Estaremos Sempre Juntos / Nous Finirons Ensemble

(Disponível no Now em agosto de 2022.)

Quando, em Até a Eternidade/Les Petits Mouchoirs, de 2010, o diretor Guillaume Canet contou sobre os dias de férias daquele grande grupo de amigos junto da praia em Cap Ferret, próximo de Bordeaux, abriu seu filme com um estonteante, fascinante, impressionante plano-sequência. Na abertura de Estaremos Sempre Juntos/Nous Finirons Ensemble, de 2019, em que nos mostra aqueles mesmos amigos reunidos de novo no mesmo lugar, quase uma década depois, há outro esplendor visual: vemos vistas aéreas das praias, daquele cenário paradisíaco, em uma série de travellings com a câmara colocada muito provavelmente em drones.

As imagens que vemos na abertura de Estaremos Sempre Juntos são de fato literalmente de tirar o fôlego. Breathtaking. De a gente ficar deslumbrado. Para aumentar ainda mais a beleza, ouvimos, enquanto vemos as imagens maravilhosas, uma interpretação absolutamente breathtaking de “It’s all over now, Baby Blue”, de Bob Dylan, pelo irlandês Van Morrison. Eu até gostaria de dizer que, quando um filme francês de 2019 sobre as amizades, os amores, os problemas, as brigas, as desavenças de um grupo de amigos abre com uma canção de 1964 é porque a canção é boa demais – mais aí eu estaria, por minha admiração eterna por Dylan, atrapalhando o início do meu texto sobre essa beleza de filme de Guillaume Canet.

Importante, neste início de texto, é dizer que, ao nos apresentar este segundo capítulo da história de Max, Marie, Éric, Antoine, Isabelle, Vincent e os outros, Guillaume Canet cria uma bela obra sobre a amizade, a solidariedade. Uma simpática, agradável, carinhosa ode ao que a vida pode ter de melhor, os bons encontros, embora, como diz o poeta, haja tanto desencontro na vida.

Aliás, bota desencontro na história desse pessoal!

Duas belas estirpes de filmes

Essa dupla de filmes de Guillaume Canet vem se ligar a duas maravilhosas estirpes. A dos filmes sobre grupos de amigos que acabam sendo painéis, afrescos sobre o comportamento, os amores, as esperanças, os sonhos, as frustrações de toda uma geração. Como, só para dar alguns exemplos admiráveis, Para o Resto de Nossas Vidas/Peter’s Friends (1992), de Kenneth Branagh, O Reencontro/The Big Chill (1983), de Lawrence Kasdan, Sobre Ontem à Noite…/About Last Night... (1986), de Edward Zwick, as séries Friends (1994-2004), de David Crane & Marta Kauffman e Crônicas de San Francisco (1993 a 2001), baseada nos livros do escritor Armstead Maupin.

A segunda maravilhosa estirpe a que vem se juntar este Estaremos Sempre Juntos é a dos filmes que formam uma série, que acompanha um grupo de pessoas ao longo de uma vasta quantidade de anos. Como Claude Lelouch fez com seus personagens emblemáticos Jean Louis-Duroc e Anne Gauthier a partir de Um Homem, Uma Mulher (1966), e nas continuações em 1986 e 2019. Como Cédric Klapisch fez com aquela turma de jovens que se reuniu em Barcelona, em Albergue Espanhol/L’Auberge Espagnole (2002), e que depois se reencontraria na Rússia em Bonecas Russas/Les Poupées Rousses (2005), e mais tarde ainda em O Enigma Chinês/Casse-tête Chinois (2013).

Talvez pudesse ser acrescentada aí a trilogia The Godfather, essa coisa tão absurdamente maravilhosa – mas preferiria não fazer isso. Preferiria associar essa dupla de obras de Guillaume Canet apenas aos outros grupos de filmes que falam de seres humanos comuns, gente como a gente, “normal” – gente que não é mafioso, assassino, bandido, mau caráter profissional. Gente como eu e o eventual leitor.

