E Sua Mãe Também / Y Tu Mamá También


3.0 out of 5.0 stars

 Anotação em 2009: E Sua Mãe Também foi um tremendo sucesso de crítica. Ganhou 33 prêmios ao redor do mundo e teve 28 indicações, inclusive ao Oscar de roteiro original e aos Baftas de roteiro original e melhor filme em língua não inglesa. Merece o sucesso que conquistou. É um belo filme – forte, pesado, denso, desconcertante. 

Foi o filme que estabeleceu definitivamente o nome de Alfonso Cuarón como um dos principais cineastas mexicanos do final dos anos 1990 e desta primeira década do século, ao lado de Alejandro González Iñárritu e Guillermo del Toro. Os três têm em comum o fato de serem diretores internacionais; suas carreiras não se limitam, de forma alguma, ao país de origem, tão perto dos Estados Unidos e tão longe de Deus, como se dizia algum tempo atrás.

 Talvez mais que os outros, no entanto, Cuarón tem a característica singular  de alternar trabalhos dos dois lados da fronteira – e de alternar estilos completamente diferentes. No Império, faz filmes de grande apelo comercial, alguns voltados também para o público adolescente, o que mais vai ao cinema e deixa grana na bilheteria. No seu país, faz filmes bem mais pessoais, sérios, pesados. Nascido na Cidade do México em 1961, começou a trabalhar na TV mexicana quando ainda era estudante de cinema e de filosofia. Seu primeiro longa-metragem, Sólo con Tu Pareja, de 1991, foi uma comédia amarga que tratava de aids. O filme seguinte, em 1995, foi A Princesinha/A Little Princess, adaptação de um livro infantil de grande sucesso; depois, em 1998, fez uma adaptação (absolutamente desnecessária, na minha opinião) de Grandes Esperanças, de Dickens, com os monstros Robert De Niro e Anne Bancroft em pequenos papéis.  Em seguida voltou ao México para fazer este E Sua Mãe Também, em 2001 – para, em 2004, dirigir Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Isso é que é ser versátil.

         Uma audaciosa viagem física e mental

amama1Achei no iMDB uma ótima sinopse de duas linhas sobre E Sua Mãe Também. (Fico fascinado com essa capacidade de síntese que eu não tenho.) É assim: “No México, dois adolescentes e uma atraente mulher mais velha embarcam numa viagem de carro e aprendem uma ou duas coisas sobre a vida, a amizade, o sexo, e também sobre cada um deles”. Beleza de síntese.

Os dois adolescentes, Tenoch e Julio, são interpretados respectivamente por Diego Luna e Gael García Bernal; o primeiro estava com 22 anos, o segundo, com 23. Quando fizeram o filme, já tinham alguma estrada, os dois, mas em seguida iriam virar astros.

Na trama, Tenoch e Julio, grandes amigos, estão com uns 18, 19 anos (não se fala exatamente a idade deles, mas é por aí). Não são propriamente personagens simpáticos; às vezes são bem asquerosos, nojentos. Não que sejam do tipo mau caráter, filho da mãe. São típicos adolescentes de classe média (Julio) e média alta (Tenoch), inconseqüentes, porraloucas, puxam um fuminho sempre que podem, só falam de sexo, só pensam em sexo – e fazem sexo adolescentemente, às pressas, sem prestar atenção ao prazer das parceiras.

Quando começa a ação, as namoradas dos dois estão para viajar juntas para a Europa, de férias. Com uns dez, 15 minutos de filme, depois que Cuarón nos apresenta Tenoch e Julio e mostra como é a vidinha deles, ele introduz na trama a terceira personagem básica, Luísa (Maribel Verdú, uma beleza de atriz madrilena). Luísa é espanhola, e está casada com Jano (Juan Carlos Remolina), primo-primeiro de Tenoch; é mais velha que os dois garotos, mas não muito; o filme também não fala a idade dela, mas é uma moça de uns 30 anos (Maribel Verdú estava com 31 quando fez o filme). Vemos que Luísa vai fazer exames médicos, e pouco depois Jano faz uma viagem a trabalho. Uma noite, durante a viagem, ao telefone, Jano conta para a mulher que trepou com outra.

amama2Num encontro com o primo Tenoch e mais Julio, Luísa tinha ouvido os dois falarem de uma viagem a uma praia linda e selvagem; algum tempo depois, ela telefona para Tenoch e diz que gostaria de ir com eles para essa praia.

Estamos com uns 20 minutos de filme, por aí, e teremos então que E Sua Mãe Também se revela um road movie, um filme de pé na estrada – física e mentalmente. O México que veremos desfilar nas margens das rodovias é extremamente parecido com o Brasil de Minas Gerais para cima: muita terra inaproveitada, muita pobreza, muita miséria. Veremos também aqueles três jovens mergulharem em viagem regada a muita maconha, tequila e sexo; como a de muitos jovens, é uma viagem audaciosa, mais do que eles poderiam suportar.

