2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Este O Detetive Desastrado, uma produção de 1978, com um monte de gente conhecida no elenco, tem que ser avaliado com uma adversativa. A ordem dos fatores não altera o produto. Assim: é bobo, mas é engraçado. É muito divertido, mas é bem bobo.
Depende do clima, do momento, do estado de espírito do espectador. Bem, tudo na vida é assim, mas alguns filmes são mais especialmente dessa forma. Se o espectador se sentar diante do filme sisudo, sério, exigindo qualidade, seguramente achará que é um grande abacaxi. Se relaxar, vai rir muito.
Ri bastante.
O dramaturgo Neil Simon, autor de várias peças de sucesso na Broadway levadas para o cinema, que escreveu o roteiro, definiu a obra como uma paródia de dois dos filmes que ele mais adora, Casablanca e Relíquia Macabra/The Maltese Falcon. É bem isso mesmo, mas é mais: é uma grande paródia de todos os filmes de detetives americanos dos anos 40, aqueles detetives criados por Dashiell Hammett e Raymond Chandler, definidos como hard boiled – anti-Sherlock Holmes, anti-Hercule Poirot. Aqueles Sam Spade e seu vários parentes não são nada refinados, nada experts no raciocínio frio e lógico; metem a mão na massa, trafegam no meio de ambientes sórdidos, apanham, levam muita porrada, bebem muito mais do que o fígado pode suportar, envolvem-se com mulheres sedutoras e fatais, em geral inatingíveis. Levam porrada no corpo, no coração e na auto-estima.
É um dos gêneros mais clássicos da literatura e do cinema americanos.
Peter Falk parodia a si mesmo e seu eterno Columbo
O ator escolhido para fazer o detetive barato do título original, ou desastrado do título brasileiro, Peter Falk, passou décadas interpretando na TV um detetive da polícia de Los Angeles que, apesar de ser policial, e não investigador particular, como Sam Spade e congêneres, tem muitas semelhanças com estes. E então, no meio da paródia de dois filmes clássicos dos anos 40, que é também uma paródia de todos os filmes de detetives americanos daquela década noir, Peter Falk parodia a si mesmo e seu eterno Columbo.
A trama bolada por Neil Simon é uma zorra total. Quando o filme começa, em San Francisco, em 1939, a polícia está investigando o assassinato de um sujeito chamado Merkle, sócio de uma agência de detetives particulares com Lou Peckinpaugh – o papel de Peter Falk. Peckinpaugh – obviamente, uma citação do sobrenome de Sam Peckinpah (1925-1984), o diretor que fez a violência no cinema subir algumas oitavas. Haverá referências a nomes, pessoas, situações relacionadas ao cinema em dez de cada dez sequências.
O principal suspeito da morte de Merkle, obviamente, é o próprio Lou, seu sócio – nos negócios e na cama da mulher dele, Georgia Merkle, uma loura falsa como nota de 3 guaranis, interpretada por Marsha Mason, uma boa atriz que trabalhou em outros filmes baseados em peças de Neil Simon.
Surge no escritório de Merkle e Pechinpaugh, agora tocado apenas pelo segundo, uma mulher um tanto misteriosa, que o encarrega de buscar sua sobrinha desaparecida. É uma citação clara da personagem interpretada por Mary Astor em Relíquia Macabra, que também se apresenta na agência do detetive particular Sam Spade com dois ou três nomes diferentes. A cliente de Lou – interpretada por Madeleine Kahn (foto), atriz, na época, de vários filmes de Mel Brooks – vai se apresentar com uns 12, 14 nomes diferentes. O último dessa lista que ela pronunciará será Barbara Stanwyck – um elogio à femme fatale de Pacto de Sangue e outros grandes filmes dos anos 40.
Uma dezena ou mais de personagens – e a trama é o que menos importa
Depois vai aparecer na história um objeto valiosíssimo – uma óbvia paródia da escultura de Relíquia Macabra –, um colar feito com uma dúzia de diamantes do tamanho de um ovo. E vão aparecer mais uns dez ou doze personagens – parece até um mosaico de Robert Altman.
