A Mãe Solteira, Dedos Diabólicos e A Verdade Acima de Tudo

(Disponíveis na Franciellen Taynara Filmes do YouTube em 1/2025.)

A rigor, não tem sentido comentar em um mesmo texto sobre A Mãe Solteira/The Lady is Willing, Dedos Diabólicos/Fingers at the Window e A Verdade Acima de Tudo/Nothing But the Truth. Sim, é verdade: são três filmes de Hollywood, lançados na mesma época, 1941 e 1942, todos em preto-e-branco, como era o padrão.

Mas, em princípio, as semelhanças param por aí. Até porque dois deles, A Mãe Solteira, da Columbia, e A Verdade Acima de Tudo, da Paramount, são comédias, produções classe A, com grandes astros à frente do elenco – Marlene Dietrich e Fred MacMurray no primeiro e Bob Hope e Paulette Goddard no segundo. Enquanto Dedos Diabólicos, da Metro, é um thriller, um policial, um filme B, estrelado por Lew Ayres e Laraine Day, nomes nada memoráveis.

Os três só estão juntos aqui por um motivo muito particular: vi os três em um único dia. Ou melhor, tentei ver – e fui desistindo de um por um quando chegava ali pelos 12, 15 minutos de filme.

E aqui é preciso registrar: gosto de ver filmes, de todos os tipos, e gosto dos filmes; sempre consigo achar alguma coisa interessante, mesmo nos que claramente são ruins. E os da época de ouro de Hollywood, como esses três, são a minha praia, aquela em que me sinto mais absolutamente à vontade. O que significa que, diacho, se não consegui ver até foi porque de fato os três ruins demais da conta. Abacaxis azedos, intragáveis.

O eventual leitor teria todo o direito de perguntar: mas, se o cara não viu os filmes, como vai falar sobre eles?

Porque tenho um site de filmes, ora bolas. Porque perdi tempo com essas porcarias, e o mínimo que posso fazer é ter um post sobre eles.

Mas, sobretudo, porque não fico só derramando minha opinião. Vou fazer como gosto: reunir informações sobre os filmes.

Uma atriz famosérrima leva um bebê para casa

A Mãe Solteira do título brasileiro, a dama que está disposta, com vontade, do título original, interpretada por Marlene Dietrich, é uma atriz de teatro famosérrima, riquíssima, que um belo dia chega ao seu magnifico apartamento e surpreende o secretário particular, a dama de honra e a empregada doméstica por estar carregando um bebê. Ela tinha vontade de ser mãe, encontrou na rua aquele bebê abandonado e pronto – levou para casa.

Pede a seus serviçais que providenciem o melhor obstetra de Nova York e o mandem vir com urgência ao seu apartamento, para examinar a garotinha linda. A lady parece mal informada sobre alguns fatos fundamentais da vida – acha que obstetra é pediatra, que a garotinha linda a quem ela já quer dar o nome de Jõ tem uns dois anos de idade.

Surge em cena o dr. Corey T. McBain, na pele de Fred MacMurray, dois anos antes de, como o vendedor de seguros Walter Neff, ter sido enredado na teia mortal de Phyllis Dietrichson-Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue/Double Indemnity (1944). O qual explica para a dama que a) o bebê é um menino; b) não tem dois anos, e sim entre 7 e 8 meses de idade; e c) que ele detesta crianças.

Foi por aí, quando o filme está com uns 12 minutos, que tive a sabedoria de cascar fora daquilo. Prometi não ficar despejando minhas opiniões, mas me permito registrar apenas que a deusa Marlene Dietrich atua como se estivesse pretendendo alcançar a caricatura mais horrorosa que o cinema jamais havia mostrado antes – e que as roupas e o chapéu que o filme arranjou para ela são grotescos.

A sinopse do IMDb, de apenas uma linha, revela algo que não cheguei a ver: para conseguir adotar o menino que achava ser menina, a dama vai tentar arranjar um casamento com o dr. Corey T. McBain, o pediatra que detesta crianças.

