Não é um filme importante, nem pretende ser, de forma alguma. Desagradou a uma grande quantidade de gente. Mas, como diria Ivana, a personagem do ótimo Corazón de León, ele me encantó. Gostei bastante de vê-lo, e Mary também.
Certamente porque tem a ver com Cuba, esse país que todos adoramos, por um motivo ou outro. A ação se passa em Havana, em novembro e dezembro de 1958, exatamente os dois meses que precederam a vitória da revolução de Fidel Castro e Che Guevara.
Não se debruça sobre política – é uma história de amor de um casal extremamente jovem, uma história de amor e de amor à dança. Mas não foge feito o diabo da cruz de falar em política. Até porque seria absolutamente impossível.
Produção americana de 2004, Noites de Havana não tem uma visão negativa da revolução, de forma alguma. Bem ao contrário: mostra o regime de Fulgêncio Batista como uma ditadura sanguinária, impiedosa, que persegue pessoas honestas, patriotas, e portanto vê com simpatia a derrubada do regime.
Em tudo por tudo, o filme – despretensioso, simples – respeita os valores corretos, a escala de valores que para mim é a correta. É contra preconceitos e preconceituosos, é contra quem se julga superior aos outros por ter mais dinheiro, ser de país mais rico ou poderoso, ou qualquer outro motivo fútil. É a favor das pessoas de bem, de boa vontade; é a favor da música, da dança, da alegria, do amor.
E ainda por cima os cubanos, quando estão entre si, falam espanhol. Que maravilha ver um filme americano em que os estrangeiros falam na sua própria língua, e não em inglês!
O filme abre de forma brilhante, com um esplendor visual e o som cubano
A abertura é um brilho, um esplendor visual: enquanto a voz em off da protagonista da história, a garotinha americana Katey Miller (Romola Garai), vai contando que seus pais decidiram se mudar para Cuba quando ela estava no último ano do colégio, vemos a família dela – pai, mãe, ela, a irmã mais nova – num táxi chegando à Havana do final de 1958, uma beleza de cidade com um casario imponente, ruas cheias de carro e gente, um comércio febril. As imagens se misturam com grafismos em cima delas, as tomadas viram cartões postais, a tela se enche de cartões postais, de letreiros – e ouvimos aquele som de música caribenha, cubana, aquela coisa forte, fascinante, que deixava os gringos vizinhos boquiabertos naquela época e continua deixando o mundo boquiaberto hoje, depois que Ry Cooder e Wim Wenderes trouxeram de volta os veteranos músicos do que ficou conhecido como Buena Vista Social Club – um pouco do melhor do latin jazz, mistura de rumba, mambo, salsa, cha-cha-cha, danzón, o escambau.
Veremos que a mãe de Katey, Jeanne (Sela Ward, atriz de uma beleza estonteante, na foto), e o pai, Bert Miller (John Slattery, o Roger Sterling de Mad Men), tinham sido, na juventude, extraordinários dançarinos, mestres nas danças de salão. Bert agora trabalha na Ford, e tinha tido uma baita promoção para um cargo importantíssimo em Havana, para onde fora também seu chefe imediato, Mr. Phelps (Lawrence Duffy).
Os quatro membros da família ficarão hospedados, certamente ás custas da Ford, num belíssimo, luxuoso hotel.
Katey é daquele tipo de adolescente que não está nem aí para luxo e riqueza. É um tipo raro, mas existe, sim, e Katey é desse grupo. É uma jovem séria, estudiosa, leitora voraz, amante de Jane Austen, conhecedora de Homero.
Na área da bela piscina do hotel, Katey conhecerá James Phelps (Jonathan Jackson), filho do chefe de seu pai. James é bonitão, e, como é filho de alto executivo da Ford, é cobiçado pelas mocinhas americanas que transitam em volta da piscina, como Eve, uma muito bonitinha. Essa Eve tem pouquíssima importância na história, mas me chamou a atenção por ser interpretada por January Jones, a atriz que, por uma fantástica coincidência, trabalharia ao lado de John Slattery na série Mad Men, em que interpreta Betty, a primeira mulher de Don Draper.
Katey está conhecendo James Phelps, Eve e aquela turminha quando, num gesto desajeitado, estabanado, abre os braços e acaba derrubando as bebidas que um funcionário do hotel vinha trazendo numa grande bandeja para o grupo.
O jovem garçom se chama Javier, e é interpretado pelo mexicano Diego Luna.
