A Noite do Iguana / The Night of the Iguana

Nota: ★★★☆

(Disponível na Amazon Prime Video.)

Intenso, exagerado. Intensamente exagerado, exageradamente intenso. Creio que esta seria uma boa definição de A Noite do Iguana, o filme que o grande John Huston rodou no México e lançou em 1964, adaptado da peça de Tennessee Williams.

Exageros. O animal do título, o iguana, lagarto grande muito comum na região em que se passa a ação, o litoral ocidental do México central, perto de Puerto Vallarta, é exageradamente, pavorosamente feio. Parece um bicho pré-histórico, que já deveria ter sido extinto há séculos na evolução das espécies. Inversamente, saltam-se faíscas da beleza fulgurante de Ava Gardner, “O Animal Mais Belo do Mundo” na feliz definição de Jean Cocteau. Mas não é só: a câmara do diretor de fotografia Gabriel Figueroa encanta-se igualmente com a beleza plácida, serena de Deborah Kerr e a beleza juvenil, crepitante de Sue Lyon, apenas dois anos depois de ser revelada ao mundo como a Lolita de Stanley Kubrick.

Intensidade. As peças de Tennessee Williams (1911-1983), sulista do Mississippi, costumam concentrar as formas mais tortas de amor, tudo que pode haver de pecaminoso, sujo, degradante nas relações humanas, sempre no calor escaldante de verões abafados, suarentos, pegajosos. The Night of the Iguana tem tudo isso – misturado com Deus, religião, fé, dúvidas existenciais.

A primeira sequência do filme é arrebatadora, impressionante, acachapante. O protagonista, um sacerdote da Igreja Episcopal interpretado com a overdose que caracteriza o grande Richard Burton, começa seu sermão dominical sobre “O Espírito da Verdade”, mas rapidissimamente passa a investir contra a congregação, acusando a todos de estar ali não para orar, mas para ver o seu pastor que foi acusado de ceder aos pecados da carne.

– “Eu penso, enquanto examinamos nossos corações juntos, neste local dedicado à adoração, em quantos de nós aqui podem dizer ‘Eu governo meu próprio espírito’. Porque… Quão fraco é o homem? Quantas vezes… quantas vezes… quantas vezes nos desviamos do caminho reto e estreito? Porque apenas quando obedecemos ao Senhor somos como cidades sem muralhas. Somente então podemos nos defender contra Satã e suas tentações. Nós não conseguimos nos governar sozinhos.”

Os fiéis se entreolham, cochicham, começam a se levantar para deixar a igreja.

O reverendo T. Lawrence Shannon, filho de sacerdote, neto de dois bispos, vai ficando cada vez mais agitado, surtado. Desce do púlpito e sai atrás do rebanho que foge dele rumo à porta:

– “Não posso e não vou mais continuar a conduzir serviços religiosos em louvor e adoração a este velho raivoso e petulante em que vocês acreditam. Vocês viraram as costas para o Deus do amor e da compaixão e inventaram para si próprios este cruel, senil, delinquente que culpa o mundo e tudo o que ele criou por suas próprias falhas! Fechem suas janelas! Fechem seus corações contra a verdade de nosso Deus!”

Corta – e entram os créditos iniciais. Neles vemos diversas tomadas de iguanas, aqueles lagartões pré-históricos exageradamente feios.

O reverendo Shannon vira guia turístico no México

Depois dos créditos iniciais, o reverendo T. Lawrence Shannon está sentado em uma praça diante de uma velha igreja católica, encostado em uma mureta, cobrindo-se com um jornal aberto, uma garrafa de bebida a seu lado. Uma jovem lourinha, bonitinha, gostosinha chega perto dele – Charlotte Goodall é o nome da personagem interpretada por uma Sue Lyon que é a cara, o corpo, o espírito da Tentação em Si.

(A garotinha escolhida para o papel-título de Lolita não pôde comparecer à avant-première do filme em Nova York, no dia 13 de junho de 1962, por ser menor de idade. Em Belo Horizonte, o garotinho Sérgio Vaz leu essa informação em algum lugar e ficou impressionadíssimo com aquilo: a menina pôde filmar a história que muita gente chamou de indecente, mas não pôde ver o filme na avant-première…)

Sai da velha igreja mexicana um grupo de senhoras norte-americanas de meia-idade – todas feias, desengonçadas. Veremos que são professoras de uma cidadezinha do Texas, que estão participando de uma excursão pelo vizinho México. O ônibus de excursão, velho, vagabundo, é de uma empresa texana; o motorista é um jovem chamado Hank (James Ward). T. Lawrence Shannon é o guia turístico.

