[rating:4]
Anotação em 2009: Foi um imenso prazer – e até uma experiência assustadora – rever este belíssimo filme, 14 anos depois da primeira vez. Todas as pessoas que gostam de cinema deveriam ver e rever Morango e Chocolate.
Logo que acabamos de ver, fui checar minhas anotações. Tínhamos visto em outubro de 1994, o mesmo ano em que ele foi produzido, no então Espaço Banco Nacional de Cinema, depois Unibanco. Só anotei os dados básicos e dei a cotação, quatro estrelas. Não escrevi nada sobre o filme na hora – e, como digo sempre, não anotou, dançou. Dois anos depois, em 1996, veríamos Guantanamera, da mesma dupla Tomaz Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío, então o mais recente deles – e sobre esse filme fiz a anotação que agora está no site. Fazia comparações entre os dois, é claro.
Será possível que Morango e Chocolate pareça hoje ainda melhor do que na época do lançamento? Acho que sim – e isso, sem dúvida alguma, é algo que só as obras realmente extraordinárias conseguem.
Vamos lá: é um filme belíssimo, em primeiro lugar porque é inteligente, sensível, extremamente bem feito, bem realizado, em todos os níveis, e porque é uma emocionante ode às coisas que de fato importam na vida: o amor, a amizade, a aceitação do que é díspar, diferente, às vezes o contrário, o antípoda.
Em segundo lugar, porque é uma obra de arte feita com uma enorme paixão pelo ser humano, pelo que ele pode conseguir de sublime e pelos seus pequenos defeitos; e uma enorme, imensa, gigantesca paixão pelo país dos artistas que a realizaram. Morango e Chocolate é uma declaração de amor a Cuba, a Havana, aos cubanos.
Em terceiro lugar, porque é um filme extremamente corajoso, em tudo por tudo, em todos os aspectos. O filme questiona a revolução cubana, o regime de Fidel Castro, o tempo inteiro; expõe as chagas todas, a falta de liberdade, a força da burocracia, a falta das coisas básicas, o mercado negro, o regime policialesco, sufocante, dos inspetores de quarteirão, a vigilância dos vizinhos, a necessidade do dedo-durismo. E porque, ainda por cima, trata de homossexualismo, um tema que o regime sempre abominou.
Uma sinopse breve: David (Vladimir Cruz, à esquerda na foto), um rapaz universitário, comunista, que tem consciência o tempo todo de que está tendo a oportunidade de fazer faculdade graças à revolução cubana, aproxima-se de Diego (Jorge Perugorría, à direita na foto), um sujeito que é a essência de tudo o que o regime condena: homossexual assumidérrimo, defensor arraigado do direito básico de não seguir a cartilha imposta pelos donos do poder, do partido único, crítico inabalável do governo de Fidel, leitor e admirador de escritores estrangeiros que não seguem o modelo traçado pelo socialismo cubano.
A princípio, David é convencido por Miguel (Francisco Gattorno), um colega comunista fidelíssimo ao regime, a aproveitar a aproximação com Diego para obter informações sobre suas atividades clandestinas, contra-revolucionárias, entreguistas, imperialistas (tais como: querer organizar uma exposição de esculturas de figuras religiosas, santos e quetais, e ter em casa revistas e uísque estrangeiros). Com o tempo, a amizade entre os dois vai se solidificando, embora David continue fiel à sua ideologia.
Um dos elos de ligação entre os dois é Nancy (Mirta Ibarra, ótima), vizinha e amiga de Diego num daqueles prédios que já foram belíssimos e estão se deteriorando no centro de Havana. É uma personagem riquíssima: ao mesmo tempo em que é a vigilante do prédio, a pessoa que tem que observar os vizinhos para notar algum sinal de atitude contra-revolucionária, ela dá um jeito de ganhar dinheiro no mercado negro, e protege Diego como pode; sensual, religiosa (conversa com os santos, os alimenta, pede graças a eles, os ameaça se não for atendida), alterna momentos de alegria e arrebatamento com outros de depressão que a levam a tentar o suicídio.
Os diretores usam Diego para mostrar para David e para o espectador as belezas arquitetônicas de Havana. Num determinado momento, Diego diz para David, e para nós: “É uma das cidades mais bonitas do mundo. Olhe bem para ela, antes que ela acabe de ser destruída”.
Jorge Perugorría, ator excelente, experiente, faz um Diego arrebatadamente veado, para usar a palavra politicamente incorreta que melhor define o tipo de homossexual cheio de trejeitos e desmunhecagem. A veadagem de seu Diego é explícita demais, como uma arma anticonvenções, uma forma de assumir sua diferença e chocar, épater não a burgeoisie, mas sim os camaradas comunistas. Em diversas cenas, Perugorría faz seu Diego – uma pessoa extremamente sensível e sofrida – ficar com os olhos marejados de lágrimas. É um assombro de interpretação.