Tudo que Max não quer é festa, montes de gente

Quando começa a narrativa, após os créditos iniciais e as estupendas tomadas aéreas da região de Cap Ferret, Max (o papel de François Cluzet, nas fotos acima) está chegando de Paris à ampla, bela casa que o pai havia levado anos construindo, onde a cada verão sua turma de amigos costumava se reunir – a mesma casa que o espectador já havia conhecido em Até a Eternidade/Les Petits Mouchoirs. Mas o Max que chega ali sozinho pouco se parece com o Max de quase uma década antes. Bem, é verdade que no filme anterior Max já era um sujeito sempre estressado, sempre preocupado com tudo a seu redor. Mas agora – o espectador vai vendo isso bem rapidamente – ele está muito, mas muito, mas muito pior.

Max era o sujeito mais rico da sua turma de amigos; de origem humilde, nascido ali mesmo, naquela região litorânea próxima de Bordeaux. Havia batalhado muito e se tornara dono de um bom restaurante e um hotel. Mas havia feito apostas erradas, investimentos errados, e perdera tudo. O único bem que sobrara havia sido exatamente aquela bela casa de praia – e ele havia viajado agora até lá para pôr a casa à venda.

Ainda não havia contado nada disso para a nova mulher, Sabine (Clémentine Baert, na foto acima), uma jovem simpática, alegre, uma dentista – eles haviam se conhecido como cliente e dentista. Não tinha tido coragem de contar nada sobre sua derrocada financeira nem para Sabine, que chegaria ali no dia seguinte, nem para Véro (Valérie Bonneton), a ex-mulher, mãe de seus dois filhos, que também estava para chegar a qualquer dia.

Faltavam apenas três dias para o seu aniversário de 60 anos…

(E aqui vão perênteses. Me assustei com a informação de que Max-François Cluzet estava para fazer 60 anos. Só???, pensei, me sentindo velho pra cacete. Na verdade, Cluzet, de 1955, é cinco anos mais novo que eu. Não é tão jovem assim…)

Faltavam apenas três para seu aniversário de 60 anos, mas tudo que Max não queria era festa, comemoração. Ainda bem – ele seguramente pensava – que já havia alguns anos que aquele seu grupo de amigos e ele tinham se distanciado, e eles tinham parado de passar alguns dias das férias de verão ali na casa de praia.

Tudo o que Max queria era tentar descansar, ao lado de Sabine. Tentar dormir. Enfrentar a dureza de ter que criar coragem e contar para a mulher que estava praticamente falido, que perdera o hotel, o restaurante, teria que vender a casa…

Max dorme mal naquela primeira noite na casa da praia. Usa tampões de ouvido, mesmo num lugar sem o barulho da cidade grande – mas acorda bem cedo, sobressaltado, nervoso, inquieto.

Max é um homem à beira de um ataque de nervos.

Naquele primeiro dia inteiro na casa praia, Sabine chega – acompanhada do grande grupo de amigos de Max!

Quiseram fazer uma surpresa para ele. Reatar a amizade, deixar de lado os desentendimentos do passado.

As expressões desse ator maravilhoso que é François Cluzet quando se vê diante daquela grande turba – tudo o que ele definitivamente não queria na vida – já valeriam ver esse filme delicioso.

Mas Estaremos Sempre Juntos está só começando. O grande grupo de amigos chega de surpresa diante de Max quando o filme ainda não passou  de uns 15 minutos dos 134 que ele dura.

Quem é quem na turma de amigos

A idéia de aparecer de surpresa na casa de praia para os 60 anos de Max havia sido de Éric (o papel de Gilles Lellouche), um dos amigos mais íntimos, mais chegadas do aniversariante. Mas os dois haviam tido um desentendimento feio, algum tempo antes, e nunca mais tinham se visto. Na verdade, Max havia se distanciado de todos eles, todos aqueles que chegaram à casa super alegres – e foram recebidos por um Max atônito, surpreso, visivelmente com a maior má vontade do mundo para recebê-los.

Éric, cuja carreira de ator havia engrenado nos últimos anos, chega com a filhinha de um ano de idade e uma babá absolutamente insuportável, Catherine (Tatiana Gousseff). É um pai solteiro – a mãe do bebê, ele conta uma hora lá, é uma absoluta drogada, estão completamente distantes.

Éric – o primeiro dos dois filmes mostra isso de maneira bem clara – era um danado de um galinha, um namorador quase compulsivo. Nunca tinha tido um relacionamento mais estável, duradouro.

