Coronel Blimp: Vida e Morte / The Life and Death of Colonel Blimp

4.0 out of 5.0 stars

Coronel Blimp: Vida e Morte, da dupla inglesa Michael Powell e Emeric Pressburger, de 1943, é uma obra-prima, um filmaço, dos maiores que já houve. E tem uma história de vida, se é que se pode usar a expressão, tão rica, complexa e séria quanto a trama que conta.

O primeiro-ministro Winston Churchill detestou a idéia de se fazer aquele filme em plena guerra, bombas nazistas caindo sobre o solo da Grã-Bretanha. Lutou para que o filme não fosse feito – e sempre o criticou. A exibição chegou a ser proibida na Grâ-Bretanha logo após o lançamento.

Depois foi picotado, remontado; extirparam 50 de seus 163 minutos originais e ainda por cima remexeram na forma com que a história é contada. Tiraram fora o flashback, puseram tudo na ordem cronológica – extraindo assim boa parte da inteligência, do frescor da narrativa.

Apenas em 1983, exatos 40 anos após seu lançamento original, foi finalmente restaurado e exibido pela primeira vez de forma integral nos Estados Unidos. Foi então aclamado pela crítica: “Ele se coloca”, escreveu o crítico Dave Kehr, citado pelo grande Roger Ebert, “como muito provavelmente o melhor filme jamais feito na Grã-Bretanha”.

Pode haver aí uma pequena dose de exagero. Pequena. Para mim, é um dos melhores filmes ingleses de todos os tempos, e um dos melhores filmes de guerra.

Filme de guerra, produzido e lançado em plena Segunda Guerra Mundial, Coronel Blimp, no entanto, não tem uma única cena de batalha. Fala de guerra, sim, quase o tempo todo; discute sobre as guerras, faz sérias, pesadas considerações sobre as guerras – mas é completamente diferente das obras do esforço de guerra que Winston Churchill defendia e elogiava, como, só para dar um exemplo, Nosso Barco, Nossa Alma/In Which We Serve, lançado no ano anterior, 1942.

A obra dos grandes, imensos Noël Coward e David Lean (ambos mais tarde premiados pela monarquia com o título de Sir) é absolutamente inigualável dentro do que se pretendia – engajar a população civil na luta contra o nazismo, fazer as pessoas ajudarem, da maneira que fosse possível, o governo e as Forças Armadas na luta. David Lean era um montador de renome mas um diretor estreante, enquanto Coward já era um multi-artista consagrado; consta que muitas vezes ele e Winston Churchill, bons amigos, muitas vezes se reuniam para pintar. Teria sido pensando em ajudar o amigo – e a pátria – que Coward teria imaginado a história desse filme: ele queria fazer alguma coisa mais útil ao esforço de guerra do que escrever mais comédias sobre gente rica e suas aventuras nos salões.

Coronel Blimp conta a história da profunda amizade que uniu, ao longo de 40 anos, um militar inglês, o protagonista da história, Clive Candy (o papel de Roger Livesey), com um militar alemão, Theo Kretschmar-Schuldorff (interpretado pelo vienense Anton Walbrook).

Mais ainda: a rigor, a rigor, Coronel Blimp tem um tom pacifista.

Um filme que no fundo condena as guerras – e mostra a amizade de um militar inglês e um alemão. Em 1943, quando aviões da Luftwaffe despejavam bombas sobre as ruas de Londres!

Era mesmo demais para os que, como Churchill, precisavam de todo o engajamento do povo da Grã-Bretanha na luta contra o nazismo.

Um roteiro feito com graça e inteligência

Michael Powell e Emeric Pressburger – também autores do roteiro original, ou seja, com história criada diretamente para o filme – abrem Coronel Blimp com um tom de comédia. Por decisão da chefia do Home Guard, o órgão governamental que cuidava da segurança interna da Grã-Bretanha e ao mesmo tempo treinava soldados para as Forças Armadas, haveria um exercício geral – a guerra começaria à meia-noite.

