O Homem do Oeste / Man of the West

1.0 out of 5.0 stars

O Homem do Oeste, de 1958, foi o penúltimo western dirigido por Anthony Mann, um dos maiores realizadores de westerns. Depois dele, Mann ainda faria a refilmagem Cimarron (1960), e em seguida lançaria duas grandes superproduções, El Cid (1961) e A Queda do Império Romano (1964), e terminaria a carreira gloriosa com um filme de guerra, Os Heróis de Telemark (1965), e um de espionagem, O Espião de Dois Mundos (1968).

O homem do Oeste do título é interpretado por Gary Cooper, e a segunda personagem mais importante da história foi feita por Julie London, a atriz e cantora de presença e voz sensualíssima que seduziu gerações inteiras.

Não foi muito bem recebido na época nos próprios Estados Unidos. Consta que o então jovem crítico Jean-Luc Godard, um adorador do cinema dos grandes realizadores de Hollywood, saudou L’Homme de l’Ouest como o melhor filme do ano, e aí os críticos americanos passaram a fazer uma revisão de seu julgamento inicial. Com o tempo, passou a ser respeitadíssimo; está, por exemplo, nos livros 1001 Filmes Para Você Ver Antes de Morrer e 501 Must-See Movies.

Sou admirador de westerns, de Anthony Mann, de Gary Cooper e da cantora Julie London (confesso que não me lembro de ter visto outros filmes com ela). No entanto, este Man of the West não me impressionou. Bem ao contrário. Achei toda a história bem fraca, forçada, artificial a não mais poder – e mais uma boa série de defeitos.

“Criticado no seu tempo, este western conservou toda sua força”, diz o guia francês

Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: “Descartado em 1958, essa história poderosa merece outro olhar. Cooper interpreta um bandido reformado que é forçado a se unir de novo a seu ex-chefe (Cobb) para salvar a si mesmo e outras pessoas inocentes dos maus tratos da gangue. Western forte, em escala épica, com roteiro de Reginald Rose.”

Diz o livro 501 Must-See Movies:

“Embora feito em CinemaScope, a maior parte da ação tensa deste western fortemente alegórico é confinado ao pequeno espaço de um esconderijo em que os personagens interagem. Com um roteiro literário de Reginald Rose (autor de 12 Angry Men, 12 Homens e uma Sentença), o filme é dirigido com intensidade pelo maestro de westerns Anthony Mann e tem Gary Cooper na sua melhor face angustiada, seu último grande papel. Ele representa outro dos heróis profundamente problemáticos com um passado negro que o persegue. Descartado amplamente ao ser lançado, o filme vem ganhando reputação ao longo dos anos.”

O Guide des Films de Jean Tulard faz esta avaliação:

“Criticado no seu tempo, este western conservou toda sua força, como mostra tanto o strip-tease imposto a Julie London quanto o ataque na cidade fantasma por um chefe de gangue louco.”

Diz o livro 1001 Filmes Para Você Ver Antes de Morrer, editado por Steven Jay Schneider:

“Depois de realizar uma série de faroestes exemplares estrelados por James Stewart nos anos 50, Anthony Mann escala um Gary Cooper envelhecido como um homem forçado a enfrentar um passado que ele pensava ter deixado para trás. (…) Cooper interpreta Link Jones, um cidadão aparentemente respeitável a caminho de contratar um professor (na verdade, o filme fala sempre uma professora, uma mulher) para sua cidade. Depois que o trem em que ele está viajando é assaltado, Link se vê largado no meio do nada com uma cantora de cabaré chamada Billie (Julie London) (e também com um jogador de cartas chamado Sam e interpretado por Arthur O’Connell) e, desesperado, decide buscar a ajuda de alguns ex-sócios da região. Descobrimos, então, que Link tem um passado criminoso e que seus antigos amigos são um bando de figuras grotescas e ameaçadoras, interpretadas pelos atores de faroeste Royal Dano, Robert Wilke e John Dehner. Logo fica claro que existem contas a serem acertadas e a gangue tenta forçar Link a ajudá-los em um roubo, ameaçando estuprar Billie. O comportamento deles, por sua vez, desperta uma fúria assassina no até então pacato Link, que espanca com brutalidade um dos membros do bando.

“O líder da gangue é Dock Tobin (em uma interpretação avassaladora de Lee J.Cobb). Nos faroestes de Mann, os laços familiares sempre se provam mais fortes do que qualquer idéia de comunidade mais ampla – e o bando de Tobin funciona como uma monstruosa paródia de família. Dock de fato vê Link como um filho adotivo.”

Tudo o que o protagonista não queria na vida era encontrar seu antigo bando

Ahn…

Esse texto do livro 1001 Filmes Para Você Ver Antes de Morrer fala asneira.

Opinião é opinião – e opinião tem que ser respeitada. Mas o texto acima tem erro – erro de informação.

“Link se vê largado no meio do nada com uma cantora de cabaré chamada Billie (…) e, desesperado, decide buscar a ajuda de alguns ex-sócios da região.”

