at the Movies. A edição brasileira, 1001 Noites no Cinema, editada e traduzida por Sérgio Augusto, deixou o filme de fora, e então sobra para mim o texto rico e um tanto difícil da madame. Vamos lá:
“Uma confusão em larga escala durante a Guerra Civil. Baseado na novela de 1948 de Ross Lockridge, o roteiro é tão literário e caótico que parece demente. No começo, o filme é todo falação e não há gancho algum para nos levar para dentro da história; mais tarde, as sequências não fluem em um conjunto. Como a belle sulista rica e órfã (cuja ancestralidade em parte negra é escondida), Elizabeth Taylor tem um rosto macio, um sorriso de lábios carnudos e, nas cenas iniciais, está divertidamente sedutora e estridente.”
Meto meu bedelho: sim, de fato, no início, Liz faz uma Susanna um tanto ousada, mais saidinha do que era aceitável naquela época. Há até uma referência de uma parente dela sobre os modos não muito apropriados da moça. Voltamos a Pauline Kael:
“Mas, como o belo abolicionista ianque, Montgomery Clift está em sério problema. Foi em 1956, no meio das filmagens, que ele ficou desfigurado em um acidente de carro; ele parece horrível, mergulhado em angústia, e sua atuação é afetada. Estranha. (Taylor, relativamente não afetada, tem uma atuação melhor, embora toda a graça desapareça de seu papel.) O diretor, Edward Dmytryk, deixou passar duas grandes atuações que valem um prêmio de consolação: Walter Abel (falso exagerado) e Agnes Moorehead (falsa alegre), como os pais de Clift. Mas este é aquele tipo de filme em que um coro celestial é ouvido enquanto Taylor e Clift conversam sobre a lendária mágica da raintree. O elenco inclui
Eva Marie Saint (que está incrivelmente bonita), Rod Taylor, Lee Marvin, Nigel Patrick, Tom Drake, DeForest Kelley e Gardner McKay. O roteiro é de Millard Kaufman; a música de Johnny Green parece estar tentando criar climas, mas a gente tem a sensação de que ele não tem certeza de que clima seria esse.”
Ah, a língua ironicamente ferina de Dame Kael…

O segundo dos três filmes com Liz e Monty
Um registro obrigatório: este foi o segundo dos três filmes estrelados pela dupla Liz Taylor-Montgomery Clift. Em 1951 haviam feito Um Lugar ao Sol/A Place in the Sun, de George Stevens, a adaptação do longo e extraordinário romance de Theodore Dreiser Uma Tragédia Americana, um drama pesado sobre a diferença entre as classes sociais. E em 1959, dois anos depois deste A Árvore da Vida, fariam De Repente, no Último Verão, de Joseph L. Mankiewicz, baseado em peça de Tennessee Williams que fala de homossexualidade, incesto, pedofilia e – meu Deus do céu! – canibalismo.
Eis aqui informações do livro The Films of Elizabeth Taylor, de Jerry Vermily e Mark Ricci:
“O custo à época astronômico de US$ 5 milhões foi parcialmente ocasionado pelo quase fatal acidente de automóvel, no meio das filmagens, de seu astro, Montgomery Clift, reunido com Elizabeth Taylor pela primeira vez desde A Place in the Sun. Isso causou muitas semanas de atraso na produção, durante as quais Clift passou por longas cirurgias plásticas no rosto. De fato, um estudo das fotos feitas durante as filmagens, em especial, mostra dois aspectos diferentes de Clift. Infelizmente, seu belo rosto de antes nunca voltou a ser o mesmo – nem suas atuações.”
E mais adiante:
“Depois do sucesso de Giant (no Brasil, Assim Caminha a Humanidade, de 1956, o filme anterior de Liz, aquela maravilha, dirigida por George Stevens, com Rock Hudson e James Dean), Elizabeth desejou ardentemente fazer aquele papel em Raintree County, e, embora o filme não tenha sido um sucesso notável, nem entre os críticos nem com o público, ela recebeu uma indicação ao Prêmio da Academia (que perdeu para Joanne Woodward em The Three Faces of Eve). Anos mais tarde, Taylor se lembrou da esquizofrênica Susanna Drake como um papel ‘interessante’, embora definisse o filme como ‘ruim’.)
Faço aqui um comentário absolutamente pessoal.
A Árvore da Vida é um daqueles filmes sobre os quais ouvi falar demais desde a passagem da infância para a adolescência. Claro, por causa dos atores famosos, por ouvir falar que era uma superprodução longa, cara. Tinha a maior curiosidade para vê-lo, como vi tantos filmes com Liz Taylor, Montgomery Clift e Eva Marie Saint dos 12 aos 18 anos – mas simplesmente não rolou oportunidade.
Só vim a ver o filme agora, o filme e eu já bem velhinhos – e o que aconteceu foi que ele me deixou meio zonzo, meio confuso, sem conseguir entender direito aquilo que estava vendo. Eu queria gostar do filme, mas ia achando tudo ruim, desengonçado. Tive uma sensação que não conseguia descrever – isso que Pauline Kael definiu com brilho, “the sequences don’t flow together”. As sequências não fluem, não formam um conjunto.
Coisa mais esquisita do mundo…
Anotação em abril de 2025
A Árvore da Vida/Raintree County
De Edward Dmytrik, EUA, 1957
Com Montgomery Clift (John Wickliff Shawnessy),
Elizabeth Taylor (Susanna Drake),
Eva Marie Saint (Nell Gaither),
Nigel Patrick (professor Jerusalem Webster Stiles), Lee Marvin (Orville Perkins, o Flash), Rod Taylor (Garwood B. Jones), Agnes Moorehead (Ellen Shawnessy, a mãe de John), Walter Abel (T.D. Shawnessy, o pai de John), Jarma Lewis (Barbara Drake), Tom Drake (Bobby Drake), Rhys Williams (Ezra Gray), Russell Collins (Niles Foster), DeForest Kelley (oficial sulista), Myrna Hansen (Lydia Gray)
Roteiro Millard Kaufman
Baseado no romance de Ross Lockridge, Jr.
Fotografia Robert Surtees
Música Johnny Green
Montagem John Dunning
Direção de arte William A. Horning, Urie McCleary
Figurinos Walter Plunkett
Produção David Lewis, MGM.
Cor, 168 min (2h48).
**
Título na França: “L’Arbre de Vie”. Em Portugal: “A Árvore da Vida”.

Mediano, sim. Uma seca, a maior parte do tempo. Liz Taylor é lindissima mas tem aquela voz…
Acho esse filme fraco apesar do bom elenco, mas achei estranho demais a indicação ao Oscar para Elizabeth Taylor nesse filme, tendo as estupendas e extraordinárias atuações de Marlene Dietrich em Testemunha de Acusação e Giulietta Masina em Noites de Cabíria.