(Disponíveis no YouTube em 5/2023.)
Ida Lupino é absolutamente admirável. Atriz, roteirista, produtora e diretora em uma época em que quase nenhuma mulher dirigia e produzia em Hollywood, era um vulcão, uma força da natureza, uma artista “extremamente talentosa, intensa”, como sintetizou a Baseline.
Ou, como diz o livro 501 Movie Stars, editado por Steven Jay Schneider: “Ida Lupino não é muito conhecida pelas gerações mais novas, e isso é trágico e inexplicável. Lupino era não apenas uma das atrizes mais fortes dos anos 1940 e 1950, capaz de se igualar em dureza e força aos astros com que contracenava, Humphrey Bogart, Edward G. Robinson, Richard Widmark e Robert Ryan, como também uma diretora pioneira, criando thrillers e dramas com significância social que eram tão intensos quanto suas atuações.”
Ou, como diz o livro Actors & Actresses, editado por James Vinson: “Muitas vezes faltava a ele controle, e tendia ao overacting. Ao mesmo tempo, possuía um admirável desprezo pela proteção de sua ‘imagem’; estava sempre disposta a se arriscar, mesmo se fosse para flertar com a perda da simpatia da audiência.”
Ou, como diz o livro 501 Movie Directors, editado por Steven Jay Schneider: “Durante o início dos anos 1950, Ida Lupino era virtualmente a única diretora trabalhando no cinemão de Hollywood. Embora sua produção tenha sido pequena – sete filmes (e mais três dezenas de séries e/ou filmes para a TV) –, seu profissionalismo direto serviu como inspiração para outras mulheres.”
Ou, como diz o Dicionário de Cineastas de Rubens Ewald Filho: “Como atriz, Ida é injustamente esquecida mas era do calibre de uma Bette Davis, tão forte e sensível quanto uma Barbara Stanwyck. Mas, além de ter sido praticamente a única estrela da Era de Ouro que soube passar para a direção (…), Ida quebrou tabus e ainda por cima virou também produtora independente, procurou fazer filmes com temas anticonvencionais.”
Temas anticonvencionais. Entre eles, estupro, bigamia, filho ilegítimo.
Mulher porreta.
E, como se ainda fosse preciso, lindérrima. (Na foto abaixo, em cena do filme Escravo de Si Mesmo/Beware, My Lovely.)
Dois filmes com várias características em comum
No total, são 42 títulos dirigidos por ela, mas de fato na maioria são episódios de séries de TV, como, por exemplo, para citar só algumas, The Dona Reed Show, Alfred Hitchcock Apresenta, General Electric Theater, Os Intocáveis, O Fugitivo, Dr. Kildare, Além da Imaginação, A Feiticeira.
Os seis filmes que Ida Lupino realizou são estes:
1 – 1949 – Mãe Solteira/Not Wanted – Direção não creditada
2 – 1950 – Quem Ama Não Teme/Never Fear ou Young Lovers – Direção, roteiro, argumento
3 – 1950 – O Mundo é Culpado/Outrage – Direção, roteiro, argumento
4 – 1951 – Laços de Sangue/Hard, Fast and Beautiful – Direção, atuação
5 – 1953 – O Mundo Odeia-me/The Hitch-Hiker – Direção, roteiro
6 – 1953 – O Bígamo/The Bigamist – Direção, roteiro
Como roteirista, assinou nove títulos. Já como atriz, a filmografia dela é bastante extensa – são 105 títulos.
Gostaria muito de ter neste + de 50 Anos de Filmes todos os filmes que ela dirigiu, e uma boa quantidade dos que estrelou.
Em uma só noite, passei por dois filmes com Ida Lupino nos créditos, um como diretora, Quem Ama Não Teme/Never Fear, outro como atriz e uma das produtoras, Escravo de Si Mesmo/Beware, My Lovely.
Os dois filmes têm características em comum, a começar pelo fato que são dois dramas duros, com temas barra pesadíssima.
Quem Ama Não Teme é a história de um jovem casal de dançarinos, apaixonados, prestes a se casar, prestes a fazer algum sucesso em nightclubs da Califórnia quando a moça, Carol, é diagnosticada com poliomielite. Ela é interpretada por Sally Forrest (na foto abaixo), jovem bonita, simpática, de lindas pernas, exibidas fartamente nas primeiras sequências em que o duo ensaia e depois faz uma primeira apresentação em um nightclub. O rapaz, Guy Richards, é o papel de Keefe Brasselle, um ator de quem nunca tinha ouvido falar e que me pareceu bem fraquinho.
Escravo de Si Mesmo mostra uma viúva ainda jovem, Helen Gordon (o papel de Ida Lupino), que aluga quartos de sua casa numa cidade do interior para garantir a sobrevivência, e contrata como faz-tudo um homem que logo se revela um louco de pedra, um psicopata violento. Ele é interpretado por Robert Ryan – com quem Ida contracenou em Cinzas Que Queimam/On Dangerous Ground (1951), de Nicholas Ray.
Os dois filmes, Quem Ama Não Teme e Escravo de Si Mesmo, são da mesma época: o primeiro é de 1950, o segundo é de 1952. Os dois foram produzidos pela Filmakers, a empresa criada por Ida Lupino e Collier Young quando eram casados – o casamento, um dos cinco dele, um dos três dela, durou entre agosto de 1948 e outubro de 1951. No caso de Quem Ama Não Teme, Ida Lupino e Collier Young foram não apenas os produtores, mas também os autores do argumento e do roteiro.
