Nas Garras da Ambição / The Tall Men

2.5 out of 5.0 stars

(Disponível no YouTube em 8/2024.)

The Tall Men, no Brasil Nas Garras da Ambição, de 1955, é um western classe A, uma produção caprichadíssima da 20th Century Fox, em Color by De Luxe e CinemaScope, como informam com perceptível orgulho os créditos iniciais – e aqueles eram os primeiros anos da tela larga, que hoje chamamos de widescreen, inventada para competir com a recém-chegada TV, pequena, quadrada e sem cores.

O diretor era o prestigiadíssimo Raoul Walsh, e o elenco tinha três grandes astros, dos maiores de Hollywood à época, Clark Gable, Jane Russell e Robert Ryan. A música era assinada por um dos grandes nomes das trilhas sonoras, Victor Young.

Tudo classe A.

Pois bem. Na minha opinião, The Tall Men é um filme com muitos problemas, quase danado de ruim – e, ao mesmo tempo, com alguns pontos fascinantes. Espero justificar ambas as qualificações ao longo desta anotação.

O filme aproveita bem o recém-chegado CinemaScope

A chegada da tela larga, ampla, imensa não era um pequeno detalhe. A frequência aos cinemas nos Estados Unidos havia aumentado de maneira espantosa na segunda metade dos anos 1940, após o final da Segunda Guerra Mundial – mas, com a chegada da televisão, caiu muitíssimo nos anos 1950. E em grande parte por causa da nova fonte de entretenimento. O livro Tudo Sobre Cinema, editado por Philip Kemp, cita que no final dos anos 40 havia menos de 5 mil aparelhos de televisão nos Estados Unidos – e, em 1960, nove de cada dez casas tinham televisores. “O sucesso veio com tanta rapidez que estúdios menores faliram e as redes (de TV) compraram suas propriedades e as usaram para filmar seus próprios produtos de entretenimento para as massas. Em resposta a essa situação, os estúdios de Hollywood passaram a explorar áreas com as quais a televisão não podia competir. Assim, os filmes épicos entraram na moda pela primeira vez desde os tempos do cinema mudo. (…) O CinemaScope foi criado e as salas de exibição foram modificadas para acomodar telas maiores.”

O CinemaScope foi lançado como uma tecnologia de filmagem e projeção em 1953 pela 20th Century Fox. A estréia foi com O Manto Sagrado/The Robe, em 1953, e no ano seguinte a Fox lançou vários filmes épicos, com a nova tela gigantesca povoada por multidões de figurantes: Demetrius e os Gladiadores, Desiree (com Marlon Brando como Napoleão Bonaparte e Jean Simmons como sua mulher), O Egípcio, A Princesa do Nilo, Príncipe Valente.

Logo os outros estúdios adotaram processos semelhantes ao CinemaScope da Fox, como o PanaVision da Paramount.

Tela gigantesca, perfeita para os planos gerais de amplas paisagens. Perfeita para épicos, histórias bíblicas, da Antiguidade, das guerras napoleônicas – e também, é claro, é óbvio, para o western. Não há nada melhor, para um bom western, do que planos gerais daquelas paisagens sem fim, a perder de vista.

The Tall Men, lançado no segundo semestre de 1955, encaixava-se como uma luva nessa onda da Fox de propagar sua grande arma, o CinemaScope (com o uso de lentes por Bausch & Lomb, conforme informavam os créditos iniciais).

E o fato é que o filme tem uma beleza visual esplendorosa, uma fotografia – dirigida por Leo Tover – de fazer babar quem gosta de cinema.

A imensa maior parte dos 122 minutos do filme se passa em exteriores, ao ar livre. Exatamente a metade dele mostra os protagonistas da história chefiando um numeroso grupo de vaqueiros tocando uma boiada de 5 mil cabeças numa viagem de cerca de 1.500 milhas, quase 2.500 quilômetros, do Texas ao então território de Montana. E dá-lhe planos gerais com milhares de cabeças de gado caminhando, atravessando rio, enfrentando ataques de bandidos e de índios.

Um visual de fato deslumbrante.

O assaltado propõe um negócio aos ladrões

É necessária uma sinopse. Uso como base a da Wikipedia.

Em 1866 – um ano após o fim da Guerra Civil –, os irmãos sulistas Ben e Clint Allison (Clark Gable e Cameron Mitchell) enfrentam o inverno rigorosíssimo do Território de Montana, no longínquo Noroeste, que atrai aventureiros com suas reservas de ouro. Pouco depois de chegar a Mineral City, assaltam um homem de negócios, Nathan Stark (Robert Ryan), que acabava de sair do saloon com um cinto carregado de notas graúdas de dólar.

