The Chair

3.0 out of 5.0 stars

(Disponível na Netflix em 8/2021.)

The Chair, minissérie absolutamente mini lançada pela Netflix em 2021, trata de vários, diversos, múltiplos temas importantes, sérios, pesados, com muito bom humor. Não é uma comédia, não, de forma alguma – mas tem um toque forte de bom humor, de elementos cômicos. A rigor, é como a vida, essa coisa que, como Billy Blanco sintetizou com maestria, dá tanto pra fazer rir quanto pra chorar.

No entanto, o estado da civilização humana mostrado por The Chair – uma série que se passa numa boa universidade dos Estados Unidos da América, e portanto num dos ambientes mais ricos, mais privilegiados do planeta – não é nada bom, nada agradável, nada positivo.

Muito ao contrário.

Com extrema suavidade, com excelente humor, The Chair mostra que, como diz a canção do Chico, as coisas vão mal – mas vão mal demais.

E – reafirmo, insisto – a série não está falando das coisas em Zimbábue, em Uganda, no Haiti, no Afeganistão ou no Brasil, mas nos Estados Unidos da América, o país mais rico que já houve na História.

A trama – criada por Annie Julia Wyman e pela bela e simpática atriz Amanda Peet – gira em torno de uma professora de ascendência coreana, Ji-Yoon Kim, chegando perto dos 50 anos de idade, que é escolhida para ocupar a cadeira de chefe do Departamento de Inglês da Universidade de Pembroke.

Os seis episódios de cerca de 30 minutos cada (dando um total de uns 180 minutos, menos que os 192 de Cleópatra e os 238 de … E o Vento Levou) acompanham o atribuladíssimo dia-a-dia de Ji-Yoon tanto na vida profissional, na universidade, quanto na vida familiar. Problema é o que não falta, tanto numa quanto noutra.

E é claro que muitas vezes os problemas da vida particular interferem nos problemas da vida profissional – e vice-versa.

Ji-Yoon Kim é o papel da ótima Sandra Oh, canadense de origem coreana, bastante conhecida por seus papéis nas séries Grey’s Anatomy (2005-2021) e Killing Eve (2018-2022) e em Sideways – Entre Umas e Outras (2004).

Filhinha que é uma peste, um amigo complicado…

Em casa, Ji-Yoon tem um problema sério. A filha Ju-Hee é inteligente, espertíssima, e, aos oito anos, por aí, já parece uma perfeita aborrescente. É contestadora, rebelde, inquieta, dada a momentos de tristeza, desesperança. Daquele tipo que, quando a mãe dá uma ordem, e diz que ela tem que obedecer à mãe e ao avô, responde: – “Você não é minha mãe de verdade, ele não é meu avô de verdade”.

Ju-Hee não é filha biológica de Ji-Yoon. Criança de origem mexicana, foi adotada ainda bebê, e portanto é, sim, filha de verdade de Ji-Yoon e neta de verdade de Habi (Ji-yong Lee) – mas é capaz de lançar esse tipo de frase na cara da mãe.

É capaz também de, entregue aos cuidados do avô que fala muito pouco o Inglês, fugir de casa, e dar uma trabalheira para a mãe até ser encontrada. O avô reclama que a menina não fala coreano, e ela de fato prefere não falar – mas entende tudo o que é dito.

É capaz de fazer um desenho na escola de uma pessoa com um facão diante do pescoço, o que leva a orientadora a ligar para a mãe receitando uma psiquiatra para a garota.

Essa pestezinha de Ju-Hee é interpretada por uma garotinha danada de talentosa chamada Everly Carganilla, cujo nome indica que é uma americana de origem cucaracha. A série The Chair foi o quarto título da filmografia da danadinha, que, em setembro de 2021, quando escrevo esta anotação, já terminou de filmar seu quinto título, uma série chamada The Afterparty.

Não há baby-sitter ou babá que aguente a barra de Ju-Hee. A única pessoa que a garotinha respeita, por quem desenvolve profundo afeto, é um colega da mãe, o professor doutor Bill Dobson (Jay Duplass, na foto abaixo).

Só que o professor doutor Bill Dobson é um problema em dobro para a recém-nomeada chefe do Departamento de Inglês da universidade. É um problema na vida pessoal, e é um problema na vida profissional.

