Mago, o Falso Deus / The Magus

1.0 out of 5.0 stars

Há duas opiniões deliciosas, sensacionais, sobre The Magus, no Brasil Mago, o Falso Deus, a história criada pelo inglês John Fowles e transformada em filme com roteiro do próprio autor – o único roteiro que ele se aventurou a fazer na vida. Dirigido pelo inglês Guy Green, o filme foi lançado em 1968, no auge da psicodélia, do tremor de terra na política e na sociedade de diversos países, como a França, os Estados Unidos, a Checoslováquia, o Brasil.

John Lennon disse que a leitura do livro de John Fowles mudou sua vida. Eu não sabia disso, mas está no IMDb, então deve ser verdade. Seguramente John disse isso numa viagem de ácido em que também fumou uns três bobmarleys e tomou um litro de scotch, tudo junto e misturado.

Peter Sellers, perguntado se pudesse mudar seu passado, mudar o que já havia vivido, respondeu que faria tudo exatamente igual – menos assistir a The Magus.

John estava viajandão, Peter Sellers estava sóbrio que nem um juiz: The Magus é um troço bem doidão, mas bem doidão demais da conta. Visto hoje, com a distância, a perspectiva dada pelo tempo, dá para dizer que o filme é anos 60 puro. É, de uma certa maneira, psicodélico – o retrato daqueles anos loucos. Tem a lógica de um sonho, ou seja, lógica alguma.

Leonard Maltin definiu bem o espírito do filme, para o qual, severamente, deu 1 estrela em 4: “Pretensiosa, desesperadamente confusa história do romance de John Fowles sobre um mago, ou mágico (Quinn), que tenta controlar o destino de Caine, recém chegado à sua ilha grega. A princípio, a história labiríntica parece engraçada, mas sem alívio algum vai ficando cansativa, enfadonha.”

Bem: de alguma maneira, Leonard Maltin entendeu que o personagem de Anthony Quinn tenta controlar do destino do personagem de Michael Caine. Eu não entendi assim, até porque tudo o que eu entendi é que é uma história para não ser entendida mesmo. Mas tudo bem, maravilha.

Com um ácido na cabeça, é bem possível que a história faça sentido.

A história é incompreensível, mas o visual é lindo

O que se vê na tela é belo. Cacete, como é belo. Os cenários são deslumbrantes – tudo se passa na ilha grega de Phraxos. Não existe, entre as centenas de ilhas gregas, nenhuma com o nome de Phraxos. Muito do que o romance de John Fowles descreve, como a Lord Byron School, onde dá aula Nicholas Urfe, o personagem de Michael Caine, e a Villa Bourani, onde reina o Mago, ou Maurice Conchis, o personagem de Anthony Quinn, existiu e ainda existe na ilha grega de Spetses.

De qualquer forma, com nome fictício ou não, o fato é que tudo se passa numa ilha grega – e portanto os cenários são de fato deslumbrantemente lindos. O filme foi rodado em parte em Spetses, em parte na ilha espanhola de Mallorca, e o azul do Mediterrâneo é aquela absoluta maravilha.

Tão belas quanto as paisagens são as duas atrizes, a dinamarquesa-francesa Anna Karina e a americaníssima Candice Bergen. Os olhos imensos de Anna Karina são a prova de que há azul mais belo que as águas do Mediterrâneo. E Candice Bergen jamais esteve mais bela do que neste filme doidão, doidaço, doidonildo.

E é preciso registrar, não tem jeito: aos 35 anos, Michael Caine também era bonito pra caramba.

A história é absolutamente incompreensível – ao menos para quem não tomou um ácido –, mas o visual é deslumbrante.

Uma espécie assim de labiranto sem saída

Ao contrário do que faço sempre aqui, desta vez não vou nem tentar fazer um relato sobre a história, porque simplesmente não conseguiria. Assim, vou transcrever aqui as sinopses que encontrar numa pesquisinha nos meus alfarrábios e, claro, na internet.