Nathan argumenta com eles que as notas são novinhas, recém-saídas do banco, e a polícia sabia a numeração delas. Assim que eles começassem a gastá-las, inevitavelmente seriam presos e enforcados. Que tal então – propõe ele – se os dois homens, em vez desse destino certo, se tornassem sócios dele, Nathan, na empreitada que ele estava para começar? A empreitada: comprar um grande número de cabeças de gado, no Texas, onde cada uma custava uns US$ 4 ou US$ 5, e vendê-las ali em Montana, por uns US$ 50? Ele entra com o capital, e os dois – cowboys experientes, dava para ver – entram com o trabalho de tocar a boiada, chefiar um grupo de vaqueiros para fazer a longa e perigosa travessia. Em vez do risco de prisão e forca, ganhariam uma fortuna, dinheiro limpo, honesto.

Estamos com apenas 12 minutos de filme quando Ben topa a proposta. E Ben, o irmão mais velho, mais inteligente, é que manda na dupla: Clint, o mais novo, é um bobalhão, que só faz besteira.

Começam os três então a longa travessia rumo ao Texas, a terra dos irmãos Allison. Bem no começo do trajeto, dão com um grupo de colonos que viajava rumo ao Oeste e havia se perdido no meio de um imenso campo coberto de neve. Estavam famintos, precisando de ajuda – e os três param para ajudá-los.

No meio do grupo em que há pessoas idosas e crianças, há uma bela mulher, Nella Turner (o papel dessa maravilha que é Jane Russell).

Depois de ajudar o grupo, os três seguem em frente – e logo ficam sabendo, através de oficiais da Cavalaria que encontram no caminho, que há o risco de um ataque dos sioux na região. Ben manda o irmão e Nathan seguirem em frente, e volta para ajudar os colonos. Os sioux já haviam atacado, e estavam todos mortos – com a exceção de Nella Turner.

Ben leva Nella para uma cabana vazia que encontram no meio da tempestade de neve.

Antes que o filme chegue aos 30 minutos, Ben agarra Nella e tasca-lhe um beijo hollywoodiano.

Um casal sensação na Hollywood dos anos 50

Ben-Clark Gable, Nella-Jane Russell. Clark Gable – o sujeito que, no final dos 238 minutos de … E o Vento Levou (1939), o épico que durante várias décadas foi o filme de maior bilheteria da história, virou-se para Scarlett O’Hara-Vivien Leigh e disse a frase “Frankly, my dear, I don’t give a damm”. Um palavrão, em plena vigência do Código Hays de autocensura dos estúdios – mas, diabo, quem, no Hays Office, teria coragem de mandar mudar a frase final de Gone With the Wind? (A rigor, a frase é “francamente, minha cara, não tô nem ligando”. Mas “damm”, maldito, era considerado um palavrão feio na época…)

Clark Gable, “a epítome do ator principal dos filmes de Hollywood – robustamente belo, ele ficava com a garota na tela e fora dela”, na definição do livro 501 Movie Stars.

E Jane Russell, a mulher que havia deixado meio mundo com tesão quando estreou nas telas quente que nem pimenta em outro bangue-bangue, O Proscrito/The Outlaw (1943). Que, dois anos antes deste The Tall Men, havia dividido a tela CinermaScope com Marilyn Monroe em trajes provocantes, as coxas adornadas com meias de nylon, em Os Homens Preferem as Louras. Que estrelou filmes com títulos sutis como A Caminho do Pecado (1952), Bela e Bandida (1952), De Tanga e Sarongue (1952), Sangue Ardente (1956), A Descarada (1956), De Camisola Cor-de-Rosa (1957),

Quando, chegando aos 30 minutos, Clark Gable agarra Jane Russel, em uma cabana abandonada no meio do nada do Território de Montana, em meio a uma tempestade de neve que não parava nunca, e tasca-lhe um beijo hollywoodiano, pensei logo que aquilo não iria ser assim propriamente um bom filme.

Um lado comédia romântica que é bem ridículo

A partir daí, The Tall Men passa a se dividir entre um western com belíssimos planos gerais de paisagem sem fim, com os protagonistas tocando uma gigantesca boiada de 5 mil cabeças ao longo dos perigos de 1.500 milhas, e uma desajeitada, troncha, boba e às vezes abertamente ridícula comédia romântica tipo dois-homens-amam-a-mocinha-e-quem-será-que-vai-ficar-com-ela?