Assim que o ônibus deixa aquela cidadezinha e segue em direção à parada seguinte, Puerto Vallarta, Charlotte-Sue Lyon se levanta de seu lugar no banco traseiro e vai se sentar ao lado de Shannon. Dali a pouco a líder do grupo de senhoras, Judith Fellowes (o papel de Grayson Hall, na foto abaixo), diz para Charlotte voltar para seu lugar, senta-se ao lado do guia da excursão, diz para ele que a moça é menor de idade, e que ele tem que tomar muito cuidado.

O reverendo não é, de forma alguma, um tarado, estuprador

O espectador tem todo o direito, a esta altura do filme – estamos bem no comecinho, ali por 10, 12 minutos – de ficar em dúvida se aqueles fatos no Méxíco aconteceram antes ou depois do momento em que o reverendo T. Lawrence Shanon surtou na até então sua St. James Church. Se estamos diante de um flashback – ou não.

Até porque, nas últimas décadas, tornou-se extremamente comum esse tipo de coisa: o filme que abre com um evento impactante, e depois volta no tempo, para mostrar o que ocorreu no passado até levar àquele evento mostrado no início. A tal da narrativa-laço, como eu chamo, e que, na linguagem empolada dos críticos de cinema, é “in midia res”, o latinório para “no meio das coisas”.

Mas não – o roteiro não usa o esquema da narrativa-laço, da in midia res. Não há flashback algum.

Mais adiante, o espectador ficará sabendo que, entre o surto de Shannon na St. James Church, e aquele dia em que ele é o guia turístico de uma empresinha do interior do Texas que leva americanos para passear abaixo do Rio Grande, havia-se passado um período de dois anos.

Só ali pela metade dos 118 minutos do filme ficamos sabendo o que havia acontecido lá atrás. O reverendo Shannon havia sido seduzido por uma garotinha da sua paróquia – e o caso tinha vindo a público. Depois daquele dia em que ele surtou no meio do sermão, tinha sido levado pela sua Igreja a um sanatório e suspenso das funções. Enquanto esperava se reabilitar, tinha arranjado aquele emprego de guia turístico.

Agora, uma outra garotinha o estava provocando, fazendo de tudo para seduzi-lo.

O reverendo T. Lawrence Shannon que Richard Burton compôs e o filme de John Huston mostra não é um tarado, um maníaco sexual, um estuprador. De forma alguma. É um homem que se vê diante da tentação – e, frágil, tíbio, fraco, cede a ela.

No caso da tentação chamada Charlotte Goodall, tadinho do sujeito… Ele bem que se esforça, tenta… Mas a moça é danadinha.

Há uma sequência em que, junto de um bar na praia perto de Puerto Vallarta, Charlotte-Sue Lyon dança balançando a bundinha linda. O mexicano que cuida do bar diz uma frase forte: “Não queremos que nossas crianças saibam que moças jovens podem ser como você!”

Frases fortes. Frases inteligentes, sarcásticas, duras. Frases sérias, profundas. Frases elaboradérrimas, coisa de literatura, que as pessoas não falam na vida real. John Huston e seu parceiro em vários roteiros Anthony Veiller mantiveram as falas criadas por Tennessee Williams para serem ditas pelos atores nos palcos de teatro – e. diabo, as falas podem não ser realistas, mas são maravilhosas. A página de Citações do IMDb traz umas 50 delas, e é obrigatório transcrever pelo menos alguns dos diálogos do filme.

Duas atrizes de belezas bem diferentes, Ava e Deborah

Antes, porém, é preciso falar sobre as personagens interpretadas por essas duas atrizes de belezas tão diferentes, Ava Gardner e Deborah Kerr.

As duas, a americana da Carolina do Norte e a escocesa de Glasgow, estavam no auge de suas belas carreiras, aos 40 e 41 anos, respectivamente.

Ava interpreta Maxine Faulk, a dona de um hotel bem simples em um lugar paradisíaco, no alto de um morro de onde se tem uma vista esplendorosa para o Oceano Pacífico, a uns poucos quilômetros de Puerto Vallarta.