Em 1996, quando vi Guantanamera, escrevi: “É igualmente crítico dos erros do regime cubano, mas com uma crítica feita com amor e simpatia. A rigor, é ainda mais crítico que o anterior (Morango e Chocolate), é mais contundente no ataque à rigidez do regime, à incapacidade do regime de se adaptar, abrir brechas na estrutura imutável desde 1960. Mas é de fato uma crítica sem ranço, sem reacionarismo, sem nem um pouquinho de baba na gravata. É tudo bem humorado, pra cima, gostoso, com um grande encantamento pelo povo cubano – mostrado como exatamente igual ao brasileiro: maroto, esperto, capaz de se virar, curtindo fazer pequenos trambiques, apaixonado pelos prazeres da vida, do sexo à bebida, comida, cigarro.”
Em 1996, eu ainda tinha um resto do respeito e da reverência de toda minha geração pela revolução cubana. Hoje, 2009, com o regime ainda imutável após 50 anos de existência, caquético, esclerosado, não tenho mais nem respeito nem reverência por Fidel e sua ditadura, tão ditadura quanto as de um Franco, um Salazar. O filme – vejo agora – não é nada suave contra o regime; é duríssimo, é uma crítica muito forte. E então rever Morango e Chocolate hoje assusta, porque parece incrível, absurdo, impossível, incompreensível que o regime castrista tenha permitido que o filme fosse produzido e exibido.
Claro, é preciso lembrar que Tomaz Gutiérrez Alea foi um revolucionário de primeira hora – e que fez filmes aplaudidos e reconhecidos em todo o mundo. Virou herói da revolução cubana, assim como Eisenstein e Pudovkin foram heróis da revolução russa. E aí me lembro mais uma vez do que dizia Milos Forman, um dos grandes diretores checos que fizeram belas obras nos anos 60, na época da Primavera de Praga: “Pertenci a uma geração de diretores checos que foram favorecidos por um instante de abertura” (não usou a expressão Primavera de Praga), “que fizeram filmes que foram aprovados no Ocidente, e os dirigentes comunistas detestavam aqueles filmes, mas ao mesmo tempo ficavam absolutamente contentes com o fato de aqueles filmes estarem recebendo elogios no Ocidente. E por isso pudemos continuar fazendo filmes, até que os tanques russos invadiram a Checoslováquia, em 1968, e aí eu fugi para cá.”
Fidel e sua camarilha seguramente devem ter odiado Morango e Chocolate – assim com Stálin seguramente odiou Ivan, o Terrível, em que Eisenstein, sem fugir dos dogmas do realismo socialista que ele mesmo em boa parte criou, faz uma crítica violenta aos ditadores, ao absolutismo. Mas deixaram que os filmes fossem exibidos, porque afinal foram feitos por heróis da revolução, admirados no mundo inteiro.
Morango e Chocolate chegou a ser indicado ao Oscar – teve 23 prêmios ao redor do mundo. O Oscar, o Festival de Berlim (onde o filme foi exibido e premiado) são das piores representações do imperialismo, do capitalismo, dos gostos decadentes da burguesia – mas que outro cineasta cubano poderia ter isso? Prêmio é que nem medalha olímpica, o regime gosta, precisa dele.
Sedução da mente
Registro a pequena sinopse de Leonard Maltin sobre o filme (ao qual ele deu apenas 2.5 estrelas, em contraste com o próprio tom do que escreveu):
“Interessante e simpático relato da amizade improvável entre David, um heterossexual e comunista devoto que não entende nada de artes (e está deprimido porque foi abandonado pela sua namorada) e o homossexual culto Diego, que é cheio de vida e não liga muito para política. Controvertido em seu país de origem, mas notável também por ser o primeiro filme cubano a ser indicado a um Oscar.”
Roger Ebert como sempre é mais cuidadoso, mais atento, mais prolífico. Dá 3.5 estrelas, e escreve longamente sobre o filme, começando com a frase que David diz a seu amigo Miguel depois de conhecer Diego: “Eu soube que ele era homossexual porque ele tomou um sorvete de chocolate, e mesmo assim pediu morango”.
Então Ebert relata como é o encontro dos dois protagonistas, logo depois de David ter sido abandonado pela namorada Vivian (Marilyn Solaya), que se casa com um sujeito bem colocado na estrutura do Partido, e, portanto, mais rico; e esta consideração da frase anterior quem está fazendo sou eu, não Ebert. Este diz que tudo indica que Diego vai cantar David, mas “nada acontece como poderíamos esperar”, porque “Morango e Chocolate não é um filme sobre a sedução de um corpo, e sim sobre a sedução de uma mente.”
“O filme está mais interessado em política do que em sexo – a não ser que você conte política sexual, já que ser homossexual em Cuba significa tomar uma atitude anti-autoritária, queira ou não.” Ebert sintetiza numa boa frase aquilo que, antes de ler o que ele escreveu, eu tentei anotar aqui, sobre a veadagem de Diego ser uma arma para espantar os camaradas comunistas: “Ele usa sua sexualidade como um distintivo de honra”.
