[rating:2.5]
Anotação em 2007, com complemento em 2008: Nos extras do DVD de Daisy Miller, feitos já no século XXI, o diretor Peter Bogdanovich diz que o filme não recebeu a atenção que merecia porque naquele tempo, 1974, não estavam em moda as adaptações de obras literárias de época. Pode ser. Mas tem muito mais coisa aí.
Visto agora, passados todos os julgamentos da época, Daisy Miller não parece, de fato, um grande filme. Claro, tem todo o cuidado com a reconstituição de época – a Suíça e a Itália no final do século XIX -, com os figurinos, a direção de arte, tudo esplendoroso. O que de fato me parece um tanto fluido, difícil de se perceber, compreender, são as histórias de Harry James e de outros autores da época que descreviam a vida dos americanos ricos expatriados em contraste com os europeus ricos. Há vários, vários filmes assim, e a rigor nenhum deles é muito bom – com a luminosa exceção do que Martin Scorsese fez com base em história de Edith Wharton, A Época da Inocência/The Age of Innocence.
Nesta história aqui, temos uma jovem nova-riquíssima, a Daisy Miller do título (Cybill Shepherd) passeando sua beleza e sua absoluta superficialidade primeiro num spa na Suíça e depois em Roma, acompanhada da mãe fraca, insegura (a ótima Cloris Leachman) e o irmãozinho, um pentelho absoluto. Ela atrai as atenções de outro americano, Frederick Winterbourne (Barry Brown), de família rica por várias gerações, e portanto mais elegante, refinado e bem aceito nos círculos tanto de americanos quanto de europeus. Sem o lustre dos muito ricos há muito tempo, e portanto com maneiras anticonvencionais, a tola, vazia Daisy Miller vai escandalizar os velhos-ricos dos dois lados do Atlântico – enquanto o encanto de Frederick por ela só aumenta.
E aí eu, e certamente muitas outras pessoas como eu, nos perguntamos: e daí? E eu com isso?
Mas o fato é que, apesar de seu tema já tão batido, e, francamente, tão entendiante para mim hoje, o filme, se não é um brilho total, está longe de ser uma droga, um horror, o fim do mundo, como foi tido por quase toda a crítica da época.
Aí, para tentar entender esse fascinante fenômeno, é preciso misturar a obra com a vida de seu autor.
Peter Bogdanovich tinha sido saudado como um dos mais promissores talentos do cinema americano, uma espécie assim de candidato a novo Orson Welles. Antes de ir para Hollywood, dirigiu e trabalhou no teatro em Nova York, e escreveu críticas e livros sobre grandes autores de cinema. Seu segundo longa metragem, A Última Sessão de Cinema/The Last Picture Show, de 1971 – um filme sobre o comportamento de jovens e adultos numa pequena cidade do Texas dos anos 50, com influências de John Ford, fotografia em preto-e-branco, um tom suavemente melancólico e ao mesmo tempo com uma abordagem adulta e às claras de relações sexuais e afetivas que não eram comuns nos filmes americanos – foi recebido com todas as loas possíveis, inclusive oito indicações ao Oscar, e ainda por cima foi sucesso de bilheteria.
O filme ainda estava em cartaz quando o então geniozinho precoce terminou Esta Pequena é uma Parada/What’s Up, Doc?, com Barbra Streisand e Ryan O’Neal, uma homenagem às screwball comedies, as comédias amalucadas dos anos 30, como Levada da Breca/Bringing Up Baby, de Howard Hawks, de 1938. Lua de Papel/Paper Moon, de 1973, de novo em preto-e-branco, passado na Depressão dos anos 30, sobre uma dupla de simpáticos trambiqueiros formada por pai e filha, também foi sucesso de público e crítica, e deu o Oscar de coadjuvante à filha de Ryan O’Neal, Tatum.
Então, em três anos, o cara foi incensado como gênio e fez três grandes sucessos.
O filme seguinte foi este Daisy Miller – e quase todo mundo caiu de pau.
Bogdanovich tinha chegado a Hollywood casado com Polly Platt, uma talentosa diretora de arte que trabalhou com ele em seus primeiros filmes. Acontece que ele tinha um problema (e foi reincidente nisso): quando conhecia mulheres jovens e belíssimas, apaixonava-se perdidamente. Pintou na vida dele uma Cybill Shephard, então com 21 anos, durante as filmagens de A Última Sessão de Cinema, e o bicho ficou doido. Separou-se Polly Platt, casou-se com a gatinha e a colocou para fazer Daisy Miller.
Da jovem sra. Bogdanovich, praticamente não havia quem não dissesse, ah, isso é um rosto lindo que não tem nada a ver com atriz.
Leonard Maltin resume a impressão geral na sua sinopse de Daisy Miller: “Bela, inteligente adptação da história de Henry James não atinge o alvo; o tom é frio, e a interpretação rasa de Shepherd como a ingênua americana cortejando a sociedade européia do final do século XIX quase afunda o filme”.