Quando o ônibus de turismo com as senhoras americanas feias e a garotinha linda e doida para dar se aproximava da cidade de Puerto Vallarta, onde haviam sido reservados quartos em um confortável hotel para todos da excursão, o reverendo Shannon tem um novo surto, assume a direção do ônibus e ruma para a propriedade de Maxine. Esperava encontrar algum conforto espiritual com o velho amigo Fred Faulk, por quem tinha grande admiração.

A chegada do ônibus da excursão ao hotel dos Faulk é uma danada de uma confusão, uma coisa caótica. A líder do grupo das senhoras, a sra. Fellowes, fica irritadíssima com aquela mudança de planos, xinga o guia turístico como pode, ameaça ligar para um juiz de sua cidade e também para o dono da empresa de turismo para denunciar Shannon por atacar Charlotte. Para manter o grupo ali, Shannon tira uma peça do motor do ônibus.  É tudo uma absoluta loucura.

E Maxine – que havia tempos era apaixonada pelo belo religioso – conta para ele que Fred havia morrido fazia poucos meses.

No meio daquela confusão dos diabos, surge no hotel uma dupla absolutamente insólita, esquisita, excêntrica: uma pintora, Hannah Jelkes (o papel de Deborah Kerr), e seu quase centenário avô, um poeta (o papel de Cyril Delevanti).

Shannon ficará cativado pela figura interessante que é Hannah – o que, claro, deixará Maxine cheia de ciúme.

Praticamente toda a ação do filme (com exceção daquela sequência de abertura, ocorrida dois anos antes, e da cena final) se concentra em um único dia e uma única noite.

Tudo é absolutamente intenso – e exagerado.

“Um pequeno ato de misericórdia”

São duas mulheres exageradamente diferentes, distantes uma da outra, essa Hannah de Deborah Kerr e essa Maxine de Ava Gardner. A primeira é absolutamente suave, calma, contida – e jamais teve uma relação sexual sequer. A outra é um caráter forte, turbulento – e, quando Fred, o marido, bem mais velho que ela, deixou de se interessar por sexo, arranjou dois garotões para trabalhar no hotel, e, à noite, tomar banho de mar e trepar com ela na areia ou outro lugar qualquer.

Lá pelas tantas, os dois garotões, Pedro e Pepe (Roberto Leyva e Fidelmar Duran), sempre vestidos apenas de largas calças brancas, sem camisa, perseguem um grande iguana que vêem no mato junto do hotel e conseguem apanhá-lo. Deixam o bicho horroroso amarrado numa varanda, para em alguma hora o matar e jogar na panela.

O iguana que dá o nome da história fornece também material para dois diálogos marcantes. O reverendo já havia sido amarrado em uma rede, depois de novo surto em que prometeu entrar no mar e nadar até a China. Então a doce Hannah pede:

– “Mr. Shannon, solte-o.”

E o religioso: – “Tudo bem. Vamos brincar de Deus nesta noite, como as crianças brincam de casinha com velhos engradados e caixas quebradas. Vamos soltar o maldito lagarto, para que ele possa voltar para o mato, já que Deus não vai fazer isso e nós estamos brincando de Deus nesta noite.”

Shannon tinha acabado de cortar o cordão que mantinha o iguana preso quando chega Maxine, que havia tomado banho de mar e de sexo com Pepe e Pedro:

– “O que diabo você está fazendo, Shannon?”

– “Acabei de soltar uma das criaturas de Deus das suas amarras.”

– “Pra quê?”

– “Para que uma das criaturas de Deus possa se livrar do pânico, e saia correndo para chegar em casa livre e a salvo. Um pequeno ato de misericórdia, Maxine.”

         Maxine quer desnudar a homossexualidade da bruxa

Um pequeno ato de misericórdia.

Não foi à toa que Tennessee Williams teve amplo reconhecimento como um dos dramaturgos mais importantes dos Estados Unidos – e tantas e tantas e tantas de suas peças foram levadas para o cinema por grandes diretores, com elencos brilhantes. A Noite do Iguana tem um monte de grandes achados.

Em uma beleza de achado dramático, esse pobre sujeito que não consegue resistir às tentações é capaz de um grande ato de misericórdia – justamente com Judith Fellowes, a mulher que inferniza sua vida ao denunciá-lo às autoridades e ao seu patrão como um molestador de menor de idade.

Acontece quando o filme já entra no seu terço final, ali pelos 80 minutos de duração. Maxine não aguenta mais a intolerável mulherzinha, e resolve fazer com que Judith Fellowes enfrente uma verdade de que ela nem de longe desconfia. E ataca com imensa ironia.