Sensível, inteligente, Katey percebe que o garçom leva uma bronca de um superior, como se a culpa tivesse sido dele. Ela vai até lá, defende o rapaz, diz que a culpa foi dela.
Para encurtar a história: Katey e Javier ficarão amigos. Vão se inscrever como um par para um concurso de dança latina – sem que os pais dela tivessem conhecimento. E, claro, vão se apaixonar.
A história se inspira em parte em fatos reais da vida da produtora
Fiquei muito impressionado ao ver como Diego Luna e Romola Garai estão jovens neste filme lançado nove anos atrás, em 2004. Os dois estão com carinha de muito garotinhos.
Romola Garai é de 1982, e estava portanto com 22 anos quando o filme foi lançado, mas parecia ter menos, parecia ter os 18, 19 anos da personagem. Filha de um banqueiro e uma jornalista ingleses, nasceu em Hong Kong; a família voltou a se estabelecer na Inglaterra quando ela tinha 8 anos. Me chamou a atenção pela primeira vez como a Briony Tallis aos 18 anos em Atonement, aqui Desejo e Reparação (2007), mas já havia trabalhado com Woody Allen em Scoop (2006). Creio que nunca esteve tão bonita quanto neste Havana Nights – e o diretor Guy Ferland usa e abusa de belas tomadas da moça.
Diego Luna é apenas três anos mais velho que a colega inglesa: nasceu na Cidade do México em 1979. Já era um ator experiente e aclamado em 2004: E Sua Mãe Também, em que ele divide a tela com o outro grande ator mexicano de sua geração, Gael García Bernal, é de 2001. Os dois voltariam a trabalhar juntos em outro grande filme, Rudo e Cursi (2008).
Estão jovens, belos e talentosos no filme, Romola Garai e Diego Luna. Achei que entre eles houve a tal da química, essa coisa mágica, imaterial, que às vezes rola, outras vezes não, entre atores que trabalham juntos.
Nenhum dos dois tinha treinamento em dança. Antes do início das filmagens, os dois passaram dez semanas treinando durante oito horas por dia com quatro dançarinos e coreógrafos e sob a supervisão da produtora JoAnn Fregalette Jansen.
JoAnn Fregalette Jansen. Essa moça se mudou com sua família para Cuba em 1958, pouco antes da revolução que derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista e algum tempo depois adotou o comunismo. A história do filme se baseia em alguns fatos da vida dela. Isso explica o letreiro que, no início da narrativa, diz “baseado em eventos reais”.
O treinamento de Romola Garai e Diego Luna aconteceu em Porto Rico, o lugar em que aconteceram as filmagens. A produção, é claro, não pôde fazer a filmagem na própria Havana. De qualquer forma, o trabalho das equipes de direção de arte foi primoroso: o que vemos na tela é muito parecido com o que vemos em filmes de fato rodados em Havana.
Por uma mera coincidência, vimos este Havana Nights poucos dias depois de ter visto Chico y Rita, a maravilhosa animação dirigida em 2010 pelos espanhóis Tono Errando, Javier Mariscal e Fernando Trueba. A ação de Chico y Rita se passa em Havana, e se estende desde 1948 até os dias de hoje, passando, é claro, pela revolução do finalzinho de 1958. O ilustrador Javier Mariscal fez uma vasta pesquisa para recriar a Havana pré-revolução que é exatamente a mostrada aqui neste Havana Nights.
Não faz muito tempo havíamos visto também 7 Dias em Havana, co-produção França-Espanha de 2012 filmada de fato na capital cubana.
E não dá para deixar de notar como é impressionante a quantidade de bons filmes que falam sobre Cuba antes, durante e depois da revolução. Só para citar alguns, há Topázio/Topaz (1969), de Alfred Hitchcock, O Poderoso Chefão 2/The Godfather 2 (1974), de Francis Ford Coppola, Cuba (1979), de Richard Lester, Havana (1990), de Sydney Pollack, A Cidade Perdida (2005), de Andy Garcia, Habana Blues (2005), de Benito Zambrano – para não falar dos cubanos Morango e Chocolate/Fresa y Chocolate (1994) e Guantanamera (1995), os dois de Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabio, e das duas partes de Che (2008), de Steven Soderbergh.