Bill – o segundo personagem mais importante da história – é uma figuraça. Havia escrito um ou dois livros, que tinham tido bastante sucesso; por causa disso, e por ser jovem e bonitão, era um dos professores mais populares do Departamento de Inglês, se não o mais popular de todos. No entanto, havia perdido a mulher, um ano antes da época em que se passa ação, e não tinha conseguido se recuperar. Bem ao contrário. Continuava devastado pela perda, agora agravada pela partida da única filha, que deixara a cidade para estudar em outro Estado.

Sozinho, sem a mulher que amava loucamente, agora também sem a filha, Bill mergulhava na inconsciência, com bebida, maconha, anfetamina, o que pintasse à sua frente.

Sempre havia sido grande amigo de Ji-Yoon – e agora, na época em que se passa a ação, vai descobrindo que, se há alguma mulher no mundo por quem poderia se sentir atraído depois da perda da esposa, essa mulher era mesmo Ji-Yoon.

Ji-Yoon, por sua vez, gosta demais do velho amigo, companheiro, colega. E é uma beleza que com Bill a garotinha Ju-Hee se dê bem. Mas nada poderia ser pior para ela do que ter um envolvimento afetivo com ele, agora que ela virou chefe do departamento.

Ji-Yoon tem que dar uma chacoalhada no Departamento

Por maiores que sejam os problemas pessoais da moça, os que ela tem que enfrentar como chefe do Departamento de Inglês são muito, mas muito, mas muito piores.

O espectador vai logo ver que o reitor Paul Larson (o papel de David Morse) escolheu Ji-Yoon porque ela é uma professora competente, perfeitamente apta para o cargo – mas também porque ela é uma não-branca e é jovem. (Sim, para chefiar um departamento de universidade grande, importante, uma pessoa de menos de 50 anos é considerada jovem.)

A Universidade de Pembroke (fictícia, mas bem parecida com as reais) enfrenta uma séria crise. A Universidade como um todo, e o Departamento de Inglês absolutamente em especial. Há uma persistente queda no número de matrículas no Departamento – e, além disso, os professores de maior salário, porque mais idosos, com mais títulos acadêmicos, são os que menos atraem alunos para as suas matérias.

O reitor diz para Ji-Yoon com quase todas as letras, creio que no segundo dos seis rápidos episódios da minissérie: ele a nomeou porque confia na juventude, no vigor, na capacidade dela de dar uma chacoalhada no departamento – antes que ele acabe. Sua tarefa será fazer com que se aposentem os professores que têm menos alunos, e dar força aos professores mais jovens e menos brancos, que portanto são mais simpáticos aos estudantes. Em suma: tem que dar um jeito de atrair mais alunos.

O grande problema não são os professores

Têm importância na série dois professores velhinhos e dois mais jovens. Um dos mais jovens é o já devidamente apresentado Bill Dobson, que, apesar de estar há um ano bem piradão, ainda atrai as atenções da moçada. A outra é uma jovem e extremamente talentosa professora negra, Yaz McKay (Nana Mensah, na foto acima).

Ji-Yoon tem grande admiração por Yaz. A agora chefe do departamento briga por ela, quer que ela seja efetivada o mais rapidamente possível, deseja que ela seja a escolhida para o discurso anual da universidade. E Yaz de fato é adorada pelos alunos – em especial pelo grande e sempre crescente número de não-brancos.

Os professores velhinhos que a série mostra bastante são Elliot Rentz (o papel de Bob Balaban) e Joan Hambling (Holland Taylor, na foto acima).

O professor Elliot é um admirador fanático de Herman Melville (1819-1891), o autor de Moby Dick. É um daqueles sujeitos que se recusam, terminantemente, a perceber que o mundo gira, a Lusitana roda, el tiempo pasa e nos estamos poniendo viejos. Um chato, um bobo. eHer

A professora Joan é uma admirada fanática de Geoffrey Chaucer (1343-1400), o autor de The Canterbury Tales e, segundo ela, um dos autores que definiram a língua inglesa. É uma velhinha danada de simpática, inteligente, vivaz, alegrinha, uma liberária.

Bom para lembrar que nem todo velho é chato, acabado, ultrapassado, careta, bobão.

O que, na minissérie The Chair, mostra que o estado da civilização humana não é nada bom, nada agradável, nada positivo, que as coisas vão mal, mas vão mal demais, não são os professores dessa fictícia universidade tão absolutamente idêntica às universidades reais.

