O cinema tem uma antiga paixão pelo jornalismo. Houve grandes clássicos sobre jornalistas e jornalismo, dramas pesados, comedinhas descartáveis, tudo o que se possa imaginar. Uma Manhã Gloriosa/Morning Glory é mais um de uma longa lista – um pouco de drama, bastante de comédia, uma pitada de romance.
Não é um filme importante. Mas tem alguma graça, um bom elenco, e a moral da história é boa – uma opção pelos valores mais corretos, o que é muito bem-vindo, nestes tempos de tanta amoralidade.
Assim como em Um Sonho Sem Limites/To Die For, de Gus Van Sant (1995), a protagonista, Becky Fuller (interpretada com garra e entusiasmo por Rachel McAdams), é uma profissional de TV jovem e ambiciosa. Mas, ao contrário da personagem feita por Nicole Kidman, disposta a tudo, a todos os meios, morais ou não, para vencer no mercado concorridíssimo, Becky Fuller briga por um lugar ao sol apenas com os meios legítimos, o trabalho duro, o ralar muito.
Assim como em Nos Bastidores da Notícia/Broadcast News, de James L. Brooks (1987), e também em Íntimo & Pessoal/Up Close & Personal, de Jon Avnet (1996), o tema do filme é o eterno embate entre os que defendem o jornalismo sério, noticioso, informativo, aprofundado, e os que se deixam levar pelo infotainment, a mistura de informação com entretenimento, o fantástico show da vida.
É uma discussão importante, esta. Voltarei a ela depois.
O chefe chama a workaholic Becky para conversar; todos acham que ela será promovida
Quando a ação começa, Becky Fuller é a produtora executiva de um programa jornalístico que vai ao ar bem no iniciozinho da manhã numa emissora local de Nova Jersey. Nova Jersey, é bom lembrar, é pertinho, pertinho de Nova York, de Manhattan, o umbigo do mundo americano – mas está tão longe de Manhattan quanto o México, tão pertinho dos Estados Unidos, fica longe de Deus.
Becky uma workaholic total e absoluta. Tem quase 30 anos, e só pensa no trabalho, vive para o trabalho, não tem tempo para vida pessoal. Quando se encontra com alguém, deixa o celular permanentemente ligado – ela, assim como seu celular e os aparelhos de TV em sua casa, fica ligada direto e reto.
O chefe a chama para uma conversa. Todo mundo acha que Becky vai ser promovida. O chefe a avisa que precisa demiti-la; são os cortes de custo, sabe como é.
A terra se abre sob os pés de Becky.
Mas ela é uma guerreira incansável, e não se abate. Manda currículos para todas as emissoras de TV do país. Algumas semanas depois de ter perdido o emprego, recebe uma ligação de uma emissora de Nova York. Não uma das grandes redes nacionais de TV, mas uma emissora de Nova York, da Big Apple, de Manhattan, o centro do mundo.
Por ansiedade, por falar demais, por mostrar-se prestativa demais na entrevista com o chefe do departamento, Jerry (Jeff Goldblum, que andava meio sumido), quase perde a oportunidade. Mas é contratada: vai ser a produtora executiva de um programa jornalístico matinal, assim como era o dela antes. (No Brasil, a nomenclatura é diferente. O que nos Estados Unidos chamam de produtora executiva, aqui seria o redator-chefe daquele jornal.)
No emprego novo, só problemas pela frente
À sua frente, encontrará um monte de problemas. O programa tem baixíssima audiência, a equipe é desmotivada. E, sobretudo, os dois âncoras se sentem estrelas, e não demonstram nenhum interesse em colaborar com a nova produtora executiva. Becky toma uma decisão tão corajosa quanto perigosa: demite o âncora, mantendo a outra, Colleen (o papel da sempre maravilhosa Diane Keaton). Para o lugar do demitido, tem a idéia de levar Mike Pomeroy (o papel de Harrison Ford).
Mike Pomeroy é uma lenda viva do jornalismo televisivo americano. No passado, ganhou todos os prêmios importantes, entrevistou presidentes, ministros, chefes militares, chefes de Estado de outros países, cobriu guerras civis, golpes militares. Atualmente está encostado na emissora; só faz o que tem vontade de fazer – e não tem vontade de fazer quase nada.
No meio de tantos problemas, Becky encontra um ponto de apoio: Adam (o papel de Patrick Wilson), produtor de um outro programa jornalístico da rede, sujeito de bom coração, bom caráter, desejado por 11 de cada 10 mulheres, se interessa por ela. Duro vai ser Becky arranjar tempo para ele.
Harrison Ford está careteiro, emproado – mas seu personagem também é assim
Clichê sobre clichê, certo? Claro, sabemos, com 30 minutos de filme, basicamente o que vai acontecer nos 73 minutos seguintes.
Rachel McAdams, essa atriz em fulminante ascensão, bonitinha, gostosinha, se dá bem como Becky Fuller. É energética e esforçada como seu personagem. Diane Keaton, Patrick Wilson e todos os atores de elenco de apoio estão corretos.
Harrison Ford é quem destoa. Está absolutamente careteiro, emproado, como se não estivesse ali, como se estivesse fazendo um favor para o diretor e a produção do filme. Mas acaba funcionando – porque, afinal de contas, seu personagem é exatamente assim.
A eterna discussão entre o jornalismo-entretenimento e o jornalismo sério – sempre importante, sempre necessária – lá pelas tantas desanda numa série de loucuras, já que o filme é uma comédia. Ao fim e ao cabo, o filme defenderá a tese do muro, de que é preciso haver a convivência entre as duas coisas. Não chega a haver um gol – mas afinal é um empate.
O gol sai é na filosofia de vida que o filme acabará defendendo. A roteirista Aline Brosh McKenna e o diretor Roger Michell fazem a opção preferencial pela sanidade mental, e não pelo perder a vida na tentativa obter o sucesso a qualquer preço. Isso é agradável de se ver.
Em suma: uma comedinha que não chega a ser marcante, mas também não é imbecil. Um divertimento mediano, agradavelzinho enquanto dura.
Anotação em janeiro de 2012
Uma Manhã Gloriosa/Morning Glory
De Roger Michell, EUA, 2010
Com Rachel McAdams (Becky Fuller), Harrison Ford (Mike Pomeroy), Diane Keaton (Colleen Peck), Patrick Wilson (Adam Bennett), Jeff Goldblum (Jerry Barnes)
Argumento e roteiro Aline Brosh McKenna
Fotografia Alwin H. Kuchler
Música David Arnold
Produção Bad Robot, Goldcrest Pictures. Blu-ray e DVD Paramount
Cor, 107 min
**1/2
Olá, Sérgio!
De volta eu com meus comentários pra dizer que concordo 100% sobre o filme ser clichê mas também sobre ser um bom divertimento. não concordo, apenas, quando diz que Harrison Ford distoa (apesar de vc tb achar q o papel é aquilo mesmo): acho ele o máximo e gostei muito da atuação dele aqui, quando assume o papel de 3ª pior pessoa do mundo…
abraço