Para ser bom, um filme precisa ser surpreendente, imprevisível?
Cada um pode ter sua opinião, é claro. Eu acho que não, não precisa. Este O Reencontro, no original The Magic of Belle Isle, dirigido por Rob Reiner, é uma prova cabal disso.
O Reencontro é absolutamente, mas absolutamente previsível. Qualquer espectador que vê os primeiros cinco, dez primeiros minutos do filme sabe o que vai acontecer.
O que vemos nos primeiros cinco, dez minutos de filme, é um sujeito mal humorado, crispado, chato, de mal com a vida, com o mundo. É o personagem interpretado por Morgan Freeman, esse ícone, esse gigante, de imenso talento, rosto belo e uma voz personalíssima, inigualável, reconhecível à primeira palavra que pronuncia.
O personagem tem um nome tão especial quanto a voz do ator que o interpreta: Monte Wildhorn. Está sentado na cadeira do carona de um carro que chega à pequenina, graciosa cidade de Belle Isle; quem dirige o carro é seu sobrinho Henry (Kenan Thompson).
Foi Henry que providenciou tudo: combinou com seu amigo Dog David que Monte, seu tio, passaria o verão na casa dele, Dog David, em Belle Isle, aproveitando que o dono estaria fora. O único dever de Monte seria cuidar do cachorro de Dog David, Ringo.
E então Henry está agora chegando à cidadezinha debruçada sobre um belo lago para ali deixar o tio Monte.
Monte usa cadeira de rodas. Veremos mais tarde que seu braço esquerdo também é paralisado.
A casa é ampla, agradável, pertinho do lago.
Henry toma o cuidado de pendurar numa parede uma placa em homenagem a Monte Wildhorn – um prêmio literário para autores de histórias do Velho Oeste. Veremos depois que Monte Wildhorn teve seus dias de fama como autor de histórias do Faroeste.
Henry também coloca, sobre uma mesa, uma antiquíssima máquina de escrever – o instrumento que o tio usou ao longo de toda a vida, mas que, nos últimos tempos, havia abandonado.
Mas nada daquilo parece agradar a Monte Wildhorn: a máquina de escrever, a placa na parede, a casa ampla, bonita, a vista do lago. Tudo o que Monte quer é uma garrafa de uísque.
Antes que o filme chegasse aos dez minutos, falei com Mary: certo, um sujeito mal humorado, chato – e seu coração vai se amolecer ao longo do filme.
Qualquer um saberia o que vai acontecer: ao longo da narrativa, o coração de pedra do protagonista vai amolecer, ele vai reencontrar (como o título brasileiro enfatiza) a paz, o gosto pela vida.
Emma Fuhrmann, garotinha de uns 10, 12 anos, enfrenta Morgan Freeman de igual para igual
Então: tudo previsível a não mais poder. Dez minutos de filme e o espectador está cansado de saber o que vai rolar pela frente.
Poderia rolar uma bobagem. Rola um filme simpático, agradável, gostoso, com belos personagens bem construídos e bem interpretados, diálogos afiadíssimos – e até mesmo, embora com bastante sutileza, que coisa!, algo bastante surpreendente. (Como é supreendente, e acontece quando a narrativa está bem avançada, não vou falar nada sobre essa parte.)
Então, nas primeiras seqüências na casa de Dod David, Monte Wildhorn enche a cara feito um gambá, embora sem perder a consciência e a capacidade de falar frases elaboradas e plenas de palavras com mais de três sílabas, como bom escritor que é, ou no mínimo já foi.
Na casa ao lado moram Charlotte O’Neill e suas três filhas: Willow, a mais velha, aí de uns 15 anos e portanto no auge da aborrescência, Finnegan, ou simplesmente Finn, a do meio, de nove anos e curiosidade e inteligência a toda prova, e Flora, prestes a completar sete anos.
A garotinha Flora é interpretada por Nicolette Pierini, uma gracinha. Willow, a aborrescente, é feita por Madeline Carroll, nascida em 1996 e já com quase 30 títulos no currículo, incluindo participações em séries de TV (Lost, Grey’s Anatomy) e filmes (Os Pinguins do Papai, O Primeiro Amor).
Finn, a menina de nove anos, que terá participação mais importante que as outras duas na trama, é interpretada por Emma Fuhrmann (na foto acima). Essa garotinha, embora tão jovem (o IMDb não traz sua data de nascimento), já havia participado antes de curtas e séries de TV; na telona, fez sua estréia aqui neste The Magic of Belle Isle.
É um absoluto espanto, a tal Emma Fuhrmann.
Contracena cara a cara com Morgan Freeman em diversas sequências – e enfrenta o monstro-sagrado com a maior competência. Não se intimida por ele – dividem as atenções do espectador em igualdade de condições.
