Em seu quarto longa-metragem como diretora, a ex-garotinha prodígio e sempre talentosa Jodie Foster ataca, ao mesmo tempo, o capitalismo e os meios de comunicação.
Mais especificamente, o capitalismo financeiro, o poder sem controle dos bancos, das financeiras, da especulação desenfreada nas Bolsas de Valores – Wall Street, em suma –, e os programas de TV que misturam informação com entretenimento, o amaldiçoado infotainment, que transforma notícia em fantástico show da vida.
Mas Money Monster, no Brasil Jogo do Dinheiro, ataca essas duas coisas com tamanha força, tamanha garra, tamanha paixão, que sobra petardo para o capitalismo como um todo, os meios de comunicação de massa como um todo.
Uma história original – mas há um pessoa real parecida com o protagonista
É uma história original, criada pela dupla Alan DiFiore & Jim Kouf diretamente para o filme. Com base na história, houve um primeiro roteiro, escrito por Jaime Linden; aparentemente, os próprios autores da história reescreveram o roteiro e deram a forma final.
O personagem central – o papel de George Clooney – chama-se Lee Gates. Ele é o apresentador de um programa de TV sobre economia e finanças – com a estranha característica de que fala de economia e finanças como se fosse assim uma espécie de mistura de Chacrinha com Datena. Veste-se com adereços esquisitos, que nem o Velho Guerreiro, e fala e gesticula como o apresentador dos sangrentos programas que transformam os crimes em shows, dança ao som de raps, faz o diabo.
Por mais esquisito que possa parecer, esse personagem não é inteiramente uma invenção das mentes criativas da dupla DiFiore-Kouf. Há nos Estados Unidos – segundo aprendo lendo no IMDb o comentário de um canadense que se assina cultfilmfan – um sujeito chamado Jim Cramer que faz um “show financeiro” chamado “Mad Money”, bastante parecido com o show “Money Monster” apresentado por Lee Gates.
O show de Lee tem uma diretora extremamente competente, Patty Fann (o papel de Julia Roberts). O apresentador e a diretora trabalham juntos há bastante tempo, mas, na época em que se passa a ação, a relação anda um tanto desgastada, em boa parte devido à imensidão do ego de Lee Gates: ele já não obedece mais às orientações da sua diretora, insiste em improvisar, em tomar decisões enquanto o show está no ar, ao vivo. Os bons índices de audiência e sua vaidade inesgotável subiram-lhe à cabeça, em suma.
Quando a narrativa começa, Lee Gates está falando em seu programa de uma empresa chamada Isis, que, dias antes, tinha tido um prejuízo de US$ 800 milhões; suas ações tinham sido reduzidas quase a pó, dando prejuízos imensos a milhares e milhares de pessoas que haviam apostado nela.
Ao longo de vários meses, antes dessa espetacular queda, as ações da empresa tinham tido uma subida firme, segura, e Lee havia sugerido diversas vezes que os espectadores deveriam comprar os papéis da Isis.
A explicação que a empresa havia dado para o prejuízo absurdo era um problema ocorrido com os algoritmos de um programa que usava para escolher seus investimentos.
Um rapaz invade o estúdio e ameaça explodir o apresentador ao vivo e em cores
Lee Gates está no ar quando um sujeito entra no prédio da emissora de TV carregando duas caixas parecidas com as de grandes pizzas. Os guardas de segurança deixam passar – aparentemente, entregadores de refeições usando exatamente aquele tipo de uniforme entravam ali todos os dias.
Não era um entregador de pizza. Era um jovem que invade o estúdio em que Lee está falando ao vivo, exibe um revólver, dá um tiro para o alto para mostrar que a arma não é de brinquedo, e obriga o perplexo, chocado apresentador do show a vestir um macacão que contém uma bomba. O rapaz diz que está segurando o detonador. Se alguém desobedecer às suas ordens, ele explodirá Lee Gates – ao vivo e em cores.
O rapaz se chama Kyle Budwell (Jack O’Connell, numa ótima atuação). Ele explica, no ar, que acreditou nos conselhos de Lee e usou o dinheiro que tinha em ações da Isis. Seu dinheiro tinha virado poeira. E agora ele exigia que Lee, que tantas vezes havia entrevistado o dono da empresa, Walt Camby (Dominic West), o entrevistasse de novo, imediatamente, para que explicasse, tintim por tintim, que raios de problema tinha acontecido para que tantos milhares de americanos tivessem perdido do dia para noite suas economias.
Um bravo panfleto contra a ganância, o capitalismo especulativo
Fiquei imaginando: eis aí uma mistura de Rede de Intrigas com Um Dia de Cão com algumas pitadas de O Quarto Poder.
Em Rede de Intrigas/Network (1976), de Sidney Lumet, uma rede de TV explora cinicamente, em busca de maior audiência, o caso de um âncora (o papel de Peter Finch) que tem um surto psicótico no ar. Em Um Dia de Cão/Dog Day Afternoon (1975), também de Lumet, um homem desesperado (uma das grandes interpretações de Al Pacino) assalta um banco, toma vários funcionários como reféns e o caso vira um show midiático, acompanhado ao vivo por toda Nova York.