Exatamente como vários desses filmes citados aí – em especial Chico y Rita, Habana Blues e 7 Dias em Havana e mais os dois cubanos -, retrata-se neste Havana Nights um povo alegre, expansivo, feliz, miscigenado, sensual e extremamente musical. Igualinho que nem o povo brasileiro. Havana – tive essa sensação ao ver os filmes citados neste parágrafo – é exatamente igual a Salvador. O que não é à toa, de forma alguma, já que nas duas cidades, nos dois países, há forte influência dos escravos trazidos dos mesmos lugares da África. Os deuses são os mesmos – Yemanjá, Oxóssi. Os costumes são os mesmos. A musicalidade é a mesma.
O título vende uma sequência de Dirty Dancing, mas não é, de jeito nenhum
Na abertura desta anotação, disse que o filme desagradou a muita gente. O IMDb informa que, numa enquete feita em 2006 pela revista americana Entertainment Weeekly sobre As 25 Piores Sequências Que Já Foram Feitas, este Dirty Dancing: Havana Nights ficou em 11º lugar.
Hum…
Fiz uma teoria para explicar isso. É uma teoria – pode estar inteiramente furada. Mas também pode estar perto da verdade.
O filme decepcionou muita gente porque o Dirty Dancing original foi extremamente bem amado, caiu como luva no gosto de milhares e milhares e milhares de pessoas. Aí muitas delas foram atrás deste filme esperando que ele fosse uma sequência do original – mas este aqui não é, de forma alguma, uma sequência do original. E aí houve a decepção – motivo pelo qual o filme foi votado como o 11º na relação dos Top 25 Worst Sequels Ever Made.
Na minha teoria, o que aconteceu foi que os produtores quiseram ser espertos, quiseram surfar na onda do sucesso do filme original, de 1987 – em que uma garota (interpretada por Jennifer Grey), durante um acampamento de verão, se apaixona pelo instrutor de dança (o papel de Patrick Swayze, aquele ator que, por algum motivo, despertou a paixão de milhões de mulheres mundo afora em Dirty Dancing e também em Ghost – Do Outro Lado da Vida (1990).
E então usaram a expressão Dirty Dancing no início do título. Para tentar justificar isso, incrustraram na história que está lá em Havana um instrutor de dança interpretado pelo mesmo Patrick Swayze do filme original. O instrutor aparece em algumas sequências.
Ou seja: venderam gato por lebre. Cometeram estelionato titulal, semelhante ao eleitoral que o PT faz.
Quiseram dar uma de Gerson, ser espertos demais – se ferraram.
Aposto que se o filme chamasse apenas Noites de Havana/Havana Nights, não teria tanto gente contra ele.
Leonard Maltin, vejo agora, deu 2.5 estrelas ao filme, a mesma cotação que eu havia dado antes de começar a escrever esta anotação.
Ele diz, no seu guia de filmes mais vendido do mundo, que é um filme bastante agradável sobre garota cuja família se muda para Cuba em 1958, quando as tensões políticas estão crescendo. “Ela ama a liberdade das danças latinas e encontra um par perfeito, um rapaz que trabalha como garçom no hotel em que ela está. Os dois atraentes atores centrais fazem com que seja agradável ver o filme. (…) Swayze, que estrelou o original Dirty Dancing, faz um um instrutor de dança aqui.”
Nem sempre concordo com as opiniões de Leonard Maltin, mas aqui estou de pleno acordo. É de fato um filme agradável. Como eu disse lá no alto: não é importante, nem pretende ser. Mas ele de fato me encantou.
Anotação em novembro de 2014
Dirty Dancing – Noites de Havana/Dirty Dancing: Havana Nights
De Guy Ferland, EUA, 2004
Com Diego Luna(Javier Suarez), Romola Garai (Katey Miller),
e Sela Ward (Jeannie Miller, a mãe), John Slattery (Bert Miller, o pai), Mika Boorem (Susie Miller, a irmã), Jonathan Jackson (James Phelps), Mary Portser (Mrs. Phelps), Lawrence Duffy (Mr. Phelps), January Jones (Eve), René Lavan (Carlos Suarez), Mya Harrison (Lola Martinez),
Roteiro Boaz Yakin e Victoria Arch
Baseado em história de Kate Gunzinger e Peter Sagal
Fotografia Anthony B. Richmond
Música Heitor Pereira
Montagem Luís Colina e Scott Richter
Produção Lions Gate Films, Miramax Films.