Exatamente como Marie.

Marie é o papel da maravilhosa Marion Cotillard, que, na vida real, é a senhora Guillaume Canet – estão juntos desde 2007 e têm dois filhos, Marcel e Louise, embora não sejam casados de papel passado. São, como lá se diz, compagnons.

No passado, Marie havia tido uma relação intensa, forte, importante, com Ludo (Jean Dujardin) – que, na abertura de Até a Eternidade, tem sua moto arrebentada por um caminhão e é levado para o hospital em coma. Naquele ano, os amigos discutiram muito se deveriam fazer a viagem anual até Cap Ferret com Ludo na UTI; acabaram decidindo viajar, sim – e, durante toda a narrativa daquele primeiro filme, Ludo continuava no hospital.

Naquela época, Marie acabava de passar um longo período na Amazônia, aparentemente fazendo um documentário. Nos anos que se seguiram, teve casos e casos e mais casos, nada estáveis, nada duradouros. Como resultado de um deles, havia tido Nino (Ilan Debrabant), garoto que está então com uns cinco anos. Marie tem dificuldades com essa tarefa nada fácil que é ser mãe.

Igualmente galinhas, Éric e Marie sempre foram amigos muito próximos. Mas entre eles não havia rolado nada. Até então…

Oito ou nove anos antes, conforme vemos no primeiro filme, Vincent e Isabelle (os papéis de Benoît Magimel e Pascale Arbillot) estavam casados, tinham um filhinho de uns 7 anos e pareciam estar enfrentando aquele período em que a chama da paixão já não é mais a mesma. De lá para cá, os dois de fato haviam se separado. E Vincent está não de namorada nova, mas de namorado – Alex, o papel de Mikael Wattincourt.

Oito ou nove anos antes, Vincent e Isabelle não tinham mais a mesma chama, e ao longo desse tempo ele passou para o outro lado. Mas como resistir à visão de uma ex-mulher bela como aquela?

O filho deles, agora um adolescente de uns 16 anos, Elliot (o papel de Néo Broca), é um garoto legal, simpático. Algo raro nos filmes, meio raro também na vida real, um adolescente que não é aborrescente. Ele até se dá bem com os outros garotos do grupo, mais novos de que ele, os filhos de Max e Véro, Jeanne e Arthur, e Nino, de Marie. (Jeanne é o papel de Jeanne Dupuch; Arthur, de Marc Mairé, e Nino, de Ilan Debrabant

Falta uma palavrinha sobre o caçula do grupo de amigos, Antoine, o papel de Laurent Lafitte. No primeiro filme, estava aí com uns 35 anos, mas seu jeito era de garotão imaturo. Passou-se quase uma década, mas Antoine continua garotão imaturo, meio bobão. Tentou ser ator, conseguiu uns poucos papéis pequenos, e estabeleceu com Éric uma relação engraçada de amigo-secretário-faz-tudo, em troca de um salário.

Os atores devem ter se divertido muito

Essa aí é a turma de Max. O filme nos mostra as relações desse pessoal ao longo de uns três ou quatro dias. Conversam, conversam, conversam, brincam, bebem, às vezes bebem demais, dançam, vão a boate, dançam e bebem ainda mais. Éric se mostra a fim de Marie, Vincent se mostra a fim de Isabelle, sua ex. Max se mortifica com seus problemas. Alguns deles experimentam a aventura maluca de pular de pára-quedas. Os quatro garotos, Elliot, Arthur, Jeanne e Nino, pegam o catamarã e se aventuram pela baía, rumo ao mar aberto – para total e absoluto desespero dos pais, quando dão pela falta dos meninos.

Lá pelas tantas chegam também Véro, a ex de Max, com uma amiga, Géraldine (Gwendoline Hamon), que, segundo Max, é uma ninfomaníaca. Véro vai se engraçar um tal Alain (o papel de José Garcia), um dono de restaurante, concorrente de Max – que, como tantos homens, tem ciúmes da ex-mulher, mesmo estando casado de novo…

Uma trama gostosa, simpática, sobre velhos amigos, gente comum, gente como a gente, e suas aventuras e desventuras com a vida o amor a morte.