“War starts at midnight” – a frase é repetida uma dezena de vezes nos primeiros frenéticos minutos do filme.

Assim que recebe a informação de que, segundo o exercício a ser posto em prática, a guerra começaria à meia-noite, o líder de um dos grupos em treinamento, um jovem cheio de iniciativa e energia, Spud Wilson (John Laurie), tem uma idéia: seu grupo vai atacar imediatamente.

Os companheiros se espantam, ficam chocados, argumentam que aquilo não é possível, as ordens são claras: a guerra começa à meia-noite.

Mas Spud tem a certeza de que sua idéia é uma maravilha. Numa guerra de verdade, não se combina o momento do início!

Numa guerra de verdade, vale tudo.

Vale tudo – até mesmo usar informações secretas, obtidas em conversa confidencial com uma fonte fidedigna, que Spud chama de Mata Hari, alusão óbvia à famosa espiã.

E então Spud e seu grupo disparam seus caminhões cheios de soldados em treinamento para o clube militar de Londres, onde está descansando, na área do banho turco, o general Clive Candy, o chefe militar da Home Guard, o homem que havia dado a ordem de que a guerra começaria à meia-noite.

Os dois homens – o jovem impetuoso e o veteraníssimo militar – discutem acaloradamente à beira de uma piscina no meio da área do banho turco. Passam para o enfrentamento físico, caem na piscina, no momento em que o general Candy falava de seus 40 anos como soldado do Império Britânico.

A câmara do diretor de fotografia Georges Périnal – que filmava em Technicolor, com auxílio e apoio de técnicos da própria empresa Technicolor, algo ainda não tão comum no cinema britânico quanto era nos Estados Unidos – se fixa então na água daquela piscina do clube militar, Quase mergulha nela. E, no outro extremo da pequena piscina, sai da água o jovem oficial Clive Candy, 40 anos antes. Um jovem oficial já condecorado por sua atuação na Guerra dos Boers, na África do Sul, então gozando de uma licença em Londres, em 1902.

Roger Ebert – que colocou em Coronel Blimp a marca de “Great Movie” – observa que isso é que é iniciar um flashback “with grace and wit”. Graça e inteligência.

Todo o roteiro de Coronel Blimp é feito com graça e inteligência.

Um filme com quatro fios condutores

Há quatro diferentes fios condutores na trama de Coronel Blimp, diz Roger Ebert:

“O filme chora pelo fim de uma era em que os soldados profissionais observavam um código de honra. Ele argumenta aos jovens que os velhos já foram jovens, e guardam dentro de si tudo o que jovens sabem, e mais. Ele marca a passagem romântica do general pela vida, em que procura uma cópia da primeira mulher que amou. E registra a amizade entre um oficial britânico e um oficial alemão, que se estende ao longo dos anos cruciais de 1902 a 1942.”

Ebert prossegue: “Essa já é uma idéia de história audaciosa demais, para começo de conversa, mas mais ousada ainda em 1942, quando Londres era bombardeada toda noite e os nazistas pareciam estar ganhando a guerra. Powell a princípio queria Laurence Olivier no papel principal, mas o roteiro teve furiosa oposição de Winston Churchill, e o Ministério da Guerra se recusou a liberar Olivier dos serviços militares.”

Quatro fios condutores. Bela análise do grande crítico, como sempre. Os dois primeiros, que perpassam o filme inteiro, são temas para discussão. As histórias dos amores de Clive Candy e da sua amizade com o alemão Theo Kretschmar-Schuldorff são belamente construídas.

O jovem conhece Edith Hunter na Alemanha, para onde viaja em 1902, ainda durante sua licença da Guerra dos Boers, numa tentativa de melhorar a imagem que os alemães têm dos britânicos de uma maneira geral. É uma atitude típica de jovem cheio de iniciativa e energia. Ele contraria as ordens que recebe de um oficial do Ministério da Guerra, o coronel Betteridge (Roland Culver), segundo o qual essa é uma questão de diplomatas, e não de soldados, e vai até Berlim. Lá, acaba falando demais, um grupo de soldados alemães entende que ele insultou a honra da Alemanha – e Candy é obrigado a enfrentar um jovem alemão em um duelo de espadas. O jovem escolhido para enfrentar o inglês é Theo Kretschmar-Schuldorff.