Ben e Nella vivem uma intensa e rápida lua-de-mel na cabana na vastidão gelada de Montana – mas logo surge um desentendimento grave entre eles. Quando chegam à cidade em que estão Clint e Nathan, este último começa imediatamente a fazer a corte à donzela, usando a ferramenta que tinha à sua disposição: dinheiro, muito dinheiro. Dá um festivo banho de loja na moça, oferece chiquetérrimos jantares regados a champagne.

Muito bem. O gado é comprado, algumas dezenas de vaqueiros são contratados por Ben, e então todos eles se põem em marcha para enfrentar as 1.500 até Montana. Com um detalhinho: Nathan havia providenciado para a carroça de Nella uma banheira cor-de-rosa!

A partida da trupe com a imensa boiada do Texas para Montana acontece quando o filme – um pouco mais longo que a duração padrão dos filmes de Hollywood, que é em torno de 100 minutos – está na exata metade. E aí o espectador terá pela frente belíssimas tomadas gerais, ataques de bandidos e de índios… e uma série de sequências bastante ridículas em que Nella provoca ciúme em Ben.

Essa parte comedinha romântica é o pior do filme, mas…

Vixe. Acho necessário explicar: não tenho nada contra comedinhas românticas. Nem mesmo contra as mais bobinhas. Muito ao contrário – é um gênero que adoro, que me diverte muito. Os problemas são a) que essa face comedinha romântica não combina nada com a face western, destoa, fica esquisito e b) é tudo bobo demais… Essa coisa de Nella-Jane Russell ficar provocando o tempo todo a fúria de Ben-Clark Gable pretende ser engraçada, mas fica é ridícula. Aqueles dois atores, aqueles dois personagens não têm mais idade para aquela baboseira…

Bem. A parte comedinha romântica é sem dúvida o pior do filme – mas a história, a trama, o roteiro, a construção dos personagens têm outros problemas.

Em um letreiro logo após os créditos iniciais, o filme nos informa, com um linguajar um tanto rebuscado, que os dois homens que veremos em seguida cavalgando sobre camada espessa de neve, são sulistas que lutaram contra a União na Guerra Civil de 1861-1865: “Território de Montana, 1866. Eles vieram do Sul, em direção aos campos de ouro… Ben e Clint Allison, homens solitários, desesperados. Rumando para longe da lembrança de Gettysburg. Procurando por uma nova vida. Uma história de homens grandes – e longas sombras.”

(“A story of tal men – and long shadows. Vem daí o título original, The Tall Men, literalmente homens altos, compridos, mas também homens grandes, no sentido figuro.)

Ao longo da primeira metade do filme, ficamos sabendo que eles são do Texas, e que Ben foi um coronel do exército confederado, respeitadíssimo por todos à sua volta. E que o grande sonho da vida de Ben é ter um rancho no lugar em que nasceu, no interiorzão do Texas.

Ora, se é assim, o que raios estavam fazendo os dois irmãos no longínquo, gelado Território de Montana? Por que foram assaltar gente lá longe, se Ben era homem adorado por todos em sua própria terra?

E por que Nathan Stark estava pegando aquela grande quantidade de notas novinhas de dólares no saloon da cidade, e não no banco?

E que papel tinha Nella naquele grupo de colonos que ficou perdido no meio da eterna tempestade de gelo em Montana? Tinha parentes ali?

O filme não consegue responder a nenhuma dessas perguntas.

Interessantíssimo: um conflito por causa de valores

Pois é. Furos que nem em um queijo suíço. E no entanto…

No entanto, no meio dessa história capenga, há uma questão de fundo que me parece interessante, fascinante mesmo. O que separa Ben e Nella, depois de uns poucos dias de lua-de-mel na tal cabanas, é a escala de valores. A visão de mundo. O que cada um deseja na vida. Com que cada um sonha.

Ben deixa claríssimo para a bela mulher que tudo o que ele quer na vida é ter um rancho em sua terra natal. Nella fica frustradíssima diante disso. Diz que seus pais tinham rancho, trabalharam demais e morreram pobres e cedo. E ela quer mais. Quer muito dinheiro, quer uma vida de muito conforto.

Tudo o que Ben não poderia dar a ela – mas Nathan, rico demais, e ambicioso demais, esse sim, seria capaz de prover.

Epa: um casal que se ama mas não pode ficar junto por diferença de escala de valores! Um herói que não quer ser rico, quer apenas ter seu ranchinho! Isso é fenomenal em um filme de Hollywood! Um western!

