O Preço do Amanhã/In Time (2011), uma mistura de ficção científica com filme de ação, comprova dois fatos, na minha opinião. O primeiro é que o neo-zelandês Andrew Niccol é um dos mais criativos, inventivos criadores de histórias para o cinema das últimas décadas.
É de Andrew Niccol o fantástico, maravilhoso roteiro original de O Show de Trumam (1998), que o grande australiano Peter Weir dirigiu. O fantástico, maravilhoso roteiro original de Gattaca, uma Experiência Genética (1997), que ele mesmo dirigiu. De Simone (2002), em que um diretor de cinema cria uma atriz digital que se torna um grande sucesso. De O Senhor das Armas (2005), um dos mais apavorantes e brilhantes alertas sobre a indústria armamentista mundial.
De A Hospedeira (2013), em que convivem dentro do mesmo corpo da protagonista interpretada por Saoirse Ronan dois seres – um humano e um de outro planeta muito mais desenvolvido que o nosso. De Morte Limpa/Good Kill (2014), um apavorante relato sobre o trabalho dos militares que manejam os drones e atiram em suspeitos de terrorismo mundo afora como se fosse um desses games com que adolescentes se divertem.
“Andrew Niccol é um dos mais extraordinários escritores e diretores do cinema mundial nas últimas décadas”, escrevi ao rever Gattaca, em dezembro de 2016. “As histórias que cria são brilhantes, sérias, profundas, e com grande originalidade; trazem discussões fascinantes sobre algumas das questões mais importantes com que a humanidade se defronta.” Agora, ao ver pela primeira vez este seu filme de 2011 – em que, como das outras vezes, ele é o autor do roteiro original e da direção –, me ocorreu que Andrew Niccol é assim uma espécie de Philip K. Dick do cinema nas últimas décadas. A imaginação de Niccol, a originalidade de suas histórias, sua criatividade fantástica, a forma com que ele aborda as questões mais sérias em tramas fascinantes, tudo faz lembrar o autor das histórias que resultaram em Blade Runner (1982), O Vingador do Futuro (1990), Minority Report (2002), O Homem Duplo (2006).
Isso posto, vai aqui o segundo fato que este O Preço do Amanhã/In Time comprova: ninguém consegue acertar sempre, o tempo todo.
O filme parte de uma idéia genial, absolutamente genial – mas, na minha opinião, se perde no decorrer da trama. Lá pela metade, chega a ficar perto de filmes de ação sem qualquer sentido, destes que Hollywood produz às pencas, às dúzias.
Um relógio no antebraço mostra quanto falta para a morte
Em um futuro nem tão distante assim (a ação se passa em 2169, garante o IMDb, embora eu não tenha visto no filme nada que explicite isso), os seres humanos todos foram geneticamente modificados para parar de envelhecer aos 25 anos de idade – só que, ao chegar aos 25, cada pessoa dispõe apenas de mais um ano para viver. Se quiser viver mais, pode, pode viver indefinidamente, mas tem que trabalhar duro para ganhar tempo.
O tempo virou dinheiro, literalmente.
Cada pessoa tem no antebraço um relógio digital com 13 dígitos: os quatro primeiros para o número de anos, os dois seguintes para semanas, o seguinte para dias, os dois seguintes para horas, os outros dois para minutos, os últimos para segundos.
Assim: AAAA.SS.D.HH.MM.SS. (Na foto acima, o personagem 12 minutos e 50 segundos de vida.)
Tudo custa tempo, é claro, como até hoje tudo custa dinheiro, e não há almoço de graça: a cada almoço, cada café, cada cerveja, cada passagem de ônibus, você vê no seu braço que sua vida ficou mais curta, que o momento da sua morte se aproxima.
É um pavor, um absoluto horror.
A rigor, a rigor, a rigor, a vida é assim mesmo. A cada ano, cada mês, cada semana, cada dia, cada hora, cada minuto, cada segundo cada um de nós está mais perto da morte.
A grande magia, o grande encanto, e muito provavelmente também a grande tragédia, é que não sabemos quanto tempo nos resta.