Maxine: – “Qual… ahn… é a matéria que você ensina lá no seu colégio, doçura?

Miss Fellowes: – “Canto… Mas o que isso tem a ver?”

Maxine: – “Bem, Geografia é minha especialidade. Você sabia que se não fosse pelos ‘diques’, as planícies do Texas seriam inundadas pelas águas do golfo?”

Shannon diz, voz alta, forte, firme, de comando: – “Maxine!”

Tipo: pára com isso, cala a boca.

No original, a frase de Maxine é: “Did you know that if it wasn’t for the *dikes*, the plains of Texas would be engulfed by the gulf?”

Dike é dique, represa, barragem – mas é também a gíria que corresponde a sapatão, sapatona, francha.

Estão excelentes as duas atrizes, a belíssima Ava Gardner e a feia que nem a fome Grayson Hall.

Maxine não pára, não cala a boca: – “Vamos falar francamente, sua sapata. (A palavra que ela usa aqui é butch, um sinômino perfeito de dike.) Sabe qual é seu problema? Aquela cadelinha sua tem uma preferência natural por homens! Em vez de…”

Shannon diz outro “Maxime”, ainda mais duro que o primeiro. A bruxa se sai com um “Do que ela está falando?” E Shannon intervém:

– “Melhor ir embora agora, Miss Fellowes. A festa acabou. Eu agora não estou mais em uma posição de descartar minha responsabilidade de proteger você. Uma responsabilidade da qual você me descartou. Vá embora, Miss Fellowes. Vá embora.”

Depois que a bruxa vai embora, Maxine expressa sua surpresa: a mulher acabou com a vida dele, e ele a protege!

Shannon explica: – “Miss Fellowes se tem em alta conta. Saber da verdade sobre si própria iria destruí-la.”

Anos após as filmagens, Huston foi morar em Puerto Vallarta

The Night of the Iguana, a peça teatral, tem uma “história de vida” bem interessante. Tennessee Williams escreveu a história na forma de conto, em 1948, quando estava com 37 anos. Onze anos depois, em 1959, usou a história em uma peça curta, de um ato só. Mexeu e mexeu nela ao longo de dois anos, produzindo duas diferentes versões, até chegar a uma peça de três atos, que estreou no Royale Theater da Broadway em 1961, com – meu Deus do céu e também da Terra! – Bette Davis no papel de Maxine. Margaret Leighton fez Hannah durante quatro meses, e deixou a peça, sendo substituída pela excelente Shelley Winters. Patrick O’Neal fazia o reverendo Shannon.

A obra foi indicada ao principal Tony, o de melhor peça; Margaret Leighton venceu o Tony como melhor atriz. Foram feitas 316 apresentações.

A peça – assim como boa parte do filme – se passa no hotel que era de Fred e Maxine, e passou a ser administrado apenas por ela depois da morte do marido. É apresentado como um hotel no litoral do México. Creio que a peça não se preocupa em dizer o local exato.

O local escolhido por John Huston, Puerto Vallarta, tem grande importância na vida dele. Começa assim sua autobiografia Um Livro Aberto, lançado originalmente em 1980 (e no Brasil em 1987, pela gaúcha L&PM):

“Estou morando, na maior parte dos últimos cinco anos (de 1975 a 1980, portanto), na cidadezinha de Puerto Vallarta, no município de Jalisco, no México. Quando cheguei aqui pela primeira, há quase três décadas, Vallarta era apenas uma vila de pescadores de 2 mil habitantes.”

Um pouco mais adiante:

“Durante esses anos todos, voltei a Vallarta muitas vezes. Uma delas foi em 1963, para filmar The Night of the Iguana. O mundo, até então, desconhecia por completo a existência desse lugar. Com a estréia do filme, o número de visitantes e turistas aumentou de maneira espantosa. Antes de A Noite do Iguana a população não passava de 2.500 habitantes. A partir daí, cresceu prodigiosamente e agora já está com quase 80 mil, Hoje proliferam hotéis e condomínios, plantados feito cogumelos, no meio da luxuriante mata verde.”

No capítulo de sua autobiografia dedicado a The Night of the Iguana, o 28, Huston conta que a idéia de filmar a peça foi de seu amigo Ray Stark, “dono da Rastar e um dos principais acionistas da Columbia Pictures”. “Sinto profunda afeição por Ray e quando me propôs que fizéssemos juntos um filme da peça de Tennessee Williams, A Noite do Iguana, aceitei com prazer.”