A trama é o que menos importa – é só uma desculpa para Neil Simon criar suas citações de Relíquia Macabra e principalmente de Casablanca. Há um bar que é a perfeita imitação do Ricky’s Cafe Americain do clássico com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, e diversas seqüências que imitam a noite em que Ilsa chega ao bar acompanhada do marido herói na luta contra o nazismo, pede a Sam que toque “As Time Goes By” e reencontra o pobre Ricky. A Ilsa da paródia chama-se Marlene (uma homenagem à grande dama Marlene Dietrich), e é interpretada por Louise Fletcher (foto abaixo), a atriz que fez a enfermeira-chefe repressora na obra-prima de Milos Forman, Um Estranho no Ninho. E quem faz o papel de Sam, o pobre pianista negro, é o grande Scatman Crothers, o sensacional ator que faz o empregado do hotel com dons mediúnicos de O Iluminado, de Kubrick.
Na visita que fará depois ao apartamento de Lou-Richy, Marlene-Ilsa contará para eles detalhes de seu relacionamento com o atual marido, Paul DuChard (Fernando Lamas) – ao que o nosso detetive barato e desastrado insistirá que não quer ouvir aqueles detalhes sórdidos, pelamordedeus.
Como o heróico Victor Laszlo (Paul Henreid, que emprestou o primeiro nome ao personagem da paródia), DuChard é um patriota francês que está na expectativa de obter importantes documentos no bar que visita com a mulher. Os documentos, na paródia, são a licença para abrir um restaurante francês do outro lado da Baía de San Francisco, em Oakland.
O que em Casablanca era o aeroporto, na paródia será a estação de barcas para Oakland.
Mas não é só Casablanca. Numa das visitas ao escritório do detetive Lou, a mulher de 12 ou 14 nomes repetirá a cena magistral de Chinatown em que a personagem interpretada por Faye Dunaway confessa que sua filha é filha de seu próprio pai. Nem mesmo daquela pavorosa história de incesto do filme de Polanski o escritor Neil Simon tem dó; perde os amigos, mas não perde a piada.
E sobram atrizes talentosas e/ou deslumbrantes, como a gostosérrima sueca Ann-Margret (no papel de uma femme fatale especialmente dadivosa), Eileen Brennan, de A Última Sessão de Cinema e Golpe de Mestre (no papel de uma cantora de cabaré), Stockard Channing, bela e competente no drama e na comédia (no papel da secretária do detetive Lou).
Paródia de gêneros, tendência comum nos anos 70
No AllMovie, Craig Butler diz: “A maior parte do trabalho de Neil Simon é o que poderia ser chamado de comédia tradiconal, mas em meados dos anos 70 ele fez algumas paródias, como em The Cheap Detective. Embora não seja um clássico, é uma agradável mudança de ritmo de Simon, e participou da tendência comum na época de parodiar gêneros cinematográficos (como Jovem Frankenstein, Banzé no Oeste e Assassinato por Morte, do próprio Simon).”
Leonard Maltin, normalmente curto e grosso, foi mais curto e grosso do que o normal: “Para Neil Simon e Peter Falk, parodiar filmes de Bogart como Maltese Falcon é uma tarefa fácil, mas ainda é bastante engraçado quando não recorre ao óbvio” – 3 estrelas em 4.
Dame Pauline Kael não perdeu tempo com essa grande bobagem.
É isto: uma grande bobagem, mas muito divertida. Um filme engraçado, mas bobo. Não se leva a sério – muito ao contrário – e não é mesmo para ser levado a sério. É diversão pura.
O Detetive Desastrado/The Cheap Detective
De Robert Moore, EUA, 1978
Com Peter Falk (Lou Peckinpaugh), Ann-Margret (Jezebel Dezire), Eileen Brennan (Betty DeBoop), Sid Caesar (Ezra Dezire), Stockard Channing (Bess), James Coco (Marcel), Dom DeLuise (Pepe Damascus), Louise Fletcher (Marlene DuChard), John Houseman (Jasper Blubber), Madeline Kahn (Mrs. Montenegro, entre vários outros nomes), Fernando Lamas (Paul DuChard), Marsha Mason (Georgia Merkle), Phil Silvers (Hoppy), Abe Vigoda (sargento Rizzuto),
Paul Williams (Boy), Nicol Williamson (coronel Schissel), Scatman Crothers (Tinker)
Argumento e roteiro Neil Simon
Fotografia John A. Alonzo
Música Patrick Williams
Produção Columbia Pictures
Cor, 92 min
**1/2
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