Saber exatamente quanto tempo resta, ter aquele número ali absolutamente visível, em números grandes, no seu antebraço, é algo que torna a vida em um absoluto pavor, o total horror.
E o filme sabe muitíssimo bem, no seu início, nos mostrar esse absoluto pavor.
O protagonista da história, Will Salas (o papel de Justin Timberlake, esse ídolo de multidões de adolescentes), é um rapaz pobre, operário. Trabalha demais, faz horas extras demais para tentar garantir algum tempo na vida – mas está sempre com poucos dias de crédito, assim como a mãe, Rachel (o papel da bela Olivia Wilde, na foto abaixo). Quando o filme começa, Rachel está completando 50 anos, ou seja: faz 25 anos que ela comemora aniversário com o mesmo rosto jovem de quando tinha 25. Mas está sempre com o relógio mostrando que ela dispõe de apenas uns poucos dias de vida, e tem que trabalhar loucamente para ganhar mais alguns dias.
Quando o filme está com uns 20, 25 minutos, Rachel tenta pegar um ônibus para se encontrar com o filho numa outra cidade, mas não tem o número de minutos suficiente para pagar a passagem, e o motorista não permite que ela entre. Rachel sai correndo – para finalmente chegar aos braços de Will com 13 zeros no braço.
0000.00.0.00.00.00 – e Rachel morre.
É um mundo ainda mais cruel que o nosso
É um mundo horripilante este que a imaginação desvairada de Andrew Niccol inventou. Na primeira meia hora de filme, fui sendo tomado por uma angústia forte ao imaginar o sofrimento daquelas pessoas. Meu Deus, esse mundo que ele criou consegue ser muito, mas muito pior que o nosso, no que o nosso tem de pior!
A partir daí, da primeira meia hora, a trama vai se enveredando por caminhos pantanosos. Vira uma denúncia da injustiça – enquanto os pobres têm aquela vida miserável, horrorosa, há, numa outra zona de tempo, uma comunidade de gente muitíssimo rica, que tem tempo de sobra, mais de séculos.
Vai sendo mostrado que a organização da sociedade tem como base um capitalismo selvagem, desenfreado, em que a classe dominante e o governo forçam uma inflação galopante, em que são necessários cada vez mais minutos e horas para pagar pelas necessidades básicas. E indica-se que isso é proposital, para fazer com que muitos pobres morram – única alternativa contra a superpopulação do planeta, já que todos os seres humanos têm o dom da imortalidade, caso tenham tempo para continuar vivendo com aquela saúde inabalável dos 25 anos.
Há, para garantir a continuidade do sistema, uma grande e bem aparelhada força policial em que os tiras são conhecidos como guardiões do tempo. Um líder dos guardiões do tempo, um tal Raymond Leon, vai se mostrar especialmente interessado em prender Will.
Will fica conhecendo um multimilionário, Philippe Weis, um banqueiro, cujo banco empresta tempo a juros de 30% – e que logo sobem para 37%. Conhece também a filha do banqueiro cruel, Sylvia – e é claro que vai surgir daí um absolutamente improvável caso de amor.
Sylvia é feita por uma Amanda Seyfried com aqueles olhões claros imensos, mas com um peruca morena. É uma das coisas boas do filme. Já o pai dela, o banqueiro, é interpretado por Vincent Kartheiser, aquele ator bem fraquinho, coitado, que fez o papel de Pete Campbell na série Mad Men. E o guardião do tempo Raymond Leon é o papel do jovem galã irlandês Cillian Murphy – e esses dois, Vincent Kartheiser e Cillian Murphy estão muito ruins, mas ruins demais.
A partir aí da metade dos 109 minutos O Preço do Amanhã vira um filme de ação, com perseguições de carro e tudo o mais.
Uma pena.
Em pequenos papéis, duas belas jovens atrizes
Uma curiosidade: em uma determinada cena, o milionário Weis apresenta para o pobretão Will sua mãe, sua mulher e sua filha – três moças com a aparência da mesma idade, os 25 anos. A atriz que faz Michele, a mulher dele, linda demais, tem apenas uma ou duas falas no filme e aparece não mais que durante dois minutos. É a australiana Bella Heathcote (ao meio, na foto das três, abaixo), que no ano seguinte, 2012, faria um papel duplo do gostoso Sombras da Noite, de Tim Burton, e em 2017 seria uma das protagonistas de Professor Marston e as Mulheres Maravilhas, com uma ótima atuação.
