História de um Casamento / Marriage Story

2.0 out of 5.0 stars

Os críticos a-do-ram Noah Baumbach. Até mesmo aqueles espectadores que se têm como intelectuais, só vêem “cinema de arte” e torcem o narizinho empinado para “filmes americanos” costumam gostar de Noah Baumbach, como gostam de Hal Hartley e Darren Aronofsky. Noah Baumbach é cool, é cult.

Pego ao acaso um trecho da crítica sobre A Lula e a Baleia (2005): “The Squid and the Whale tem talvez o melhor conjunto de atores de todos os filmes de 2005”, diz o site A Film Odissey, ”o grande destaque sendo Jeff Daniels em uma atuação incrivelmente cheia de nuances que traz grande humanidade a um personagem bastante desagradável. O trabalho de câmara – em boa parte de mão – complementa a estética natural, ajudando o filme a capturar a realidade em vez de simulá-la, neste pedaço de vida real refletiva e provocante, que nos faz lembrar que as tentativas e a dor podem ser experiências tão belas quanto qualquer outra.”

A Lula e a Baleia ganhou 23 prêmios em festivais mundo afora, e ainda outras 48 indicações, inclusive uma ao Oscar de melhor roteiro original para Noah Baumbach. E é só um exemplo. Basta ter a grife Noah Baumbach para que um filme seja premiado e incensado pela crítica. Margot e o Casamento (2007) teve 3 prêmios, fora 13 indicações. O Solteirão (2010) teve 2 prêmios e 15 indicações. Frances Ha (2012) teve 1 prêmio e 48 outras indicações, inclusive ao Globo de Ouro de melhor atriz em comédia ou musical para Greta Gerwig – a namorada do diretor, que é uma atriz sensacional e tem se mostrado uma diretora de grande talento. Mistress America (2015) ganhou 2 prêmios e outras 13 indicações.

Até fevereiro de 2020, este História de um Casamento, de 2019, ganhou  116 prêmios, fora outras 225 indicações – inclusive nada menos que 6 indicações ao Oscar, nas categorias melhor filme, melhor atriz para Scarlett Johansson, melhor ator para Adam Driver, melhor atriz coadjuvante para Laura Dern, melhor roteiro original para o próprio Noah Baumbach e melhor trilha sonora para o grande Randy Newman. Laura Dern levou o Oscar, assim como o Globo de Ouro e o Screen Actors Guild, o prêmio do Sindicato dos Atores.

É prêmio e indicação demais da conta.

Tudo é feito para parecer que é um grande filme

O grande site AllMovie ainda não tinha uma crítica do filme, mas o premiou com 4.5 estrelas num total de 5.

O site Rotten Tomatoes pesou as opiniões de 338 críticos, e a média do filme, em 10, foi de incríveis 8,89.

“No seu melhor, este filme é abrasador. Ele identifica muitos dos aspectos pouco abordados do divórcio que parecem menos significativos mas fazer doer mais”, escreveu James Berardinelli, do ReelViews,

“Um filme impressionante, com extraordinárias atuações”, escreveu Juan José Beteta no Cinencuentro.

Marriage Story é sobre demolição e reconstrução. Baumbach tem bom senso suficiente para evitar que a trama caia no melodrama, mas o sentido de tragédia está ali, cobrindo cada pensamento e ação do casal”, escreveu Jorge Ignacio Castillo no Planet S Magazine.

Eu, quieto aqui no meu cantinho, não acho que História de um Casamento seja um grande filme, nem impressionante, nem extraordinário.

Sim, tem grandes, impressionantes, extraordinárias interpretações. Laura Dern, ótima atriz, andou ganhando indicações, prêmios e críticas superlativas como a advogada que a protagonista Nicole contrata para fazer o divórcio, e, claro, ela está bem, sim, muito bem. Mas quem interessa não é ela, nem o sempre bom Alan Alda, que faz Bert Spitz, o advogado bom, humano, nem o sempre exagerado, over Ray Liotta, que faz Jay Marotta, o advogado tira-sangue, da mesma maneira como se estivesse interpretando um mafioso num filme de Martin Scorsese.

Quem interessa mesmo, quem importa mais, são Scarlett Johansson e Adam Driver, que fazem os papéis centrais, o casal Nicole e Charlie.