Ida Lupino diretora de um, atriz central de outro. A mesma empresa produtora, pequena, independente. O mesmo Collier Young na produção. O mesmo compositor da trilha sonora, Leith Stevens. Dois dramas pesados, densos. Dois filmes feitos com pequeno orçamento.
As duas obras são pouco conhecidas e faladas hoje. Estão, ambas, disponíveis no YouTube, grátis como passeio no parque, e foi lá que os encontrei, garimpando entre os filmes da época de ouro de Hollywood.
“Drama emocionante, dirigido com sensibilidade”
Embora seja um dos poucos filmes dirigidos por Ida Lupino, o Cinemania ’97, uma obra extraordinária, abrangente, enciclopédica, que tem praticamente tudo e um pouco mais, dá pouca importância a Quem Ama Não Teme. Do elenco, traz apenas os nomes dos cinco atores principais, sem dar – como é a norma, a praxe – os nomes dos personagens, Da equipe, só registra o nome de Ida Lupino, algo que pouquíssimas vezes vi naquela obra tão caprichada.
Leonard Maltin deu 2.5 estrelas em 4: “A vida da jovem dançarina Forrest se desfaz quando ela tem pólio. Drama sincero com roteiro de Lupino e do à época seu marido, Collier Young. Também conhecido como Young Lovers.”
Já o guia de Steven H. Scheuer dá ao filme 3.5 em 4, e fala dele com entusiasmo: “A devastação da pólio faz com que uma jovem dançarina tenha que se reajustar física e mentalmente. Drama emocionante, dirigido com sensibilidade por Ida Lupíno, com boas atuações.”
“O suspense sombrio permanece tenso até o fim”
Leonard Maltin deu a Beware, My Lovely, a mesma cotação que deu a Never Fear – 2.5 estrelas em 4. E foi extremamente sucinto: “A viúva Lupino emprega Ryan como um faz-tudo, descobre que ele é psicopata; meditativo, cheio de clima”.
Steven H. Schuer também deu 2.5 estrelas para Beware, My Lovely, e também foi bastante sucinto: “Jovem viúva de guerra é ameaçada por um faz-tudo sinistro. Cheio de suspense.”
O guia de Mick Martin & Marsha Porer, que não traz verbete sobre Never Fear, fala entusiasticamente de Beware, My Lovely, ao qual dá a cotação máxima de 5 estrelas: “Robert Ryan está terrivelmente bem como o psicopata com amnésia que pode voar para um estado de raiva incontida em um minuto e voltar imediatamente para seu jeito de faz-tudo normal, prosaico. Ida Lupino também está soberba como a viúva que contrata Ryan para limpar o chão de sua casa, um erro do qual rapidamente se arrepende. O suspense sombrio permanece tenso até o fim.”
O diretor que o casal Lupino & Young contratou para dirigir o filme, Harry Horner (1910-1994), teve bela carreira. Era um dos muitos europeus que se radicaram em Hollywood ao longo dos anos 1930, antes do início da Segunda Guerra. Nascido em uma pequena cidade da então Boêmia, Império Áustro-Húngaro, hoje República Checa, dirigiu 19 filmes. Teve especial sucesso como diretor de arte em 24 filmes, inclusive os ótimos Tarde Demais (1950), Desafio à Corrupção (1961) e A Noite dos Desesperados (1969). Por esses três filmes, foi indicado ao Oscar de melhor direção de arte, e levou para casa as estatuetas por Tarde Demais e Desafio à Corrupção.
Anotação em maio de 2023
Quem Ama Não Teme/Never Fear
De Ida Lupino, EUA, 1950
Com Sally Forrest (Carol Williams),
Keefe Brasselle (Guy Richards),
e Hugh O’Brian (Len Randall), Eve Miller (Phyllis Townsend), Lawrence Dobkin (Dr. Middleton), Rita Lupino (Josie)
Argumento e roteiro Ida Lupino e Collier Young
Fotografia Archie Stout
Música Leith Stevens
Montagem Harvey Manger, William H. Ziegler
Direção de arte Van Nest Polglase
Produção Ida Lupino, Collier Young, The Filmakers.
P&B, 82 min
Escravo de Si Mesmo/Beware, My Lovely
De Harry Homer, EUA, 1952
Com Ida Lupino (Helen Gordon),
Robert Ryan (Howard Wilton),
e Taylor Holmes (Mr. Walter Armstrong), Barbara Whiting (Ruth Williams), James Williams (Mr. Stevens), O.Z. Whitehead (Mr. Franks), Dee Pollock (o garoto do mercado)
Roteiro Mel Dinelli
Baseado em sua peça teatral “The Man”
Fotografia George E. Diskant
Música Leith Stevens
Montagem Paul Weatherwax
Direção de arte Albert S. D’Agostino, Alfred Herman
Figurinos Michael Woulfe
No YouTube. Produção Collier Young, The Filmakers
P&B, 77 min
**1/2
Keefe Brasselle fez “Um Lugar ao Sol”, não teve uma longa carreira, pois não teve uma longa vida. Em relação ao talento do rapaz, bem, já vi coisa pior ganhando Oscar.