Os dois escolheram juntos os principais atores; os britânicos Richard Burton e Deborah Kerr aceitaram imediatamente, mas Ava Gardner, então morando em Madri, não deu a resposta quando diretor e produtor a procuraram. Levaram uma semana para convencê-la.

Sobre o ambiente durante as filmagens, na região de Puerto Vallarta, Huston conta:

“A teia emaranhada de relacionamentos entre os principais artistas de A Noite do Iguana estabeleceu uma espécie de recorde. Richard Burton estava acompanhado por Elizabeth Taylor, ainda casada com Eddie Fischer. Michael Wilding, ex-marido de Elizabeth, chegou para se encarregar da publicidade de Burton. Peter Viertel, segundo marido de Deborah, já havia sido amante de Ava Gardner. Os ‘criados’ de Ava no filme, dois rapazes locais que passavam o tempo todo na praia, iam atrás por onde ela andasse. Claro que tudo quanto é macho conquistador mexicano da cidade queria seduzir Sue Lyon, que – para azar deles – era ciosamente vigiada pelo noivo e pela mãe.”

Antes, Huston já havia contado que, no passado, tentara conquistar Ava Gardner: “Não tive o menor êxito”, diz o diretor, que, aliás, foi casado – no papel – cinco vezes.

Atenção: spoiler! Fala-se do final da trama

John Huston conta que conversou bastante com Tennesse Williams sobre o final da trama – e seu relato sobre isso é especialmente fascinante. No entanto, como se fala sobre o desenlace da trama, é, evidentemente, um spoiler. Se algum eventual leitor chegou até aqui sem ver o filme, deveria parar de ler.
Spoiler!

“Quando começamos as filmagens, Tennesee Williams aparecia com bastante frequência para assistir ao copião. Sempre chegava acompanhado por Fred (seu namorado) e sua cadelinha Gigi”, escreveu Huston. E adiante: “Tennessee e eu discutimos muito em Vallarta a respeito do final. Ele havia criado a personagem de Maxine com considerável carinho e depois, no desfecho, a convertia numa mulher-aranha que devorava seu macho. Tudo isso para provar que a sensualidade e a grosseria acabam sempre triunfando sobre a delicadeza e a cultura. (…) Eu senti que Tennessee havia mudado o tom da personagem arbitrariamente, em função de objetivos escusos, como meio de exprimir seu preconceito contra as mulheres, e chamei-lhe a atenção para isso. (…) – ‘Você encara as mulheres como rivais’ – afirmei. – ‘Não quer que elas ocupem nenhum lugar na vida amorosa de um homem.” (…) Por incrível que pareça, Tennesse nem tentou se defender. Fiquei admirado, pois esperava que me mandasse à merda; mas não mandou. (…) Não faz muito tempo, me encontrei com ele durante um almoço em Londres. Foi uma ocasião muito festiva. Senti verdadeiro prazer em revê-lo e em conversar com ele depois de tantos anos. Mas, quando fomos nos despedir, comentou: – ‘Continuo não gostando daquele final, John!’”

Meu, que maravilha! Só mesmo John Huston para dar bronca em Tennesse Williams por tratar as mulheres como rivais e mudar o final de uma peça do sujeito incensado por todos!

Anotação em maio de 2024

A Noite do Iguana/ The Night of the Iguana

De John Huston, EUA, 1964

Com Richard Burton (reverendo T. Lawrence Shannon),

Ava Gardner (Maxine Faulk),

Deborah Kerr (Hannah Jelkes),

Sue Lyon (Charlotte Goodall),

James Ward (Hank Prosner, o motorista), Grayson Hall (Judith Fellowes, a chefe do grupo de viajantes), Cyril Delevanti (o avô de Hanna), Mary Boylan (Miss Peebles), Gladys Hill (Miss Dexter), Billie Matticks (Miss Throxton), Emilio Fernandez (o homem do bar), Roberto Leyva (Pedro),

Fidelmar Duran (Pepe), C.G. Kim (Chang, o cozinheiro)

Roteiro Anthony Veiller, John Huston

Baseado na peça de Tennessee Williams

Fotografia Gabriel Figueroa

Música Benjamin Frankel

Montagem Ralph Kemplen

Direção de arte Stephen Grimes

Figurinos Dorothy Jeakins

Produção Ray Stark, MGM.

P&B, 118 min (1h58)

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