Devem ter se divertido muito esses atores todos, muitos deles velhos amigos, que já fizeram diversos filmes juntos. Há laços afetivos fortes. Além do casal Guillaume Canet-Marion Cotillard, há ali pelo menos um ex-casal: François Cluzet e Valérie Bonneton já foram casados, assim como seus personagens Max e Véro.

Esses personagens todos são criação do próprio Guillaume Canet, que assinou sozinho o argumento, o roteiro e os diálogos do primeiro filme, Até a Eternidade/Les Petits Mouchoirs. Neste segundo aqui, ele assina tudo isso ao lado de Rodolphe Lauga.

A crítica se dividiu sobre o filme gostoso

Aprendi depois de ver o primeiro filme do díptico que a expressão “petit mouchoir”, literalmente pequeno lenço, significa mentira, mentirinha. Em Portugal, aquela terra de lógica rígida, Les Petits Mouchoirs se chamou Pequenas Mentiras Entre Amigos. Nos países de língua inglesa foi Little White Lies. Quando este Nous Finirons Ensembles foi lançado, os distribuidores do filme nos Estados Unidos e no Reino Unido optaram por Little White Lies 2.

O site AlloCiné, que tem tudo sobre o cinema francês, observa que o título do filme, Nous Finirons Ensemble, nós terminaremos juntos, realça duas temáticas centrais da obra, a amizade e a passagem do tempo. Além disso, ele remete diretamente a dois clássicos do cinema francês: Nous Ne Vieillirons Pas Ensemble, de Maurice Pialat, e Nous Irons Tous au Paradis, de Yves Robert. (Os dois filmes, feitos nos anos 1970, tiveram no Brasil títulos absolutamente fiéis ao original, algo que nem sempre acontece: Nós Não Envelheceremos Juntos e Vamos Todos para o Paraíso.)

O filme – o sexto longa dirigido por Canet, que como ator tem mais de 70 títulos na filmografia – não teve grande sucesso de crítica. Segundo o site AlloCiné, a média das cotações de 32 críticas publicadas foi de 2,7 em 5. A revista Première adorou, definiu o filme como um sucesso, uma “continuação brilhante”. O crítico da Télérama, bem ao contrário, estava de péssimo humor quando viu o filme: “Nove anos depois, Guillaume Canet reúne sua trupe de Petits Mouchoirs. Mas nada justifica essa continuação, sucessão de esquetes sem charme.“

Nous Finirons Ensemble é um filme simpático, gostoso. Uma beleza.

Anotação em 8/2022

Estaremos Sempre Juntos/Nous Finirons Ensemble

De Guillaume Canet, França-Bélgica, 2019.

Com François Cluzet (Max), Marion Cotillard (Marie), Gilles Lellouche (Éric), Laurent Lafitte (Antoine), Benoît Magimel (Vincent, o ex de Isabelle), Pascale Arbillot (Isabelle, a ex de Vincent), Clémentine Baert (Sabine, a nova mulher de Max), Valérie Bonneton (Véronique, a ex de Max),

e José Garcia (Alain, o concorrente de Max), Mikaël Wattincourt (Alex, o companheiro de VIncent), Jean Dujardin (Ludo), Tatiana Gousseff (Catherine, a babá), Joël Dupuch (Jean-Louis), Hocine Mérabet (Nassim), Jeanne Dupuch (Jeanne, filha de Max e Véronique), Néo Broca (Elliot, filho de Vincent e Isabelle), Marc Mairé (Arthur, filho de Max e Véronique), Ilan Debrabant (Nino, filho de Marie), Philippe Vieux (o corretor de imóveis), Gwendoline Hamon (Géraldine, a amiga de Véronique), Karim Adda (Xavier), Jean-René Privat (Franck), Pauline Tantot (gêmea), Mathilde Tantot (gêmea)

Argumento, roteiro e diálogos Guillaume Canet & Rodolphe Lauga

Fotografia Christophe Offenstein     

Montagem Hervé de Luze

Casting Laurent Nogueira       

Desenho de produção Philippe Chiffre

Figurinos Carine Sarfati

Produção Alain Attal, Trésor Films, Caneo Films, EuropaCorp, M6 Films, Artémis Productions

Cor, 134 min (2h14)

***1/2

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