Cor, 86 min
**1/2
Quando li o título do filme, já imaginei que quiseram pegar carona na fama do original “Dirty Dancing”. À medida em que fui lendo o texto consegui identificar similaridades entre as duas histórias (até uma irmã a protagonista tem, bem feiosinha, diga-se de passagem), e algumas das fotos lembram bastante algumas cenas do outro filme. Resolvi ir atrás assim mesmo, por causa da participação de Patrick Swayze; deve ter sido uma de suas últimas aparições em filmes, antes de ter sido levado precocemente pelo câncer.
“Patrick Swayze, aquele ator que, por algum motivo, despertou a paixão de milhões de mulheres mundo afora.” Motivo, ou neste caso, alguns dos motivos: bonito, alto, olhos gateados, e ainda por cima dançava bem. Vi tanto “Dirty Dancing” quanto “Ghost” milhões de vezes, e na época nem o achava bonito. Comecei a ver alguma graça no homem depois de adulta, acho que na mesma época em que fiz aulas de dança. Assisti a um filme com ele há muitos anos chamado “Three Wishes”. É meio uma fábula, e gostei bastante; talvez hoje eu achasse ruim, mas me deu vontade de rever (não sei por que lembrei disso agora).
Fui atrás, já assisti, e achei este “Dirty Dancing – Havana Nights” apenas ok; não tem grandes atuações, mas também não tem ninguém muito ruim. A história é batida, e o desenrolar meio previsível, mas a dança cativa, e atuação dos protagonistas também ajuda.
Como a história se passa em Havana, eu esperava uma trilha sonora bem latina, com mais espanhol do que inglês; me decepcionei com as músicas cantadas por Wyclef Jean, uma delas conhecidíssima na voz enjoada de Shakira, e pelo grupo Black Eyed Peas. Uma história que se passa no final dos anos 1950 com canções atuais? Alguns acordes da música tema de “Dirty Dancing”, “I’ve had The Time of My Life” (para quem gosta de dança, vale a pena ver o número no YouTube com Patrick e a insossa Jennifer Grey) são tocados algumas vezes durante o filme (o que me faz crer que o título se referindo ao original não foi à toa, assim como a participação de Swayze).
Tenho simpatia pela atriz Sela Ward, que fez uma série que eu adorava: “Once and Again”. Neste filme ela está bem, toda bonitona.
Apesar da participação pequena, foi bom ver Patrick Swayze dançando com Romola Garai, e em ótima forma aos 50 e poucos anos (a moça devia dar graças aos céus por ter tido a oportunidade de dançar com um cara como ele).
O filme é mesmo agradável de ver, ainda que com os clichês, e a decaída na reta final apelando para o melodrama. Mas o último número de dança é ridículo: parece que a música foi feita nas coxas, só pra caberem as palavras “dirty dancing”; ainda temos que engolir os pais super tradicionais e moralistas, apoiando a filha numa coreografia toda sexualizada. Me lembrou o final também ridículo de “Quem Quer Ser Um Milionário?”, guardadas as devidas proporções.
Eu poderia discorrer sobre algumas falhas (vestidos cujas alças fininhas não dariam segurança em uma dança que exige vigor, sotaques que não batem com a nacionalidade dos atores, cortes de câmera que impedem de ver a coreografia completa), mas vamos evitar a fadiga, porque o filme não merece tanto.
Como não sei se você vai ver e escrever um dia sobre o “Dirty Dancing” original, vou deixar aqui uma curiosidade. Quando perguntado o que tinha achado do filme, the one and only Gene Kelly disse que havia gostado da dança, mas que não tinha visto nada de muito sujo nele. Que ele havia feito “Marjorie Morningstar” anos antes, e a história era bem parecida. O mais legal da coisa é: ele disse isso do alto dos seus 75 anos. Um Gene Kelly velhinho falando que não viu nada de muito sujo num filme que tem “sujo” no título. How cool is that?
OK, você venceu, Jussara: vou atrás de “Dirty Dancing”!
Abração.
Sérgio
Ai, Meu Deus, que responsabilidade! Por favor, assista sem nenhuma expectativa (mas também sem espírito de prevenção). O filme virou cult, mas não posso dizer que é um grande filme; é um bom e velho clichê, isso sim. É daqueles que quando a gente gosta é porque gosta, mesmo sabendo que a história não é essa Coca-Cola toda. E é tudo muito brega, afinal, eram os anos 1980 (mas eu tenho o DVD comemorativo de 20 anos mesmo assim. he).
Mais uma vez, acho que é a dança que cativa. Ontem li por acaso que dançar libera substâncias antidepressivas, o que todo mundo meio que já sabe, mas que ver alguém dançando também estimula conexões nervosas.
Abraços.