Aqui há outro momento de brilho do roteiro de Powell e Pressburger: os preparativos para o duelo são mostrados detalhadamente – com fortíssima dose de ironia. O duelo propriamente dito, uma vez iniciado, o espectador não vê em momento algum. A câmara se distancia, mostra do alto o local fechado em que se dá aquela besteira de homens feitos que mais parece brincadeira de ginasianos bocós.

Depois de duelerem, o inglês e o alemão ficam amigos

O alemão fere o inglês, o inglês fere o alemão, vão os dois parar em um hospital em Berlim – e passam a desenvolver uma amizade. A jovem Edith Hunter, que Candy havia procurado assim que chegara, visita o conterrâneo com frequência – e apaixona-se por Theo, que também se apaixona por ela. Anunciam para Candy que vão se casar, e o inglês fica feliz com a união dos dois.

E aqui há uma jogada de mestre dos criadores da história. Será só depois que dá as costas para o casal, na viagem de volta para Londres, e nas semanas seguintes, que Clive Candy perceberá que ele também estava profundamente apaixonado na mulher que se apaixonou pelo seu amigo alemão.

Muitos anos mais tarde, ao final da Grande Guerra, em 1918, já general, acontece de Clive ver, num convento francês que abrigava jovens enfermeiras inglesas, uma moça idêntica, absolutamente idêntica à jovem Edith Hunter. Usará então um belo estratagema para reencontrar a moça na Inglaterra. O estratagema dá certo, ele reencontra a moça, Barbara Wynne, filha de um rico casal de Yorkshire. Corteja a moça, a conquista, casa-se com ela.

Os realizadores queriam, para o papel duplo de Edith Hunter e Barbara Wynne, a consagrada Wendy Hiller, de Pigmalião (1938) e Major Bárbara (1941), entre outros, mas ela ficou grávida na época das filmagens. E então uma jovem atriz de apenas 21 anos naquele 1942 foi escolhida.

É a tal coisa: beleza e talento contam muito, mas também é preciso de sorte. Deborah Kerr é uma prova disso.

Deborah Kerr não faz dois papéis, neste que foi o filme que de fato a projetou. São três. Além da classe média Edith Hunter e da rica Barbara Wynne, ela interpreta também a working class Angela Cannon, que todos os amigos chamam de Johnny.

Johnny, alistada no exército, servia como motorista do general Candy quando estourou a Segunda Guerra Mundial. Quando fica conhecendo o amigo alemão do general, o oficial Theo Kretschmar-Schuldorff – que, claro, se mostra impressionado com a semelhança física da soldada com a sua própria mulher quando jovem –, Johnny conta, toda orgulhosa, que Candy a escolheu entre um grupo de 70 moças.

Coisas de trama bem feita, bem engendrada, inteligente: é só bem no final dos 163 minutos do filme, quando a ação chega de volta àquele momento do início da narrativa – a guerra começa à meia-noite – que ficamos sabendo que a Mata Hari a que se refere o jovem impetuoso Spud Wilson é Johnny. Johnny era a namorada do rapaz, e, confidencialmente, havia comentado com ele que seu chefe, o general Candy, estaria naquela tarde no clube militar.

Os velhos já foram jovens, já foram impetuosos

O filme “argumenta aos jovens que os velhos já foram jovens, e guardam dentro de si tudo o que jovens sabem, e mais”. Sim, é bem verdade isso que diz Roger Ebert.

Quando em 1902 voltou para Londres depois de, contrariando ordens expressas de seus superiores, ter ido intempestivamente a Berlim, e lá armado grande escarcéu que o meteu em um duelo com membro do exército imperial alemão, o jovem Clive Candy levou uma dura bronca do coronel Betteridge, no Ministério da Guerra.