Estão soberbos, maravilhosos, extraordinários Scarlett Johansson e Adam Driver.

Noah Baumbach escreveu o roteiro para que seus atores centrais brilhassem. Tudo é feito para que eles brilhem. E eles brilham, e muito.

Essa é uma característica importantíssima, fundamental do filme. O roteiro foi escrito para que o filme não se pareça com a realidade, a vida real. Não, de forma alguma. O roteiro, a forma de encenação, a tal da mis-en-scène, tudo é construído para que o filme se pareça com um filme – com um grande filme.

E é tudo é feito com tanto esforço que muita gente acreditou que ele seja um grande filme.

Sequências boladas para o brilho dos atores

Marriage Story abre com uma bela sacada – toda voltada para enternecer o espectador e servir de escada para o brilho das interpretações de Scarlett Johansson e Adam Driver. Primeiro vemos Scarlett Johanson-Nicole – enquanto ouvimos a voz de Adam Driver-Charlie explicando as razões pelas quais ele começou a amar Nicole. Em seguida, vice-versa.

E aí corta, e os dois, Nicole e Charlie, estão diante de um mediador conjugal – o cara que havia pedido para que eles escrevessem aqueles textos.

Esse mediador (interpretado por Robert Smigel) é um bom profissional – bem ao contrário dos advogados que virão depois. Ele não pretende fazer com que Nicole e Charlie se reconciliem; sabe que os dois estão decididos a se separar. A intenção dele ao, numa bela sacada, pedir para que cada um escrevesse numa folha de papel o que mais gostava no outro, era fazer com que eles se lembrassem de como o companheiro tem qualidades – de tal maneira que eles pudessem passar pelo processo de separação sem brigas, sem lutas, sem se entregarem à raiva, ao ressentimento, ao ódio.

Um homem jovem, na flor da idade, se separando da mulher. Uma mulher jovem, na flor da idade, se separando do marido. Os dois diante de um mediador, numa situação de dor, de angústia. Uma situação perfeita para dois belos atores brilharem.

Nicole se recusa a ler o que escreveu. E sai da sala do mediador batendo a porta.

Haverá um monte de outras sequências pensadas, imaginadas, escritas, encenadas para que a dupla demonstre seu talento. Haverá uma briga verbal furiosa, virulenta, em que os dois, tanto Nicole quanto Charlie, perdem a razão, o bom senso, e exageram nas agressões ao ex-companheiro. É uma sequência em que a atuação dos dois é especialmente espetacular.

Não tem sentido, não é crível, não é verossímil

O grande problema de História de um Casamento, na minha opinião (e, claro, minha opinião não vale mais que uma moeda furada de três guaranis furados, mas eu tenho todo o direito de expressá-la), é que, para criar sequências para os atores brilharem, e para defender a tese (bastante defensável) de que levar uma separação de ex-companheiros para a Justiça, com advogados batalhando para ver quanto mais merda um joga sobre o cliente do outro, Noah Baumbach forçou a barra, criou uma coisa artificial, uma coisa que não combina com aqueles dois personagens.

Nicole e Charlie são pessoas inteligentes, sensíveis. São artistas, meu Deus do céu e também da terra! Ele é um talentoso diretor de teatro, ela é uma talentosa atriz. São pessoas educadas, letradas – e são sensíveis.

Quando resolvem se separar, bem no início dos longos, quase intermináveis 137 minutos de duração do filme, combinam que farão tudo na boa, sem advogados.

Assim, não tem sentido, não é crível, não é verossímil que Nicole resolva mudar completamente de opinião, abandone a posição anterior, e contrate uma advogada – e uma advogada tira-sangue, como é essa Nora Fanshaw, a personagem de Laura Dern.

Nora Fanshaw, a rigor, é mais uma caricatura que uma personagem. É o protótipo da advogada tão competente para ganhar causas quanto insensível, desumana, que já vimos em tantos filmes – como, para lembrar só um que faz caricaturas de modo engraçado, divertido, O Amor Custa Caro/Intolerable Cruelty (2003), dos irmãos Joel e Ethan Coen.

O que no filme dos irmãos Coen é engraçado, divertido, neste filme aqui é simplesmente bobo.