Essa frase está errada. Absolutamente errada. O filme não mostra isso, de forma alguma. Bem ao contrário.

Link não decide buscar a ajuda de alguns ex-sócios. Tudo o que Link gostaria na vida era não reencontrar os ex-sócios. O que acontece é que, entre a cidade mais próxima, para onde se dirigem, e o lugar em que ele se vê largado no meio da nada com a cantora de cabaré e o jogador, fica a casa isolada, no meio de um vasto campo vazio, que pertence a seu antigo bando.

Exausto pela caminhada, e precisando de um lugar para ele e os companheiros de infortúnio passarem a noite, Link se dirige então à tal casa – na esperança de que ela estivesse vazia. Infelizmente para ele, ela não está vazia. Está lá o tal Dock Tobin (Lee J. Cobb), o chefe do bando que havia acabado de assaltar o trem em que Link, a cantora e o jogador viajavam. Que vem a ser o tio de Link – o homem que o havia criado, e o levado à vida de crime que ele abandonara tempos atrás.

Link Jones é uma pessoa do bem, simpática – mas é um tanto atrapalhado

Os textos às vezes se escrevem sozinhos, ou dizem eles mesmo para onde querem ir.

Normalmente eu relato o início da história, para depois dar informações objetivas sobre o filme e sua produção, e em seguida dar opiniões dos outros. Mas, como não gostei de O Homem do Oeste, quis primeiro enumerar o que a crítica falou dele, para depois dar as minhas opiniões.

Esse absurdo erro de informação do texto do 1001 Filmes, no entanto, me obrigou a meter minha colher desde já.

Eis como começa este Man of the West, eis o que é mostrado nos seus primeiros 20 minutos:

Um homem chega a uma pequena cidade do Oeste. Deixa o cavalo com que viajou num estábulo, almoça, toma um banho, veste-se com roupas mais, digamos, sociais.

O homem, veremos que se chama Link Jones, vem na figura que àquela altura – 1958 – era uma lenda, uma das maiores lendas do cinema americano, em especial do western, Gary Cooper.

Link Jones se demonstra uma pessoa de bem, solícita, simpática, porém pouco jeitosa. Logo que apeia do cavalo, se dispõe a ajudar um funcionário do que parece ser o maior hotel da cidade. Está ali auxiliando o funcionário quando uma mulher em vestido atraente, chamativo, está deixando o hotel, no qual havia trabalhado como cantora. Veremos que se chama Billie – o papel de Julie London.

Na hora de pagar pelo banho, Link se atrapalha – e o espectador vê que ele está carregando num pacotinho uma boa quantidade de dinheiro.

Pega o pacotinho cheio de dinheiro e o coloca dentro de uma bolsa junto com seu revólver e o cinturão.

E aí se encaminha para a estação ferroviária da cidadezinha.

Demonstra que jamais na vida havia visto um trem de ferro. Não consegue conter a estupefação, e exclama:

– “Isso aí é a coisa mais feia que já vi na vida!”

Ao que um almofadinha baixinho que está ao lado – veremos que é um jogador, um tipo Maverick, chamado Sam Beasley, o papel de Arthur O’Connell – responde: – “Você nunca viu minha ex-mulher!”

Link está à procura de uma professora para a escola de sua pequena cidade

Demora um pouquinho, mas Link embarca no trem, assim como o jogador Sam e a cantora Billie. O trem é grande, mas ficam os três no mesmo vagão.

Link não consegue se sentar direito – é um homem alto (Gary Cooper tinha 1 metro e 91), e suas pernas não cabem no espaço entre seu assento e o que está diante dele.

Assusta-se quando o trem chacoalha. Assusta-se várias vezes. Arregala os olhos.

Há um tom quase cômico nessas sequências – e Link é mostrado, repito e insisto, como um homem bom mas bastante atrapalhado, pouco jeitoso. Um sujeito bronco, meio bobalhão, ou quase inteiramente bobalhão.

O almofadinha Sam vem se sentar ao lado dele. Faz perguntas, se intromete. Link diz que está indo até a cidade tal para encontrar lá uma professora – o lugarejo dele construiu uma escola e ele foi escolhido para ir até aquela cidade maior para contratar uma professora.

O almofadinha Sam observa que, para contratar uma professora para se mudar para um lugarejo situado bem a Oeste, ele precisaria necessariamente estar levando uma boa porção de dinheiro.

O diálogo é ouvido por um sujeito de maus bofes sentado um pouco atrás de onde está Link.

E aí vem o assalto ao trem. Três homens se aproveitam de uma parada do trem para recolher madeira para fazer a locomotiva a vapor funcionar, e tentam assaltar o trem.

São incompetentes, e não conseguem roubar o carregamento de dinheiro que vinha num dos vagões. E o trem parte novamente, deixando para trás exatamente a trinca que importa para a história – Link, o jogador Sam e a cantora de cabaré Billie.