– “Você quer fazer carreira no Exército, não é?’, diz o coronel Betteridge. “Então não se meta no que você não entende. Não discuta, mantenha a calma, fique com a boca fechada. E evite políticos como se eles fossem a peste. Esse é o jeito de subir no Exército.”

Depois de dar a bronca, o coronel convida o jovem tenente para jantar – e Candy recusa. Naquela noite, havia marcado para ir ao teatro com a irmã de Edith Hunter. Procurava encontrar na irmã algo parecido com a mulher por quem se apaixonara sem saber, sem perceber – e se frustra.

Quarenta anos depois, em plena Segunda Guerra, depois de ter discutido e brigado fisicamente com um jovem tão intempestivo e impetuoso quanto ele havia sido, o velho general Clive fica na dúvida se pune Spud Wilson – ou se o convida para jantar. Quem sabe não poderia passar para ele alguma de sua experiência, como no passado o coronel Betteridge tinha pensado em fazer com ele.

Que maravilha de filme, meu!

Em nenhum outro lugar se poderia fazer um filme assim

Winston Churchill – relatou o crítico Derek Malcolm – foi a um teatro do West End onde Anton Walbrook, o ator que interpreta Theo Kretschmar-Schuldorff, estava trabalhando, e, furioso, invadiu o camarim. “O que esse filme pretende dizer?”, teria berrado o primeiro-ministro. “Suponho que você ache que ele é uma boa propaganda para a Grã-Bretanha!”

Anton Walbrook – filho de mãe judia, que havia fugido da Alemanha no início da ascensão do nazismo, fizera filmes nos Estados Unidos e havia se radicado em Londres – respondeu assim, segundo o relato do crítico: – “Nenhum povo do mundo, a não ser o povo inglês, teria tido a coragem, no meio da guerra, de contar às pessoas essas verdades duras.”

A rigor, no fundo, um filme pacifista, contra as guerras. Um filme que saúda a amizade entre em inglês e um alemão em meio à guerra, enquanto bombas alemãs eram lançadas toda noite sobre a Inglaterra.

Sim: não tinha nada a ver com um filme de esforço de guerra. Nada a ver com Nosso Barco, Nossa Alma.

Mas Coronel Blimp não é nada suave com o nazismo. De forma alguma. Bem antes ao contrário. É vigorosamente, firmemente, virulentamente antinazista.

O general Candy é um soldado à moda antiga, que defende o código de honra, sempre, acima de tudo. É daquele tipo que acha que, se você usar as armas abjetas do inimigo, você está se igualando a ele.

Ouve do amigo alemão, que viu de perto a ascensão do nazismo, argumentos que põem por terra tudo aquilo em que acreditou ao longo da vida.

O diálogo em que Theo Kretschmar-Schuldorff faz sua profissão antizanista é brilhante; na interpretação extraordinária de Anton Walbrook, é de fazer chorar.

Clive Candy: – “Eles lutaram de modo vil (na última guerra). E quem ganhou?”

Kretschmar-Schuldorff: – “Não creio que vocês tenham vencido. Nós perdemos – mas vocês perderam algumas coisas também. Vocês esqueceram de entender a moral. Como a vitória foi de vocês, vocês deixaram de aprender a lição 20 anos atrás e agora você terá que frequentar a escola de novo. Alguns de vocês vão aprender mais rapidamente do que os outros, alguns não vão aprender nunca – porque vocês foram educados para serem cavalheiros e bons desportistas, na paz e na guerra. Mas Clive! Velho e querido Clive – esta não é uma guerra de cavalheiros. Desta vez vocês estão lutando pela própria vida contra a idéia mais diabólica já criada pelo cérebro humano – o nazismo. E se vocês perderem não haverá revanche no ano que vem… Talvez nem mesmo nos próximos 100 anos.”