É inacreditável, mas a coisa foi dirigida por Mitchell Leisen (1898-1972), realizador de respeito, autor de muitos bons filmes, tanto comédias quanto dramas pesados. Como, por exemplo, Lembra-te Daquela Noite/Remember the Night, de 1940, com Barbara Stanwyck e Fred MacMurray; Ela e o Secretário/Take a Letter, Darling, de 1942, um filme feminista feito muito antes que existissem filmes feministas; A Mulher que Não Sabia Amar/Lady in the Dark, de 1944: Só Resta Uma Lágrima/To Each His Own, de 1946, também sobre mãe solteira, mas um drama denso; Levanta-te, Meu Amor/Arise, My Love, de 1940, um interessante esforço de guerra. E ainda Casei-me com um Morto/No Man of Her Own (1950), mais uma vez com Barbara Stanwyck.

Leonard Maltin deu 3.0 estrelas em 4: “Comédia agradável; a glamourosa Dietrich quer adotar um bebê, então ela se casa com o pediatra MacMurray. O segmento dramático perto do fim estraga o humor animado.”

O filme tem nota 6,3 em 10 no IMDb.

Um ator desemprego investiga crimes em série

         Em Chicago, um ator desempregado, Oliver Duffy (o papel de Lew Ayres) tenta resolver o mistério de uma série de assassinatos cometidos com um machado, aparentemente por um “lunático”. Essa é a sinopse do IMDb para Dedos Diabólicos/Fingers at the Window.

Leonard Maltin teve uma avaliação positiva do filme – não entusiástica, mas positiva. Deu 2.5 estrelas em 4 e sintetizou: “Mistério interessante com Ayres-Day indo atrás de assassino maníaco que repete assassinatos com um machado”.

Oliver Duffy, o ator interpretado por Lew Ayres, fica conhecendo na rua, uma noite, a moça Edwina Brown, interpretada por Laraine Day, bem no início dos 80 minutos do filme. Ele se aproxima dela porque percebe que alguém a está seguindo – e poderia ser o criminoso do machado que andava deixando todo mundo da cidade com os nervos à flor da pele. A princípio a moça Edwina reage mal, como se aquele homem que se aproximou dela pudesse ser o assassino. Chega mesmo a procurar um policial que passava por ali para reclamar de Oliver – mas bem rapidamente percebe que estava enganada, que de fato há alguém que a está seguindo.

Este Dedos Diabólicos foi o primeiro dos únicos três filmes dirigidos por Charles Lederer (1911-1976), que era basicamente um roteirista – e um bom roteirista. Entre os 44 títulos em que seu nome aparece como autor ou um dos autores do roteiro estão duas ótimas comédias que fizeram grande sucesso, Jejum de Amor/His Girl Friday (1940), com Cary Grant e Rosalind Russell como o editor e sua ex-mulher, uma repórter espertíssima que está para se casar de novo, e Os Homens Preferem as Louras (1953), aquela deliciosa competição entre Marilyn Monroe e Jane Russell para ver qual é a mais gostosa, de corpo mais maravilhoso.

Assinou também, entre tantos outros, os roteiros de O Grande Motim, versão de 1962 do clássico de 1935, do divertido Onze Homens e um Segredo, o original, de 1960, do musical Can-Can (1960) e do noir O Beijo da Morte, de 1947.

No IMDb, Dedos Diabólicos tem nota 6,3 em 10.

Um corretor aposta que pode ficar 24 horas sem mentir

A ação de A Verdade Acima de Tudo/Nothing But the Truth se passa em Miami, e começa com uma frase engraçada num letreiro logo após os créditos iniciais, no momento em que se inicia a ação: “Miami, uma Wall Street com coqueiros”.