São os alunos. A juventude.

Estudantes racistas – e presas fáceis de fake news

Os estudantes são mostrados como um bando de patrulheiros raciais. Xiitas chaatos. Tudo para eles se resume à cor da pele, à pigmentação, à melanina. Todo branco é necessariamente um filho da mãe opressor, castrador, escravagista. Todo negro, ou descendente de asiático, árabe, índio, é bom, puro – e oprimido, humilhado, ofendido pelos brancos safados.

Um horror, um horror, um horror. É racismo puro.

São também presa fácil de um boato, um rumor, uma fake news. Acreditam no que lhes é apresentado, não questionam, não fazem perguntas, não investigam – já tomam logo posição, e posição peremptória, radical, xiita e chaata.

Bill Dobson é vítima de uma fake news idiota. O mundo desaba sobre sua cabeça e, como consequência, também na de Ji-Yoon, já que ela é a chefe dele, a chefe do departamento.

No meio de uma aula, Bill fala de autoritarismo, totalitarismo. Faz, evidentemente, uma crítica ao autoritarismo, ao totalitarismo – e, ao fazer a crítica, ergue o braço na saudação nazista. O gesto é filmado por vários alunos – e, tirado totalmente do contexto, sem o áudio, ou com o áudio original trocado, substituído, cai na rede, viraliza.

Daí a instantes os Estados Unidos inteiros estão pedindo a demissão do professor nazista do Departamento de Inglês da Universidade de Pembroke.

Não há um único daquelas dezenas e dezenas de alunos que estavam na grande sala de aula, um daqueles anfiteatros de universidade rica, capaz de vir a público dizer que não era nada disso, que o gesto nazista foi feito durante um ataque às ideologias totalitárias.

Uma beleza ver Sandra Oh como protagonista

Há uma interessantíssima participação especial em The Chair: David Duchovny, o famoso agente Fox Mulder da série Arquivo X (1993-2018), surge num dos episódios fazendo papel dele mesmo

As autoras Amanda Peet e Annie Julia Wyman bolaram o seguinte para enfiar David Duchovny na história:

Lá pelas tantas, depois da loucura da exposição de Bill Dobson como um nazista, o reitor Larson manda que ele seja afastado das suas aulas enquanto um comitê da universidade estuda o caso. Para substituí-lo, a mulher do reitor sugere que a universidade contrate David Duchovny!

David Duchovny, o ator?, reage, absolutamente perplexa, a chefe do Departamento de Inglês. Como assim?

E a mulher do reitor explica para ela que David Duchovny, além de ator famoso, tem também uma carreira acadêmica. Estudou em Harvard, ou Yale, tem um PhD ou coisa parecida, e tem demonstrado interesse em retomar a carreira. Seria uma coisa fantástica ter o astro como professor, isso seguramente iria atrair dezenas, centenas de alunos!

E então a pobre Ji-Yoon vai visitar David Duchovny na sua gigantesca mansão.

Achei essa coisa bem interessante. E é engraçado ver que o ator se submeteu a fazer o papel de si mesmo num episódio em que ele não fica propriamente muito bem… Ele topou fazer uma piada sobre ele mesmo!

Depois vi que, de fato, Duchovny tem de fato ligação com literatura e experiência acadêmica. É autor de poemas e ensaios, e passou não apenas por uma, mas por duas das mais prestigiosas universidades dos Estados Unidos, Princeton e Yale; nesta última, fez mestrado em Literatura Inglesa.

Aposto que nem minha filha, uma fã há tempos de The X Files, sabia disso!

É um prazer ver Sandra Oh como a protagonista de uma série.

Conta-se que, quando Sandra se mudou de Ottawa, no Canadá, para Los Angeles, em 1995, aos 24 anos, à procura de trabalho como atriz, ouviu de um agente o seguinte: “Não tenho nada para lhe oferecer. Você não tem o perfil de protagonista, não é bonita o suficiente. Deveria fazer uma cirurgia plástica”. A história foi contada em matéria na revista Veja, em agosto de 2021, assinada por Marcelo Canquerino.