Charlotte, a mãe das meninas, que ao longo de quase todo o filme é chamada de Mrs. O’Neill, vem na pele de Virginia Madsen – e Virginia Madsen é uma bênção, um colírio para os olhos.
Há atores que trabalham demais, dão a impressão de fazer não menos de cinco filmes por ano – Ewan McGregor, Daniel Auteuil, Nicolas Cage, Keira Knightley. Há os que deveriam trabalhar mais – como, por exemplo, Bridget Fonda, Jennifer Jason Leigh. E Virginia Madsen.
À noite, a vizinha toca piano – e o gelo no peito do urso começa a derreter
Também na vizinhança há os Loop, mãe e filho – ela, Karen (Jessica Hecht), uma contadora, que criou sozinha o garoto Carl (Ash Christian), um adolescente meio abibolado. E ainda Al Kaiser (Fred Willard), um sujeito simpático, boa gente, que havia lido diversos livros de Monte Wildhorn. Eles também vão se relacionar com o escritor que chegou à pequena comunidade com o coração frio e duro como pedra e um humor de fazer inveja ao anãozinho Zangado.
Mas, sobretudo, são as quatro mulheres O’Neill que farão a antiga pedra no peito de Monte a voltar a ser um coração.
Charlotte O’Neill havia acabado de se divorciar do marido. Não se diz isso explicitamente, com todas as letras, mas as indicações são de que o divórcio aconteceu por um decisão dele, e não dela. Dá até para imaginar aquela historinha tão comum de homem bem sucedido que troca a mulher de 40 e tantos anos por uma gatinha de 20.
Charlotte traz ainda muito visíveis as marcas de uma separação recentíssima.
E Willow, a mais velha das filhas, como boa aborrescente, se aborrece naquela pequenina cidade onde pouca coisa acontece; sente falta da agitação, das amigas de Manhattan. E sente falta do pai, mais ainda do que as duas irmãs mais novas. Gostaria, na verdade, de viver com ele no umbigo do mundo, e não com a mãe naquele lugarejo acanhado – mas as indicações são de que o marido não teria nenhum interesse em ficar com uma das filhas.
À noite, Charlotte O’Neill senta-se ao piano de sua casa e toca músicas que aprendeu quando criança, naquela mesma casa que pertenceu à sua mãe e, antes dela, à mãe de sua mãe. Toca a Patética, de Beethoven – e, na casa ao lado, o urso bêbado Monte Wildhorn ouve, embevecido.
Um diretor que sabe o que faz, tanto na comédia como no drama
A historinha previsível se torna encantadora pelas atuações de todos os atores, pelo roteiro preciso e pelos diálogos inteligentes criados por Guy Thomas, pelos personagens interessantes, simpáticos, e pelo firme domínio do metier pelo veterano Rob Reiner.
Rob Reiner é um realizador de mão cheia de comédias sensíveis, inteligentes, como Harry e Sally – Feitos um para o Outro (1989), Meu Querido Presidente (1995), Dizem por Aí… (2005). Um de seus primeiros filmes como diretor (ele é também roteirista, ator e produtor) foi Conta Comigo/Stand By Me (1986), aquela maravilha, um dos melhores filmes sobre a passagem da infância para a adolescência já feitos pelo cinema americano.
Rob Reiner também mete a mão em temas sérios, pesados, densos, como o racismo – em Fantasmas do Passado/Ghosts of Mississippi (1996) – e no militarismo que leva a crimes hediondos – em Questão de Honra/A Few Good Men (1992).
Fez aqui um drama suave, com muitos toques de bom humor, um belo retrato de relações humanas.
Um filme em tudo previsível – e bom, muito bom.
Anotação em janeiro de 2013
O Reencontro/The Magic of Belle Isle
De Rob Reiner, EUA, 2012
Com Morgan Freeman (Monte Wildhorn), Virginia Madsen (Charlotte O’Neil), Emma Fuhrmann (Finnegan O’Neil),
e Madeline Carroll (Willow O’Neil), Nicolette Pierini (Flora O’Neil), Kenan Thompson (Henry), Ash Christian (Carl Loop), Jessica Hecht (Karen Loop), Debargo Sanyal (Mahmoud), Fred Willard (Al Kaiser), Kevin Pollak (Joe Viola), Boyd Holbrook (Luke Ford)
Argumento e roteiro Guy Thomas
Fotografia Reed Morano
Música Marc Shaiman
Montagem Dorian Harris
Produção Castle Rock, Revelations Entertainment, Magnolia Pictures. DVD Imagem Filmes.
Cor, 109 min
***
Amei!!!!!!!!!!
gostaria de saber o nome da musica que é tocado no piano
Um filme surpreendente, humano e sensível. Vale à pena ver… e rever.
A música tocada ao piano é o Adagio Cantabile (2° Movimento) da Sonata nr. 8 (Patética) de Beethoven. Lindíssima!