O roteiro assinado por Sydney Boehm e Frank S. Nugent pode ter vários problemas – e tem. Mas a frase que os dois autores escreveram para ser dita pela boca de Nathan Stark-Robert Ryan para Ben Allison-Clark-I don’t give a damm!-Gable é um brilho:

– “As pessoas constroem monumentos a homens de sucesso. Os tolos acabam em sepulturas anônimas.”

Poderia ser a epígrafe, o mote, a palavra de ordem do capitalismo selvagem. A definição da falta de humanismo. A síntese pavorosa do horror.

Nathan Stark, rico, ambicioso, é o bandido da história. Ben Allison, o que sonha pequeno, é amado por todo mundo. É o mocinho.

Achei isso fenomenal.

Volta e meia Nella-Jane Russell tira as botas e as meias!

Uè, ficou legal isso aí. Gostei. Poderia ser o final do texto – mas estou curioso para ver outras opiniões sobre o filme.

Eis a avaliação do livro The Films of 20th Century Fox: “The Tall Men é um Western Classe A, graças em grande parte à direção do veterano Raoul Walsh, um especialista em ação e humor macho, aqui ajudado por ótima fotografia em algumas paisagens deliciosas do Oeste.”

Os franceses adoravam os filmes de Hollywood, e o Guide des Films de Jean Tulard dá 3 estrelas em 4 a Les Implacables. O próprio Tulard escreveu o verbete: “Um western tipicamente walshiano com o par Gable-Russell, os grandes espaços (o Scope é admiravelmente utilizado), os rebanhos e os índios. A mulher é bela e os personagens masculinos viris, os obstáculos formidáveis mas superados, e cada um irá para seu lado, Ryan, o megalômano e Gable, o homem que aspira a paz. Mas a mulher vai com este último.”

Meu, que maravilha é a crítica francesa… Que beleza de avaliação: em menos de dez linhas, Maître Tulard resume perfeitamente o filme. Nem cortei o spoiler da última frase, porque nem é spoiler: é óbvio que o mocinho leva a moça!

Leonard Maltin não gostou. Deu 2 estrelas em 4, e escreveu o seguinte: “Western de larga escala com Gable e Mitchell como ex-Rebeldes que se comprometem a tocar uma boiada de Ryan, e logo os três estão lutando contra índios, nevascas e um contra o outro (por causa de Russell, é claro. Bastante chato. CinemaScope.”

Interessante: não acho o filme chato. Acho que tem problemas, como já disse e repeti, e tem coisas ridículas no triângulo amoroso, mas chato ele não me pareceu, de jeito algum.

Bem, mas já que Maltin falou da briga dos dois homens pelo personagem de Jane Russell, aproveito para anotar aqui um detalhe que tem que ser registrado, obrigatoriamente.

Um detalhe incrível do filme – em parte engraçado, em parte bastante bobo – é a quantidade de vezes que Nella-Jane Russell tira as botas e as meias. Há mais tomadas daquele mulherão tirando as botas e as meias – e deixando os homens, dentro da história e diante da tela, loucos para ver um pouco mais daquelas pernas fantásticas, incríveis, deslumbrantes – do que tiros neste western-comédia romântica.

Mas não era possível forçar ainda mais a barra e mostrar sequer os joelhos de Jane Russell. O Código Hays não permitiria. Então a Fox  fez isso nos cartazes para o lançamento do filme, o que é perfeita propaganda enganosa.

Para ver as coxas maravilhosas de Jane Russell é só assistir de novo a Os Homens Preferem as Louras. Lá, de lambuja, o espectador tem também as coxas da outra, a loura, a Marilyn.

Anotação em agosto de 2024

Nas Garras da Ambição/The Tall Men

De Raoul Walsh, EUA, 1955

Com Clark Gable (Ben Allison),

Jane Russell (Nella Turner),

Robert Ryan (Nathan Stark),

Cameron Mitchell (Clint Allison), Juan García (Luis), Harry Shannon (Sam), Emile Meyer (Chickasaw Charlie), Steve Darrell (coronel Norris)

Roteirto Sydney Boehm e Frank S. Nugent

Baseado no romance de Heck Allen (sob o pseudônimo de

Clay Fisher)

Fotografia Leo Tover

Música Victor Young

Montagem Louis R. Loeffler

Direção de arte Mark-Lee Kirk, Lyle R. Wheeler

Figurinos Travilla

Produção William A. Bacher, William B. Hawks, 20th Century Fox.

Cor, 122 min (2h02)

**1/2

Título na França: “Les Implacables”. Em Portugal: “Duelo de Ambições”.

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