Para combater o nazismo – argumenta o militar alemão –, vale tudo. Qualquer coisa. Qualquer arma.

Filmaço!

O filme faz lembrar duas obras-primas francesas

Essa obra-prima da dupla Powell-Pressburger que só vim ver agora, 77 anos depois de seu lançamento, me fez lembrar dois outros grandes filmes.

Um deles é A Grande Ilusão, de Jean Renoir, de 1937 – dois anos antes, portanto, de a Alemanha de Adolf Hitler invadir a Polônia e dar início à Segunda Guerra Mundial, e seis anos antes deste Coronel Blimp. Em A Grande Ilusão, num campo de prisioneiros na fronteira entre França e Alemanha na Primeira Guerra, convivem franceses e alemães. No belíssimo clássico, Renoir realça que as distâncias entre as classes sociais são maiores que as diferenças entre um aristocrata alemão e um aristocrata francês. Mas, de qualquer forma, há ali essa coisa da proximidade de pessoas que estão em campos opostos na guerra.

Exatamente o que acontece – embora bastante en passant – em outra obra-prima do cinema francês, Jules et Jim, que François Truffaut lançou em 1962. Durante a guerra, os dois grandes amigos que amam a mesma mulher lutam um contra o exército do outro – Jim é inglês, Jules é filho de alemães. Faz séculos que não revejo Jules et Jim, mas me lembro de que há frase mais ou menos assim: Jules lutou todo o tempo com medo de, sem querer, atirar em Jim. (Ou vice-versa.)

Este é o filme favorito de David Mamet e Stephen Fry

Algumas informações, curiosidades, sobre o filme e sua produção, a maioria tirada da página de Trivia do IMDb:

* Colonel Blimp era um personagem de uma série de tiras de quadrinhos bastante popular na Grã-Bretanha na época. Os realizadores decidiram usar esse nome no título, embora não haja nenhum personagem com o nome de Blimp. (Blimp é a palavra inglesa para balão, dirigível.)

* O dramaturgo, roteirista e diretor americano David Mamet diz que este é seu filme favorito, e que a sequência do duelo entre os personagens de Roger Livesey e Anton Walbrook é sua “idéia de perfeição”.

* O ator Stephen Fry diz que este é seu filme favorito; segundo ele, Coronel Blimp é sobre o que significa ser inglês.

* Stephen Fry é um dos entrevistados em um documentário de 24 minutos sobre o filme lançado em 2000, A Profile of ‘The Life and Death of Colonel Blimp’.

* O diretor Michael Powell achou interessante a forma com que o câmara de segunda unidade filmava as cabeças de animais caçados por Clive Candy, e ofereceu a ele o cargo de diretor de fotografia em seu filme seguinte, Neste Mundo e no Outro (1946). Foi o grande impulso da carreira de Jack Cardiff (1914-2009), que se tornou grande diretor de fotografia e depois realizador, autor, entre outros, de Filhos e Amantes (1960), O Leão, Minha Doce Gueixa (ambos de 1962), A Garota da Motocicleta (1968).

* Por ordem do governo britânico, Laurence Olivier não foi liberado de seus serviços à Marinha britânica para fazer o papel central em Coronel Blimp. No entanto, para fazer Henrique V, em 1944, obteve licença.

* A expressão “campo de concentração” foi usada pela primeira vez para descrever os campos de prisioneiros criados pelos britânicos na Guerra dos Boers, na África do Sul (1899-1902). Na história, Clive Candy viaja para a Alemanha para tentar combater as versões de que os britânicos estavam sendo violentos demais na guerra.

Uma típica, clássica comédia de costumes

Apesar de tratar de tantos temas sérios, e de maneira séria, apesar de ter sido feito no meio da Segunda Guerra, Coronel Blimp é uma típica, clássica comédia de costumes. Há diálogos abertamente engraçados, com, é claro, aquele humor britânico. Quando vemos pela primeira os noivos Clive Candy e Barbara Wynne conversando, a moça sugere que eles precisam se juntar aos pais e aos convidados à mesa; – “Temos o bispo no almoço”, ela diz. E o general Candy: – “Espero que ele seja macio”.