Bem, eu nunca soube que Miami tivesse uma grande quantidade de corretoras de valores, de intensa movimentação de firmas ligadas ao mercado financeiro, mas é o que o filme mostra em seus momentos iniciais – não cheguei sequer aos 10 minutos, porque tudo me pareceu ruim demais da conta.

O que se vê nesses minutos iniciais é uma agitada corretora de valores, cujo proprietário se chama T.T. Ralston, e é o papel de Edward Arnold (1890-1956), aquele ator um tanto volumoso que em diversos filmes do grande Frank Capra interpretava o patrão, o milionário, o capitalista. T.T. é um sujeito danado de mal-humorado, e parece não gostar muito do genro, para quem no passado havia dado um cargo importante na empresa – creio, sem certeza alguma, que seja Van, interpretado por Leif Erickson.

Quando a ação começa, T.T. está aguardando a chegada à sua empresa de um tal Steve Bennett (o papel de Bob Hope), sujeito que tem fama de ser um corretor competentíssimo, que atrai clientes como uma flor atrai abelhas. T.T. confia que, contando agora com Steve Bennett como seu funcionário, os negócios vão melhorar.

Só que o espectador percebe clarissimamente que Steve Bennett é uma fraude. É um danado de um preguiçoso, que contava com a possibilidade de não fazer absolutamente nada em seu novo emprego – achava que, naquela corretora excelente, os clientes viriam a ele sem que ele precisasse estalar um dedo.

Chega à corretora uma atriz, dançarina, showgirl, algo assim, Gwen Saunders (o papel de Paulette Goddard, linda na jovem maturidade dos 31 anos, ainda sra. Charles Chaplin à época do lançamento do filme). Gwen esperava contar com a ajuda da corretora de T.T. para financiar seu novo show.

Foi até onde vi o filme, antes de cascar fora dali. Dá para presumir que haverá algo entre o corretor de fama mas preguiçoso e a artista, já que eles são interpretados pelos atores principais…

Já a questão básica da trama é outra, segundo a sinopse do IMDb: “O novo sócio de um corretor aposta US$ 10 mil que ele consegue passar 24 horas falando apenas a verdade”.

(Bem, eu tinha entendido que Steven Bennet chegava à corretora de T.T. como empregado – um empregado em alta posição, mas empregado. Se o IMDb diz que é como sócio, deve estar certo…)

Mas, diabo, um sujeito que aposta que pode passar um determinado tempo só falando a verdade… Esta é uma belíssima sacada para uma comédia!

Tem o filme com o simpático careteiro Steve Carrey, O Mentiroso/Liar Liar, de 1997. Steve Carrey faz um advogado que, por causa do desejo de aniversário de um filho, se vê obrigado a passar 24 horas sem mentir.

Ah, se eu soubesse que tinha isso, talvez tivesse esperado mais um pouco antes de abandonar o filme… Deve, sem dúvida, ter situações engraçadas – fora a beleza de Paulette Goddard…

Leonard Maltin dá 3.0 estrelas em 4 a Nothing But the Truth: “Divertida comédia baseada em uma idéia infalível: o tímido corretor da bolsa Hope aposta que pode dizer a verdade absoluta por 24 horas. Boa diversão o tempo todo. Filmado antes em 1920 (com Taylor Holmes) e 1929 (com Richard Dix).”

No IMDb, esta terceira versão da mesma história tem nada menos de 7,1 em 10.

Às vezes não rola clima entre espectador e filme

Pois é. É bem possível, até provável que todos esses três filmes tenham lá boas qualidades, não sejam um absoluto horror. Eu não tenho como dizer que eles são um absoluto horror porque só vi o comecinho deles.

Posso dizer que não gostei, que achei porcaria, abacaxi azedo. Opinião, opinião pessoal, apenas – que vale tanto quanto a de qualquer outra pessoa deste mundo de Deus em que há tanto diabo.