Link lidera o pequeno grupo. Decide que vão caminhar em frente, na direção da cidade para onde o trem se encaminhava, na esperança de encontrar ajuda pela frente.

É aí então que chegam à tal casa perdida no meio do nada. Link demonstra que gostaria demais que a casa estivesse vazia. Não está. Está lá o bandidaço Dock Tobin e três homens de seu bando.

Nesse momento é que o espectador fica sabendo que Link foi, no passado, um bandido do bando de Dock.

Dock tem uma paixão furiosa por seu sobrinho Link, como se ele de fato fosse seu filho amadíssimo.

O personagem central é mal construído, não pára de pé. E é tudo forçado, artificial

Estamos aí com uns 20 minutos de filme, e então dá para eu dizer o que me incomodou na história.

Me incomodou o fato de que o protagonista é apresentado, em tom quase cômico, como um sujeito desajeitado, meio bobão, meio ou bastante bronco – e de repente percebemos que, epa! o cara era um bandidão da gangue do maior bandidão daquelas paragens todas.

Personagem mal construído. Personagem que não pára em pé. Incrível que tenha sido criado pelo sujeito que escreveu Doze Homens e uma Sentença.

Um trem pára, é assaltado, consegue engatar e sair viajando de novo, e deixa para trás exatamente o herói da história e mais uma cantora de cabaré e mais um terceiro personagem que logo darão um jeito de fazer desaparecer.

O herói e uma bela mulher, já que um dos mandamentos de Hollywood é que toda história tem que ter uma bela mulher, um female interest.

Mais forçado que isso, só um estupro. Mais artificial que isso, acho que nem mesmo um hambúrguer do McDonald’s.

Os bandidos não são pessoas, seres humanos – são estereótipos.

Dock Tobin é o bandido mais bandido mais filho da mãe mais sangrento mais odioso mais cruel que se possa imaginar. Imagine o eventual leitor o Liberty Valance, o bandidão interpretado por Lee Marvin no grande clássico de mestre John Ford. Pois bem: Liberty Valence é um coroinha de igreja comparado a Dock Tobin.

O livro 1001 Filmes fala em “interpretação avassaladora” de Lee J. Cobb. Avassaladora é o cacete. Lee J. Cobb tem uma interpretação exagerada, zonza, sonsa, tola: é uma das coisas mais ridiculamente over que já houve em 110 anos de História do cinema. É grotesco, risível, ridículo.

A sequência em que o jovem bandido Coaley obriga Billie a fazer um strip-tease, que o guia do mestre Jean Tulard elogiou, me pareceu igualmente grotesca, risível, ridícula. Forçada. Artificial.

Não acho que o cinema tenha que ser realista. PelamordeDeus, não é isso.

O cinema, assim como a literatura, o teatro, as artes que narram histórias, elas podem ser do jeito que bem entenderem seus criadores. Podem ser absolutamente fantásticas, fantasiosas. Podem ter a lógica dos sonhos, dos pesadelos – ou seja, a mais absoluta falta de lógica.

Mas as histórias têm que ter algum tipo de congruência. Algum tipo de sentido dentro do tipo de estilo escolhido para que ela seja contada.

O Homem do Oeste é uma história danada de ruim.

O fato de Gary Cooper parecer mais velho do que Lee J. Cobb, o ator que faz o tio que o criou, só ajuda a piorar as coisas.

É bem como diz um dos itens da página de Trivia do IMDb sobre o filme:

“Gary Cooper era, aos 56, uma década mais velho que Lee J. Cobb, que interpretava seu ‘tio’ Dock Tobin. Mesmo com maquiagem pesada, Cobb, segundo o entendimento geral, parecia mais jovem do que Cooper, e Cooper tinha de fato uns 20 anos mais velho do que seu personagem deveria ter. Além disso, Cooper e John Dehner falam sobre terem sido crianças juntos, mas Dehner era na verdade 14 anos mais jovem do que Cooper.”

De novo: os filmes não têm que ser realistas. De forma alguma. Não é por falta de realismo que este O Homem do Oeste é ruim.

Ele é ruim porque é a história não se aguenta de pé, os personagens são mal construídos, os atores foram mal escolhidos para os papéis.

É um filme ruim.

Anotação em maio de 2017  

O Homem do Oeste/Man of the West

De Anthony Mann, EUA, 1958

Com Gary Cooper (Link Jones), Julie London (Billie Ellis), Lee J. Cobb (Dock Tobin), Arthur O’Connell (Sam Beasley), Jack Lord (Coaley), John Dehner (Claude), Royal Dano (Trout), Robert J. Wilke (Ponch)

Roteiro Reginald Rose

Baseado na novela The Border Jumpers, Will C. Brown

Fotografia Ernest Haller

Música Leigh Harline

Montagem Richard Heermance

Figurinos Yvonne Wood

Produção Walter M. Mirisch Productions, Ashton Productions. DVD FlashStar.

Cor, 100 min (1h40)

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