O Guide des Films de Jean Tulard resume a história de Jeux Pervers, jogos perversos, como o filme chamou na França, em uma única frase, sem entrar em detalhes – “Um professor inglês se confronta em uma ilha grega com o mágico local.” Depois, em mais duas faz a avaliação deliciosa: “Uma espécie de labirinto do qual a saída não é indicada no final. Alguns o abandonam, outros gritam ‘obra-prima’.”

O Cinéguide, uma obra-prima em termos de saber sintetizar em poucas palavras as sinopses do filme, diz: “Um mágico tenta controlar o destino de um homem que desembarca em sua ilha”.

O guia de Steven H. Scheur nem tenta fazer uma sinopse – já parte direto para a conclusão: “O romance complexo de John Fowles, sobre um jovem professor inglês (Caine) que chega a uma pequena ilha da Grécia, se transformou num filme confuso.” E tascou-lhe 1 estrela em 4.

“Um filme metafísico mas em última análise confuso”

Ahá! O livro The Films of 20th Century Fox tem um verbete maior que os anteriores. Vejamos:

“Um professor inglês (Michael Caine) chega a uma ilha grega para ocupar um lugar (de um outro jovem professor que havia se matado), e é atraído para visitar uma villa numa parte remota da ilha. A ilha é propriedade de um homem (Anthony Quinn) que é um gênio com cartas (de tarô) e jogos, e o apresenta a uma bela moça (Candice Bergen) que ele diz que é um fantasma. Mais tarde ele diz que ela é uma esquizofrênica que está sendo tratada por ele, mas finalmente admite que ela é uma atriz em um filme que ele queria fazer sobre sua vida, e que o professor foi atraído para o esquema para intepretar um papel. Parece que o anfitrião é um homem com um passado muito complicado. (E bota complicado nisso: Maurice Conchis, o papel de Anthony Quinn, foi acusado de ter sido um colaborador dos nazistas que dominaram a ilha durante a Segunda Guerra Mundial, e teria sido o responsável pela morte de vários gregos.) O professor fica aliviado de escapar da atmosfera louca e sai à procura de sua antiga namorada (Anna Karina), com quem ele resolve se comportar de maneira mais amável. Um filme ambicioso, metafisico em tese mas em última análise confuso.”

“Uau!” e “hummmm….” para o livro The Films of 20th Century Fox. Uau porque eles conseguiram produzir uma sinopse da história. Foi um esforço tão bom que resolvi dar uma ajudinha acrescentando algumas informações. E, ao mesmo tempo, hummmmm… porque na penúltima frase o esforçado redator pisou bastante no tomate.

A relação de Nicholas Urfe com Anne (o papel de Anna Karina) é bastante complexa, mas ao contrário de quase todo o resto da história, é até compreensível – embora seja apresentada para o espectador em flashbacks ao longo da narrativa tortuosa.

Nicholas é um intelectual, com pretensões a ser poeta. Numa festa em Londres, é apresentado a Anne, uma bela francesa que trabalha como aeromoça. Trepam, namoram, apaixonam-se. Mas, quando morre um jovem professor da Lord Byron School na ilha de Phraxos, e Nicholas é designado para assumir seu lugar, Anne se oferece para abandonar o emprego e ir junto com o amante. Mas Nicholas, sabe-se lá por que, talvez por amar menos aquela moça linda do que ela o amava, dá um jeito de fugir dela e viajar sozinho para Phraxos.

Quando chega lá, continua com a cabeça em Anne – até que conhece, na villa de Maurice Conchis, aquela mulher de beleza absolutamente absurda, seja ela um fantasma, uma esquizofrênica ou uma atriz, Lilly, o papel de Candice Bergen.

A coisa toda já está complicada demais, e absolutamente incompreensível, mas vai piorar, porque Anne vai atrás de Nicholas na Grécia.

Michael Caine e Candice Bergman não gostam do filme

Enquanto via a porcaria visualmente linda, me lembrei que Anthony Quinn estava de volta à Grécia depois de Canhões de Navarone (1961) e Zorba, O Grego (1964). E ele ainda faria o papel de Aristoteles Onassis em O Magnata Grego (1978). Cacete, como frequentava a Grécia o mexicano-americano!