“Por um longo período, a previsão parecia se concretizar”, diz a matéria. “Sandra passou uma década pulando entre papéis sem relevância. Insistente, centrada e determinada, a atriz quebrou barreira por barreira e refletiu essa ‘teimosia’ em suas personagens — caso da popular médica Cristina Yang, de Grey’s Anatomy, que a fez famosa. Hoje, aos 50 anos, Sandra não só é um nome cobiçado na TV e no cinema, como deu novos ares ao papel da dita ‘mulher difícil’. Leia-se ‘difícil’ como um adjetivo amplamente usado para caracterizar mulheres que fogem de padrões. São aquelas que priorizam o trabalho, falam o que pensam e tomam decisões impopulares. É o caso da professora Ji-Yoon Kim, protagonista da comédia dramática da Netflix The Chair, vivida por Sandra.”

A série teve ótima aprovação de público e crítica

Uma surpresa que a série traz é o fato de a bela Amanda Peet ter se aventurado como escritora. Sempre achei simpática essa moça bonita, com aqueles olhos claros imensos e lindos. Sua presença enfeita bons filmes, como Nosso Tipo de Mulher / She’s the One (1996), de Edward Burns, Alguém tem que Ceder/Something’s Gotta Give (2003), de Nancy Meyers, Melinda e Melinda (2004), de Woody Allen, Ensinando a Viver / Martian Child (2007), de Menno Meyjes, Sentimento de Culpa / Please Give (2010), de Nicole Holofcener.

Que faça mais roteiros.

Saiu-se bem aqui, ao lado dessa Annie Julia Wyman – outra estreante como roteirista. As duas criaram muitas sequências um tanto exageradas, nos momentos mais abertamente cômicos, em especial as envolvendo Bill Dobson. A festa de aniversário de uma garotinha parente de Ji-Yoon, que apresenta a comunidade coreana da cidade como uma gente esquisita e muito fofoqueira, é um perfeito exemplo desses exageros. Mas, tirando esse pecadilho, é uma boa série.

Amanda Peet e Annie Julia Wyman acertaram no final. Após os cerca de 30 minutos do sexto episódio, a história se encerra. Acaba, termina – ao contrário do que aconteceu ao final do episódio número cinco e teoricamente último de Lupin, que deixa o espectador morrendo de curiosidade de saber o que vai acontecer logo em seguida.

Aqui, não. A história se encerra, redondinha. Mas é claro que deixa aberta a possibilidade de haver uma segunda temporada. Caso a série tenha sucesso, dá perfeitamente para abrir uma nova história com esses personagens simpáticos, interessantes. Se rolar uma segunda temporada, beleza. Se não rolar, tudo bem também.

Se depender da aprovação de quem viu, teremos, sim, uma segunda temporada. No Rotten Tomatoes, o site que faz a média das cotações dadas pelos críticos e também pelos leitores, The Chair está 85% de apoio dos críticos e 83% do público em geral.

Anotação em agosto de 2021

The Chair

De Amanda Peet e Annie Julia Wyman, criadoras, roteiristas, EUA, 2021

Direção Daniel Gray Longino

Com Sandra Oh (Ji-Yoon Kim)

e Jay Duplass (professor Bill Dobson), Bob Balaban (professor Elliot Rentz), Nana Mensah (professora Yaz McKay), Everly Carganilla (Ju-Hee, a filha de Ji-Yoon), David Morse (Paul Larson, o reitor), Holland Taylor (professora Joan Hambling), Mallory Low (Lila), Ron Crawford (professor McHale), Marcia DeBonis (Laurie), Ji-yong Lee (Habi, o pai de Ji-Yoon), Ella Rubin (Dafna, a estudante bonita), Jordan Tyson (Capri), Frank Sanns (professor), Cliff Chamberlain (Ronny), Darius Fraser (Kareem), Abdul Alvi (Abdul), Jordan Beltz (estudante), Joseph Cannon (estudante), Vinnie Costanza (Dustin), Shay Guthrie (Shay), Simone Joy Jones (Joy), Christine McBurney (professor), Roger Petan       (professor)

e (em participação especial), David Duchovny (ele mesmo)

Roteiro Amanda Peet & Annie Julia Wyman, com Jennifer Kim, Andrea Troyer e Richard Robbins     

Argumento Amanda Peet & Annie Julia Wyman

Fotografia Jim Frohna

Música Stephanie Economou

Montagem Jay Deuby, Stacy Moon

Casting Avy Kaufman

Direção de arte Grace Alie

Produção Hameed Shaukat, BLB Media, Netflix.

Cor, cerca de 180 min (cerca de 3h)

Disponível na Netflix em agosto de 2021

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