E em O Quarto Poder/Mad City (1997), um dos vários filmes americanos do mestre do cinema político, Costa-Gavras, um segurança com problemas mentais após perder o emprego (John Travolta) toma de assalto um museu de história natural, transforma um grupo de crianças em reféns e vira atração na TV ao ser filmado e entrevistado por um repórter esperto (Dustin Hoffman).
Jodie Foster, inteligência completamente fora do normal, no show business desde os 2 anos de idade, 54 anos em 2016, ano de lançamento deste seu quarto filme como diretora, seguramente viu e reviu os três filmes citados.
Fez um filme competente, é claro. Jodie Foster não consegue fazer nada que não seja competente.
É um bravo panfleto contra a ganância, o poder do capital financeiro que não produz riquezas, especula, cria bolhas, provoca riquezas da noite para o dia e também leva a misérias – como a gigantesca crise iniciada em 2008 com a falência do Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimento do mundo.
Há boas atuações de todo mundo – desde os atores secundários que têm poucas falas até o trio central, os gigantescos astros George Clooney e Julia Roberts e esse garoto que eu não conhecia, Jack O’Connell, um inglês nascido em 1990.
Chama a atenção também uma atriz linda de nome irlandesmente estranho, Caitriona Balfe. Ela interpreta Diane Lester, diretora de comunicações do grupo Isis e – veremos bem mais tarde – também amante de Walt Camby, o dono golpista, larápio, da empresa. Caitriona Balfe. Linda – e sabe atuar. Se bem que, dirigida por Jodie Foster, qualquer pessoa saberia atuar.
Jodie Foster dirige a atriz que tomou dois papéis que poderiam ter sido dela
A página de Trivia do IMDb traz uma informação interessante, algo que eu não sabia: nos preparativos para a produção de Uma Linda Mulher/Pretty Woman (1990), os produtores pensaram na bela Jodie Foster para o papel da prostituta por quem o milionário feito por Richard Gere se apaixona. O IMDb não diz isso, mas é bom lembrar que Jodie Foster se tornou estrela ao interpretar uma prostituta pré-adolescente em Taxi Driver (1976).
O nome de Jodie Foster também foi considerado para o papel principal feminino de Teoria da Conspiração (1997). Os dois papéis acabaram ficando com Julia Roberts. O gostoso na história é que o protagonista de Teoria da Conspiração é Mel Gibson, e o diretor é Richard Donner. Richard Donner dirigiu Mel Gibson e Jodie Foster no delicioso Maverick (1994).
Mel Gibson e Jodie Foster são, ambos, astros que viraram diretores – e são amigos. A carreira do australiano já havia sofrido um baque grande, basicamente por causa de problemas comportamentais dele, tipo dirigir bêbado e xingar judeus, quando Jodie Foster o colocou no papel principal de seu terceiro filme como diretora, Um Novo Despertar/The Beaver (2011).
Fui agora dar uma olhada no que o AllMovie fala sobre o filme. O povo do belo site não gostou. Deu ao filme 2 estrelas em 5. No final de sua crítica, Tim Holland escreve o seguinte:
“Money Monster, um filme que se tem em alta conta, tenta pesar na nossa crise financeira que ainda não acabou, mas tudo o que ele consegue dizer é que há algumas pessoas terrivelmente sombrias, desonestas, trabalhando em Wall Street. Que chocante! Aqui vai um conselho financeiro real: não gaste o dinheiro que você ralou tanto para ganhar para ver Money Monster nos cinemas; espere que ele chegue à Netflix ou a TV a cabo. Ou, melhor ainda, veja Dog Day Afternoon e Network e cheque como são dramas realmente convincentes.”
Achei que eu tinha tido uma bela sacada lembrando de Um Dia de Cão e Rede de Intrigas. Que nada: parece que a semelhança é bastante óbvia.
Anotação em setembro de 2016
Jogo do Dinheiro/Money Monster
De Jodie Foster, EUA, 2016
Com George Clooney (Lee Gates), Julia Roberts (Patty Fenn), Jack O’Connell (Kyle Budwell)
e Dominic West (Walt Camby), Caitriona Balfe (Diane Lester), Giancarlo Esposito (capitão Powell), Christopher Denham (Ron Sprecher, o assistente de Lee), Lenny Venito (Lenny, o cameraman), Chris Bauer (tenente Nelson), Dennis Boutsikaris (Avery Goodloe, da Isis), Emily Meade (Molly, a namorada de Kyle), Condola Rashad (Bree, a assistente), Aaron Yoo (Won Joon)
Roteiro Jamie Linden e Alan DiFiore & Jim Kouf
Baseado em história original de Alan DiFiore & Jim Kouf
Fotografia Matthew Libatique
Música Dominic Lewis
Montagem Matt Chesse
Casting Avy Kaufman
Produção Sony, LStar Capital, Smokehouse Pictures, Allegiance Theater
Cor, 98 min
**1/2
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