Mais tarde, no início dos anos 80, Bogdanovich teria um caso com Dorothy Stratten, a coelhinha da Playboy que seria assassinada pelo marido ciumento – e cuja história trágica é contada em Star 80, um filme tristíssimo, pesadíssimo de Bob Fosse. Aliás, no filme de Fosse, Bogdanovich, com outro nome, é retratado como um absoluto mau caráter. Depois da morte da moça, ele se casaria em 1988 com a irmã mais jovem dela, Louise; ficariam juntos até 2001.
Mas a carreira de Bogdanovich como diretor estava praticamente acabada. Nunca mais fez um filme de sucesso, e, com fracasso após fracassso, pediu falência pessoal duas vezes. Trabalhou como ator em seriados de TV e, felizmente, continuou escrevendo sem parar sobre cinema e grandes diretores, e nos últimos anos tem sido chamado para dar depoimentos nos extras de DVDs como um grande expert em cinema que ele sem dúvida é, dos maiores que há na praça.
Ah, sim. Quanto à atuação de Cybill Shepherd como Daisy Miller, não é de fato uma coisa extraordinária. Mas também não é marcadamente ruim, de forma alguma. Há milhares de atuações muitíssimo piores que ela, em milhares de filmes produzidos de lá para cá.
Roger Ebert foi uma exceção na regra de que quase todos os críticos desancaram com o filme e com sua estrela; viu graves senões no filme, mas não arrasou com ele, e elogiou a interpretação de Cybill Shepherd. Além disso, ele soube explicitar bem o que Henry James quis dizer em sua obra. Aí vai sua crítica, longa e séria como sempre.
Roger Ebert Review: 2.0 stars out of 4
Henry James’ story Daisy Miller contained many of the elements the master would mine more deeply in his later novels. There was the young American girl, rich and spoiled. Her eccentric mother and absent father. Her suitors, one inhibited and proper, the other widely thought capable of anything. Grand ladies of society, equally able to introduce her to the right people or banish her. And, of course, the favorite James theme: The brashness and democracy of the American characters in conflict with the older European culture.
With James, the ingredients were almost always secondary to the tone, to the precise ways in which his characters defined their relationships to each other. The most violent pages in James are the ones on which nothing happens, and yet somehow everything is decided. It is a difficult literary style to translate to film, for James’ characters don’t often explain themselves or move overtly; their fates accumulate.
And that’s the problem, I think, with Peter Bogdanovich’s new film of DAISY MILLER, with Cybill Shepherd as the beautiful young American. Bogdanovich hasn’t been able to find a way to show us thoughts, and so we’re left with some flat and quickly repetitive surface action. By the movie’s end, we’re asking how anyone could find these characters interesting.
The story gives us Daisy as a sweet young thing in Rome, accompanied (or, rather, usually not accompanied) by her somewhat simple mother and her brat of a little brother. She meets Frederick Forsyth Winterbourne, a young American in Italy to accompany his aunt, who is taking the mineral baths. There is an immediate spark of attraction between them, and Frederick indeed falls in love. But he is too stiff, too formal, to excite her (something she tells him so often that he protests just when we’re ready to). Instead, she takes up with a dashing Italian singer, whose function is to inspire morbid gossip by keeping Daisy out until midnight and showing her the Forum by moonlight.
This sort of conduct will not do, so Daisy is banned from the drawing rooms of society. And then, after the visit to the Forum, she contracts something called Roman Fever, and dies. She was, I suppose, too brave a spirit, too free, to suffer long on our mortal coil; as Bogdanovich paints her, she belongs in an Edgar Allan Poe dirge beginning “Alas!” The young American learns his lesson (he should have encouraged her freedom), the Latin lover recites a few perfunctory regrets, and the movie’s over.
That’s when we realize how empty it was, how thin this material felt. DAISY MILLER was not one of James’ masterpieces, but it did at least penetrate the life of the minds of its characters. What happened on its surface hardly mattered; people went for walks, and to parties and teas, and talked to each other and were talked about, and James’ matrons, as usual, considered high society to be a battlefield suitable for unlimited (but sophisticated) psychological carnage.
Without the warfare of personalities, all we’re left with is some pretty pictures of Cybill Shepherd (who performs very well-but to the end, however, of forcing us to conclude that Daisy Miller must have been the most conceited and witless of all the young American ladies to come over that season). There are parasols to twirl and old castles to explore, cigars to smoke after dinner and carriages to summon and fans to talk behind and, yawn, no clues as to whether anyone in the movie realizes how boring their lives really are.
Daisy Miller
De Peter Bogdanovich, EUA, 1974.
Com Cybill Shepherd, Barry Brown, Cloris Leachman, Eileen Brennan
Roteiro Frederic Raphael
Baseado em novela de Harry James
Produção The Directors Company, distribuição Paramount
Cor, 91 min.
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