OK: as pessoas erram. Mesmo as pessoas inteligentes, sensíveis, bom caráter erram, fazem merda. Perdem a razão. No meio de brigas, falam coisas em que a rigor não acreditam; se agridem verbalmente, se estapeiam com as palavras, exageram na agressividade, e só se arrependem quando a briga já terminou.

OK, tudo isso é bem verdade.

Eu sei muito bem disso: passei por duas separações. Separação não é fácil, nunca, jamais, em tempo algum. Separação é dureza, é um horror, pode virar um inferno.

Mas não dá para admitir que tenha sentido, que seja crível, que seja verossímil que Nicole contrate Nora Fanshaw para ser sua advogada – nem que o pobre Charlie contrate aquele estrupício que é Jay Marotta, a personagem de Ray Liotta, outro que é muito mais caricatura que personagem.

Legal – dá para admitir que tudo isso serve para demonstrar, de uma forma caricatural, grotesca, essa verdade básica de que quando você entra num processo de divórcio litigioso você está necessariamente jogando sobre você e sua ex-companheira todo o esgoto do Rio Tietê, do Rio Guandu.

Mas é falso. Não parece com a vida que aqueles personagens teriam, mereceriam ter, lutariam para ter.

De novo: nada, em História de um Casamento, é feito para parecer com a vida real. Tudo é construído para que o filme se pareça com um filme.

De novo: na vida real, as pessoas erram.

A questão, aqui, é que Nicole e Charlie erram demais. Exageram no direito humano de errar. Erram exageradamente – até a última sequência, até quase o último minuto, quando aí param de errar, porque afinal de contas há a lei hollywoodiana maior de que tudo tudo vai dar pé para que tenhamos todos um happy ending.

Erram demais. Jogam fora a inteligência, a educação, a sensibilidade – e erram. Só erram. Erram em absolutamente tudo, em todas as ocasiões – só conseguem acertar em um único e fundamental ponto: Henry, o filho de 8 anos (o papel de Azhy Robertson). Por maiores que sejam as besteiras que fazem, os pais não usam Henry em suas brigas, seus desentendimentos; não usam o filho como moeda para ferir o outro.

Mas é só nisso que acertam. No resto, só erram.

Não são parecidos com pessoas, com seres humanos. São parecidos com personagens de filmes – de filmes ruins.

Há quem goste. Epa, sem dúvida há quem goste: já foram 116 prêmios, fora outras 225 indicações.

Não é o tipo de coisa que eu admire. De forma alguma.

Anotação em janeiro de 2020, com acréscimo em fevereiro. 

História de um Casamento/Marriage Story

De Noah Baumbach, EUA, 2019

Com Adam Driver (Charlie Barber), Scarlett Johansson (Nicole)

e Azhy Robertson (Henry Barber, o filho),Julie Hagerty (Sandra, a mãe de Nicole), Merritt Wever (Cassie, a irmã de Nicole), Laura Dern      (Nora Fanshaw, a advogada de Nicole), Ray Liotta (Jay Marotta, o advogado mal de Charlie), Alan Alda (Bert Spitz, o advogado bom de Charlie), Robert Smigel (o mediador), Wallace Shawn (Frank, o ator veterano), Brooke Bloom (Mary Ann, a contra-regra)

Argumento e roteiro Noah Baumbach

Fotografia Robbie Ryan

Música Randy Newman

Montagem Jennifer Larne

Casting Douglas Aibel, Francine Maisler

Produção Heyday Films, Netflix. Distribuição Netflix.

Cor, 137 min (2h17)

**

5 Comentários para “História de um Casamento / Marriage Story”

  1. Eu só vi dois filmes de Noah Baumbach, “A Lula e a Baleia” e “Margot e o Casamento”. Achei ambos horríveis, e não acredito que ele tenha melhorado muito. Então…

  2. Puxa, tanto que ‘elevaram’ esse filme, ufa… achei que só eu não tinha levado a historinha de um casamento a sério. Só achei bacana a primeira parte, em que o marido lê a carta…

    Abraço

  3. Concordo plenamente, iverrossimel é a palavra que encontrei também, pessoas tão inteligentes e humanas não poderiam chegar ao ponto da idiotice em que chegam no filme. Filme forçado e celebrado, acho que os críticos sofreram do mesmo mal que o enredo e foram otalmente incoerentes.

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