         Imagens de inconseqüência, um texto pesado e sério

Umas das coisas que me impressionaram muito no filme foi o texto da narração em off, feita por Daniel Giménez Cacho, que havia trabalhado com Cuarón em Sólo con Tu Pareja. É uma bela voz, a deste ator, e o texto que ele fala, ao longo de todo o filme, pontuando a narrativa de momentos em momentos, é brilhante.

O texto do narrador destoa completamente do clima da ação que vemos na tela. Estamos vendo aquelas pequenas aventurinhas de dois moleques inconseqüentes, enfiados em seu pequeno mundinho egoísta, sem enxergar um palmo adiante de seus narizes, mostradas com pitadas de humor, com alguma graça, muitos palavrões, dez palavrões em cada nove palavras pronunciadas, aquela coisa adolescente, ginasial.

O texto em off é exatamente o contrário disso tudo. É um texto formal, sério, sisudo. É daquele tipo de texto do narrador-Deus, o que sabe de tudo o que acontece. O texto explica, com um tom assim de uma tese de Sociologia, quem é quem, o que fazem os pai de Julio, o que fazem os pai de Tenoch, o que aconteceu exatamente naquela avenida onde os dois entraram num engarrafamento, o que houve numa curva da estrada onde há cruzes indicando que ali houve mortes. O narrador vai nos contar inclusive o que acontecerá no futuro com tal e qual personagem que surge na trama.

O choque entre as ações e o texto do narrador produz um resultado extraordinário. É uma grande sacada, que resulta num profundo impacto.

Belo, triste filme.

E Sua Mãe Também/Y Tu Mamá También

De Alfonso Cuarón, México, 2001

Com Diego Luna, Gael García Bernal, Maribel Verdú, Juan Carlos Remolina

Argumento e roteiro Alfonso Cuarón e Carlos Cuarón

Produção Anhelo Producciones

Cor, 105 min

***

Título em Portugal: E a Tua Mãe Também

13 Comentários para “E Sua Mãe Também / Y Tu Mamá También”

  1. Vi esse filme duas vezes e não consegui enxergar tudo isso que falam nele. Acho que a Luísa só resolveu viajar com eles por causa da doença dela e talvez pelo telefonema do marido. O bom do filme é justamente o texto em off, ver um outro lado do México: a violência, a polícia (não sei pq me lembrou a do Brasil, rs), a pobreza, a falta de recursos, etc… mas todo mundo fala do filme como se o foco principal fossem os meninos. Talvez fossem, sei lá; afinal, no fim eles fazem uma grande descoberta. Só achei exageradas as cenas de sexo (não é à toa que uma das tags aqui é “quasepornô”). E os adolescentes eram insuportáveis, uns chatos (vi uma entrevista com um dos atores e ele disse que os dois personagens tinham 17 anos). Não era à toa que eu não gostava de adolescentes nem quando eu era uma, rsrs.
    Gostei das músicas, acho que casaram bem com as cenas e tb achei interessante ver as diferenças de pronúncia entre o espanhol da Espanha e o do México.

    Dentre os filmes de grande apelo comercial que vc falou que o Cuarón fez, por acaso está “Filhos da Esperança”? Ele não foi citado, mas apesar de ser comercial, achei bem bom (apesar de não ter visto o começo). Quero rever pra ver se mudo de idéia, ou não, como diria Caetano.

  2. Jussara, não vi “Filhos da Esperança” – na verdade, nem tinha ouvido falar nele. Fui ver no iMDB; deve ser o “Children of Men”, de 2006, com Clive Owen e Julianne Moore, não é? Vou procurar…

  3. É esse mesmo, Filhos da Esperança. Vc até já escreveu sobre ele aqui no site… E eu só fui responder agora. Que pândega que eu sou :D.

  4. Nossa, Jussara, você me torceu a cabeça, com esse seu comentário. “Você até já escreveu sobre ele aqui no site”. E na mensagem logo acima eu dizia que não tinha visto “Filhos da Esperança”.
    Durante alguns minutos, achei que tinha pirado feio, que o Alzheimer já chegou, que ando bebendo demais.
    Aí fui ver as datas. Está tudo certinho – ainda não pirei. Em 2 de agosto, respondendo à sua mensagem original, disse que não tinha visto “Filhos da Esperança”. Fui ver pouco depois – vi o filme no dia 6 de agosto. E aí pus a anotação no site.
    Cacildabecker! Você é pândega mesmo.

  5. Hahaha, é que resolvi responder a todos os comentários que ficaram pendentes, faz parte do meu TOC, rsrs. Só não sei quando vou terminar.
    Pândega sim, mas sem perder a ternura jamais ;).

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