Já disse e repeti nos textos deste site aqui e digo e repito de novo: a relação entre cada pessoa e um filme depende de uma série de variáveis, de fatores. O jeito com que a pessoa estava naquele dia, naquele momento em que viu o filme. Às vezes acontece de o santo da gente não ir com a cara, com o jeitão do filme. Não rola empatia, química, atração, sintonia. Não é culpa do filme, nem do espectador. Não rola, e pronto.

Legal: vi dez minutos de cada um desses três filmes, passei algumas horas escrevendo este texto, mas pelo menos garanti mais um post para o + de 50 Anos de Filmes.

Anotação em janeiro de 2025

A Mãe Solteira/The Lady is Willing

De Mitchell Leisen, EUA, 1942

Com Marlene Dietrich (Liza Madden),

Fred MacMurray (dr. Corey T. McBain),

Aline MacMahon (Buddy, a secretária de Liza Madden), Stanley Ridges (Kenneth Hanline, o secretário de Liza Madden), Arline Judge (Frances), Roger Clark (Victor), Marietta Canty (Mary Lou, a empregada de Liza Madden), David James (o bebê), Ruth Ford (Myrtle Glossamer), Harvey Stephens (dr. Golding), Harry Shannon (sargento detetive Barnes).

Roteiro James Edward Grant e Albert McCleery  

Baseado em história de James Edward Grant

Fotografia Ted Tetzlaff

Música W. Franke Harling

Montagem Eda Warren

Produção Charles K. Feldman, Mitchell Leisen, Columbia Pictures.

P&B, 92 min (1h32)

Dedos Diabólicos/Fingers at the Window

De Charles Lederer, EUA, 1942

Com Lew Ayres (Oliver Duffy),

Laraine Day (Edwina Brown),

Basil Rathbone (dr. H. Santelle), Walter Kingsford (dr. Cromwall), Miles Mander (dr. Kurt Immelman), Charles D. Brown (inspetor Gallagher), Cliff Clark (tenente Allison), James Flavin (tenente Schaeffer)

Roteiro Rose Caylor e Lawrence P. Bachmann

Baseado em história de Rose Caylor

Fotografia Charles Lawton Jr., Harry Stradling Sr.

Música Bronislau Kaper, Daniele Amfitheatrof, Mario Castelnuovo-Tedesco

Montagem George Boemler

Produção Irving Starr, Metro-Goldwyn-Mayer.

P&B, 80 min (1h20)

A Verdade Acima de Tudo/Nothing But the Truth

De Elliott Nugent, EUA, 1941

Com Bob Hope (Steve Bennett),

Paulette Goddard (Gwen Saunders),

Edward Arnold (T. T. Ralston), Leif Erickson (Van), Helen Vinson (Linda Graham), Willie Best (Samuel), Glenn Anders (Dick Donnelly), Grant Mitchell (Mr. Bishop), Catherine Doucet (Mrs. Van Dusen), Rose Hobart      (Mrs. Donnelly)

Roteiro Don Hartman e Ken Englund

Baseado na peça de James Montgomery e no romance de Frederic S. Isham

Fotografia Charles Lang

Montagem Alma Macrorie

Figurinos Edith Head

Produção Arthur Hornblow Jr., Paramount Pictures.

P&B, 90 min (1h30)

Um comentário para “A Mãe Solteira, Dedos Diabólicos e A Verdade Acima de Tudo”

  1. Já estive para ver esse filme da Marlene mas deu-me preguiça. Ao ler o seu post fiquei com vontade de ver Fingers at the Window e Nothing but the Truth e fui assisti-los. Fingers é interessante e razoável. Lew Ayres é sempre um ator discreto e agradável. Laraine Day é tão substimada. Ela tem um filme que recomendo, o melodrama The Locket. É bem interessante. Nothing bu the truth é muito divertido. Acho que o Sergio lhe devia dar uma chance de assistir. Paulette é sempre muito animada nas comédias tolas do Bob Hope

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