Ebert prossegue (seu texto tem 11 grandes parágrafos) descrevendo e analisando, muito bem, partes da trama; fala sobre o diretor Gutiérrez Alea, sua fidelidade inicial à revolução; depois ele faz esta consideração:
“O filme me fez lembrar Educating Rita (O Despertar de Rita), e, é claro, Pigmalião, pela maneira como os jovens, sedentos de conhecimento, o absorvem dos mais velhos que estão apaixonados por eles; o amor se mantém suspenso, enquanto as idéias vão passando. E a todos os momentos há olhares de documentário sobre a Havana de hoje: os velhos carros americanos nas ruas, a forma com que cor e vida penetram até mesmo nos cortiços, como é sombria, desalentadora, a ortodoxia marxista, a ambigüidade de personagens como Nancy (Mirta Ibarra), que chefia o comitê revolucionário no prédio de Diego mas é muito mais flexível do que parece.”
E conclui, voltando inclusive ao tema que já abordei acima – como este filme pôde ser feito, afinal?
“Com tudo o que diz a respeito da Cuba de hoje (o texto é da época do lançamento do filme, 1994, mas a verdade é que nada mudou muito de lá para cá), Morango e Chocolate pode ser visto refletido em muitos espelhos diferentes. Minha primeira reação foi pensar em como Gutiérrez Alea pôde fazer em seu país uma obra com tantas críticas. Mas mesmo assim exilados cubanos conservadores chamaram o filme de propaganda, precisamente porque ele dá a impressão de que os cubanos podem criticar Castro e ficar a salvo. Escolha o lado que quiser: o filme tem força e charme reais, especialmente na forma de nos levar a esperar um romance, e nos entregar um personagem cuja própria existência é uma crítica à sua sociedade.”
Quem apóia uma ditadura?
Bem, agora concluo eu. Morango e Chocolate cita Pablo Milanés duas vezes. Num diálogo com David, Diego reclama que o compositor – um dos dois grandes nomes da música revolucionária, de apoio total ao regime, ao lado de Silvio Rodriguez – tenha sido mandado para um daqueles esquemas de trabalho quase obrigatório, tipo plantar cana. Mais tarde, ouve-se, no apartamento de Diego, uma das muitas belas canções de Pablo Milanés. Grande Pablo Milanés. Recentemente – no final de 2008, ou já em 2009, não me lembro ao certo -, deu uma longa entrevista ao El País de Madri reclamando da falta de mudanças em Cuba. Até ele se encheu de Fidel, Raul e seu regime caquético. Virou um contra-revolucionário, assim como Gutiérrez Alea no final da vida (ele morreu em 1996), e o comunista de primeira hora Sergei Mikailovich Eisenstein. O mundo gira, a Lusitana roda, tudo muda, e só Carolina, Chico Buarque e Oscar Niemeyer não vêem. Artista inteligente e sensível não agüenta ditadura, fazer o quê?
Morango e Chocolate/Fresa y Chocolate
De Tomaz Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío, Cuba-México-Espanha, 1994.
Com Vladimir Cruz, Jorge Perugorría, Mirta Ibarra, Francisco Gattorno, Marilyn Solaya, Joel Angelino
Roteiro Senel Paz, baseado em sua história
Música José Maria Vitier
Produção Tomaz Gutiérrez Alea, Instituto Cubano Del Arte e Indústrias Cinematograficas, Instituto Mexicano de Cinematografia
Cor, 108 min
R, ****
“Morango e Chocolate” vai muito mais além de ser um filme corajoso! Apesar de se supervalorizar a questão da homossexualidade, esta é menos importante. Na minha opinião, o principal personagem do filme é a coragem de se colocar em xeque o regime cubano e todas as suas implicações no que concerne às liberdades solidárias que dão suporte e continuidade aos regimes de cidadões livres. Concordo que é um filme para ser visto e revisto muitas vezes. Eu até hoje me surpreendo quando revejo e gosto do filme e das atuações brilhantes de seus atores e da muito bem resolvida e corajosa direção.
Ótimo filme! Tanto a parte social quanto política são indispensáveis. Tem uma crítica em http://artigosdecinema.blogspot.com/2010/06/morango-e-chocolate-fresa-y-chocolate.html
Vei esse filme é podre eu assisti ele e não entendi nada! o filme acaba sem sentido David abraça o Diego e o filme acaba até eu faço um filme melhor esse filme ninguém entende!
Preciso com urgencia o nome co compositor muical de Morangoe Chocolate,ou preciso do CD OU DVD onde enconta-los.Help me I need.
Amei esse filme desde que assiste pela primeira vez em1998.Estdei tudo os que serelacionava os filme e qundo fui para Faculdade -Linga espenhola ,já sabia qual seri minha Monografia,por favos,procurei pelo mundo e não enctre mais nem D enemDVD,Ma aude a enconta-lo.
Mil desculpas. Em comentário anterior indaguei sobre a questão da homossexualidade em Cuba. Li a sinopse errada. O filme é, realmente, Morangos e Chocolate.