Faz um pequeno papel também – como Greta, a mulher do maior amigo de Will – outra bela e jovem atriz, Yaya daCosta, de Minhas Mães e Meu Pai (2010), O Negociador (2011), O Mordomo da Casa Branca (2013) e Um Amor de Vizinha (2014).
O grande Roger Ebert diz que, tirando a idéia básica de que naquele futuro o tempo é de fato o dinheiro, que se ganha com o trabalho ou com jogo ou com roubo, o resto é formado pelos elementos mais usuais dos filmes de ação: “Will Sallas tem o kit padrão da aparência dos heróis de ação modernos: cabelo cortado rente, cara de palha. Por motivos forçados, ele faz par com uma bela jovem e tem que carregá-la com ele para onde vai enquanto são perseguidos por atiradores. O homem rico se move nobremente num cenário de opulência. O vilão (Cillian Murphy) é andrógino e elegante, rebuscado em sua crueldade. Há perseguições, e assim por diante. O único elemento original é a idéia do tempo.”
Leonard Maltin deu 2 estrelas em 4, e conclui sua rápida resenha assim: “Perde o gás muito rapidamente, assim que a metáfora central fica dolorosamente óbvia. Outra distopia do escritor-diretor de Gattaca e Simone.”
Anotação em janeiro de 2019
O Preço do Amanhã/In Time
De Andrew Niccol, EUA, 2011
Com Justin Timberlake (Will Salas), Amanda Seyfried (Sylvia Weis), Cillian Murphy (Raymond Leon, o guardião do tempo)
e Vincent Kartheiser (Philippe Weis), Olivia Wilde (Rachel Salas), Johnny Galecki (Borel, o amigo de Will), Yaya DaCosta (Greta, a mulher de Borel), Matt Bomer (Henry Hamilton), Collins Pennie (guardião do tempo Jaeger), Toby Hemingway (guardião do tempo Kors), Bella Heathcote (Michele Weis, a mãe de Sylvia), Sasha Pivovarova (Clara, a avó de Sylvia), Brendan Miller (Kolber), Alex Pettyfer (Fortis), Shyloh Oostwald (Mya), Will Harris (Ulysse), Michael William Freeman (Nardin), Jesse Lee Soffer (Webb), Aaron Perilo (Bell), Nick Lashaway (Ekman), William Peltz (Pierre), Ray Santiago (Victa), Zuleyka Silver (Pasha), Laura Ashley Samuels (Sagita), Paul David Story (Roth), Melissa Ordway (Leila), Abhi Sinha (Ross), Ethan Peck (Constantin), Germano Sardinha (Carlo), Korrina Rico (funcionária do hotel), Emma Fitzpatrick (Kara), Seema Lazar (guardiã do tempo Ellini), Adam Jamal Craig (Girard), Andreas Wigand (Milus), Luis Chavez (Ernest),
Argumento e roteiro Andrew Niccol
Fotografia Roger Deakins
Música Craig Armstrong
Montagem Zach Staenberg
Casting Denise Chamian
Produção Regency Enterprises, Strike Entertainment, 20th Century Fox.
Cor, 109 min (1h49)
**1/2
Título na França: Time Out. Em Portugal: Sem Tempo.
Vi este filme umas duas vezes e gostei mas não muito.
A partir de metade o filme passa a ser vulgar depois de arrancar com uma ideia brilhante; uma pena.
Deste realizador vi outros filmes – Gattaca de que gostei mas também não muito por causa da inverosimilhança da viagem espacial em que o protagonista não tem treino, não veste um fato espacial, enfim parece que vai dar uma volta na rua.
The Truman Show nunca vi mas vou ver agora no Netflix.
Vi e gostei de Simone há muito tempo.
Também vi Lord of War mas não me lembro praticamente de nada.