Bem mais adiante, quando Kretschmar-Schuldorff fica conhecendo a soldada Angela Cannon, comenta com ela que o nome Angela é lindo – “vem de anjo, você sabe, não é?” Ao que a garota responde com sua voz e seu sotaque de working class: – “Acho que ele fede. Meus amigos me chamam de Johnny”.

Roger Ebert destaca essa coisa de ser uma comédia de costumes: “Apesar do fundo sóbrio, Colonel Blimp é sobretudo uma comédia de costumes, e Powell e seu parceiro de escrita e produção Pressburger conduzem o filme com estilo e humor. Uma música jovial sublinha a sequência inicial em que mensageiros de motocicleta distribuem as instruções sobre os treinamentos de guerra, e há inteligência nos engenhosos flashbacks e flashforwards.”

O livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer diz: “Uma comédia de costumes talvez não pareça a melhor maneira de abordar os acontecimentos no calor do momento, porém a dupla Powell/Pressburger volta a acertar aqui, revelando de forma delicada a terrível verdade da guerra moderna com elegância e humor. O fato de eles contarem a história através de três romances também ajuda, à medida em que Livesey corteja Deborah Kerr (em três papéis diferentes) ao longo dos anos. Tudo conspira para uma das conquistas mais ambiciosas não só dos diretores como de todo o cinema inglês.”

Ahá! O Guide des Films de Jean Tulard faz referência a La Grande Illusion! Eu não estava no mundo da lua, então…

O Guide premia o filme com raríssimas 4 estrelas, e faz a seguinte avaliação:

“Dá para ver, os dois amigos são irmãos dos oficiais de La Grande Illusion. É belo que em plena guerra cineastas britânicos não tenham caído na cilada da xenofobia. O filme ‘passa, com uma sedutora facilidade, do humor à emoção, da comédia ao drama, sem jamais abandonar esse rigor de observação que faz dele uma das obras mais marcantes do cinema britânico do período da guerra’ (Raymond Lefèvre e Roland Lacourbe). Sim, quando vai se decidir a colocar no seu verdadeiro lugar Michael Powell (e a todo o cinema inglês)?”

É isso aí. Uma obra-prima, um filmaço.

Anotação em fevereiro de 2020

Coronel Blimp: Vida e Morte/The Life and Death of Colonel Blimp

De Michael Powell e Emeric Pressburger, Inglaterra, 1943

Com Roger Livesey (Clive Candy), Anton Walbrook (Theo Kretschmar-Schuldorff), Deborah Kerr (Edith Hunter / Barbara Wynne / Angela Cannon, a Johnny)

e John Laurie (Murdoch, o ajudante de ordens-mordomo), James McKechnie (Spud Wilson), Neville Mapp (Stuffy Graves), David Hutcheson (Hoppy), Spencer Trevor (Period Blimp), Roland Culver (coronel Betteridge, do Ministério da Guerra), Jane Millican (enfermeira Erna), Muriel Aked (tia Margaret), Dennis Arundell (maestro da orquestra do café em Berlim), David Ward (Kaunitz, o inimigo do jovem Clive Candy), Valentine Dyall (von Schönborn), Carl Jaffé (von Reumann), Albert Lieven (von Ritter), Yvonne Andrée (a freira), Marjorie Gresley (a matrona), Felix Aylmer (o bispo), Helen Debroy Summers (Mrs. Wynne, a mãe de Barbara), Norman Pierce (Mr. Wynne, o pai de Barbara)

Argumento e roteiro Michael Powell e Emeric Pressburger

Fotografia Georges Périnal

Música Allan Gray

Montagem John Seabourne Sr.

Produção Michael Powell, Emeric Pressburger, Richard Vernon, The Archers, Independent Producers. DVD Videolar, LW Editora.

Cor, 156 min (2h36)

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