E me lembrei também, embora nesse caso não haja uma ligação direta, de Boom!, no Brasil O Homem Que Veio de Longe. De fato não há ligação direta, mas a) também é uma porcaria; b) também é daqueles anos psicodélicos; na verdade, é do exato mesmo ano deste The Magus, 1968; c) também tem um elenco de grandes astros bonitos, Elizabeth Taylor, Richard Burton, Noël Coward, e mais ; e d) também se passa numa ilha no Mediterrâneo, a Sardenha, e tem maravilhosos cenários com o azul daquele mar e o violeta dos olhos de Liz.

O escritor John Fowles (1926-2005) de fato deu aulas de inglês em uma escola na ilha grega de Spetses, depois de concluir os estudos em Oxford. O primeiro de seus livros a ser levado para o cinema foi O Colecionador/The Collector, lançado em 1963 – a história de um sujeito meio burro, meio doido, que sequestra uma bela moça que admira, e a coloca em sua casa, como se fosse uma borboleta em uma coleção. A história é contada em primeira pessoa – tanto pelo sequestrador quanto pela sequestrada.

Li o livro adolescente, depois de me encantar absolutamente com o filme, de 1965, dirigido por William Wyler, com Terence Stamp e Samantha Eggar, uma atriz de beleza imensa, fascinante.

Consta que Fowles não gostou do roteiro do filme (de autoria de Stanley Mann), e, assim, quando propuseram a ele filmar seu romance The Magus, lançado em 1965, quis escrever ele mesmo o roteiro.

Outras informações sobre o filme, sua produção, tiradas da página de Trívia do IMDb, com adendos meus:

* Michael Caine coloca The Magus – ao lado de O Enxame (1978) e Ashanti (1979) – entre os piores de sua carreira. Não é pouca coisa: Maurice Joseph Micklewhite, aliás Sir Michael Caine, tem mais de 170 títulos em sua filmografia, iniciada em 1956.

* Candice Bergen disse, numa entrevista: “Eu não sabia o que fazer, e ninguém me dizia. Não consegui construir a aparência de uma performance.”

* Foi o primeiro filme falado em inglês de Anna Karina, a atriz dinamarquesa que se radicou na França e, a partir de Uma Mulher é uma Mulher, de 1961, se tornou a musa de Jean-Luc Godard e encantou milhões de cinéfilos mundo afora, inclusive, é claro, o adolescente Sérgio Vaz. Já haviam se separado em 1968, quando esta bobagem The Magus foi lançada. Anna Karina teve quatro casamentos no papel, dirigiu dois filmes, escreveu três romances, tem mais de 80 títulos na filmografia. Apareceu em um filme em 2003, em 2008 dirigiu, escreveu e atuou em outro, Victoria – e não voltou a atuar depois disso. Morreria em dezembro de 2019.

Anotação em setembro de 2019, com acréscimo em fevereiro de 2020

Mago, o Falso Deus/The Magus

De Guy Green, Inglaterra, 1968

Com Michael Caine (Nicholas Urfe), Anthony Quinn (Maurice Conchis), Candice Bergen (Lily), Anna Karina (Anne)

e Paul Stassino (Meli, o professor), Julian Glover (Anton), Takis Emmanuel (Kapetan), George Pastell (Andreas, o padre), Danièle Noël (Soula, a assistente de Conchis), Jerome Willis (falso oficial alemão), Ethel Farrugia (Maria), Andreas Malandrinos (Goatherd), George Kafkaris (partisan), Anthony Newlands (convidado na festa), Stack Constantino (partisan)

Roteiro John Fowles

Baseado em seu romance homônimo

Fotografia Billy Williams

Música John Dankworth

Montagem Max Benedict

Produção Jud Kinberg, John Kohn, Blazer Films, 20th Century Fox. DVD Versátil.

Cor, 117 min (1h57)

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Título na França: Jeux Pervers. Em Portugal: Jogo Perverso.

5 Comentários para “Mago, o Falso Deus / The Magus”

  1. Esse filme é para assistir num dia de preguiça intelectual e se deliciar com a beleza de My Cocaine (pelo menos eu assisti assim, já sabendo que o próprio ator não curtia muito o filme)…

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