3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2007, com complemento em 2008: Outro clássico que eu jamais tinha visto. Em Indiscreta, que vi pouco antes de ver este aqui, Cary Grant e Ingrid Bergman mostram sua beleza madura; aqui, Grant e Katharine Hepburn mostram sua beleza jovem. Os dois filmes são provas da tese de que ah, como era melhor o cinema nos anos 30 a 60. Os dois estão muito à frente de seu tempo e do comportamento médio, mediano, aceito como correto pela sociedade.
Este aqui tem a coragem, a ousadia de ser contra o princípio básico da sociedade capitalista de uma maneira geral, e da americana em particular, de que há poucas coisas mais sagradas na vida do que trabalhar duro para acumular quanto mais dinheiro for possível.
Ele é parente do conto de Somerset Maughan The Fall of Edward Barnard nas Histórias dos Mares do Sul (na tradução brasileira, o conto se chamou O Degenerado), que contrapõe a escravidão ao trabalho ao prazer de viver a vida intensamente. Antecipou em décadas a sede da contracultura pela liberdade e pelo gozar a vida, e é frankcapriano até a medula.
Cary Grant faz o papel de Johnny, um sujeito que fica noivo de Julia (Doris Nolan), a filha de um milionário. A família da noiva – com a honrosa exceção de Linda, a irmã ovelha negra (Katharine Hepburn) o pressiona para entrar nos negócios do milionário – tudo que ele não quer fazer na vida. Johnny, é claro, vai perceber que escolheu a irmã errada.
Uma maravilha – o único senão é o título brasileiro, que não tem nada a ver com nada.
Encontro no iMDB uma curiosidade interessante. Quase todo mundo se lembra da última frase de Rhett Buttler, o personagem de Clark Gable, em … E o Vento Levou, lançado em 1939. Ele está indo embora, finalmente; a pentelha da Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) faz uma pergunta do tipo “Mas o que será de mim?”, e ele responde a frase, uma das mais famosas da história do cinema:
– Frankly, my dear, I don’t give a damn.
Algo como “francamente, minha cara, não tô nem aí”. A questão toda é que damn – danado, danação, maldito, maldição – era um palavrão, e palavrão não podia de jeito nenhum, era uma coisa absolutamente proibida pelo Código Hays. Mas os produtores insistiram em mantê-la no filme, e conseguiram abrir essa brecha no código de autocensura de Hollywood.
Pois bem: o iMDB lembra que, neste filme aqui, de 1938, 18 meses antes de Clark Gable dizer a frase, Katharine Hepburn pronuncia a palavra damned – ao imitar Lady Macbeth numa fala da peça de Shakespeare. E o Código deixou passar.
O livro The Columbia Story conta que o chefão do estúdio, Harry Cohn, queria Irene Dunne no papel de Linda. O diretor George Cukor insistiu em Katharine Hepburn. O filme não foi um sucesso de bilheteria, e Cohn deu ordem para que a Columbia nunca voltasse a filmar com Katharine. Sorte dos outros estúdios.
Boêmio Encantador/Holiday
De George Cukor, EUA, 1938.
Com Cary Grant, Katharine Hepburn, Doris Nolan, Lew Ayres, Edward Everett Horton
Roteiro Donald Ogden Stewart e Sydney Buchmann
Baseado no livro de Philip Barry
Produção Columbia.
P&B, 95 min.
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