Mil Vezes Boa Noite / Tusen Ganger God Natt

Nota: ★☆☆☆

Mil Vezes Boa Noite é um filme muito sério, muito bem intencionado. Pretende mostrar aos espectadores que o mundo é ruim. Ruim, muito ruim: há terrorismo no mundo, sabiam? Na Ásia, há gente que, com o maior orgulho possível e imaginável, se veste com um avental de bombas, e vai se explodir no meio de uma rua lotada para matar muita gente.

O filme pretende mostrar que o mundo é mesmo ruim. Que, na África, muita gente morre de fome, há lutas entre tribos rivais, e milhares de inocentes são mortos nessas batalhas. Que milhões e milhões de pessoas passam fome e todo tipo de privação em campos de refugiados.

Para todas as pessoas que jamais tinham ouvido falar dessas coisas, Mil Vezes Boa Noite deve ser muito chocante. Para quem já leu algum jornal ou até mesmo ligou a televisão nos últimos dez anos, no entanto, parece um tanto estranho: como assim, o filme veio nos anunciar, veio nos contar pela primeira vez na vida que o mundo é ruim?

Uma mistura de drama familiar com alguns temas apavorantes da atualidade

Talvez esse início de texto tenha sido rude demais. Vamos tentar novamente.

Mil Vezes Boa Noite é um filme que mistura drama familiar com alguns dos mais apavorantes temas da atualidade – o terrorismo islâmico e a eterna luta entre lideranças tribais africanas que levam à morte de milhares de pessoas.

A protagonista da história, Rebecca – o papel da sempre maravilhosa Juliette Binoche –, é uma mãe de família que está sempre pondo o marido e as duas filhas de sobressalto porque é uma fotógrafa especializada em cobrir as áreas mais tensas, mais conturbadcas do mundo. Tem fama internacional, é tida como uma das melhores fotógrafas de áreas de guerra.

A cada vez que Rebecca sai de casa para cobrir uma situação de conflito, o marido e as duas filhas ficam em pânico, apavorados diante da possibilidade de que ela morra.

O marido, Marcus (Nikolaj Coster-Waldau, o bonitão de Game of Thrones), é um biólogo marinho. Não poderia ser mais antípoda de uma fotógrafa aventureira que adora correr risco, correr perigo.

A filha mais velha, Steph (Lauryn Canny), está ali pelos 15 anos, e, como perfeita adolescente, sofre demasiadamente com as ausências da mãe. Lisa (Adrianna Cramer), a mais nova, aí de uns 8 anos, chora nos momentos corretos, não chora quando não é para chorar.

 Rebecca fotografa a preparação de uma terrorista suicida no Afeganistão

O filme abre com uma sequência bastante longa, e bastante impressionante: Rebecca, a corajosa fotógrafa, está no Afeganistão, acompanhando, passo a passo, o ritual de uma jovem mulher que está se vestindo como uma suicida-explosiva.

Rebecca foi aceita pelo grupo – o filme não se incomoda em explicar por quê – para gravar todos os momentos de preparação da suicida-explosiva. Fotografa tudo, tudo, tudo, tudo.

Primeiro, a jovem que vai se explodir se deita no fundo de um buraco cavado no chão – sua sepultura.

Depois ela abre os olhos, e toma um cuidadoso banho, cercada por muitas outras mulheres. Vai entrar no reino de Alá muito limpa.

Depois há toda a longa preparação para que ela seja coberta pelas bombas, e em seguida pelas vestes que esconderão as bombas.

Tudo é fotografado por Rebecca.

O carro com a terrorista-suicida põe-se rumo a Cabul. Rebecca está no assento do carona, fotografando sem parar.

O carro enfim pára numa rua movimentada de Cabul. Rebecca pede para descer, insiste em descer, desce, faz mais fotos.

Um policial vê o movimento, se aproxima do carro.

Há a explosão – tão poderosa que joga Rebecca no chão, longe de sua Canon com um imensa quantidade de lentes.

Corta, e Rebecca está recuperando os sentidos em Dubai – e diante dela está seu marido, o belo Marcus.

A corajosa e talentosa fotógrafa vai para casa se recuperar dos ferimentos e rever o marido e as filhas – e aí o filme mergulha na área do drama familiar.

Conseguirão as filhas dessa mulher que insiste em fazer fotos nas zonas de guerra ter uma vida normal? Claro que não. Sofrem estupidamente com o medo eterno de perder a mãe.

Igualmente infeliz é o maridão biólogo marinho. Casou-se há mais de 16 anos com a fotógrafa que gosta de estar perto dos perigos do mundo, mas ainda não se habituou a isso.

Daquela vez, resolve que não quer mais.

Assustada, Rebecca promete que não voltará jamais a uma zona de conflito.

Conseguirá cumprir sua promessa?

O filme parece considerar o espectador um sujeito burro, mal informado

Apesar da abertura que é de fato muito impressionante, este filme me pareceu pequeno. Me pareceu condescendente. Tipo assim: olha, crianças do Primeiríssimo Mundo, vejam que há pobreza, miséria, dureza.

Me pareceu que o filme trata o espectador como um imbecil que não tem informação alguma sobre nada que esteja a mais de 1 metro de seu nariz.

A melhor coisa do filme – ou, a rigor, a única coisa boa do filme – é Juliette Binoche.

Só ela.

É uma co-produção Suécia-Noruega-Irlanda. A maior parte da ação se passa na Irlanda – Marcus, o marido, é irlandês, o casal vive lá, as meninas são irlandesas.

O diretor Erik Poppe – ele também um dos autores do argumento e do roteiro, ao lado de Harald Rosenløw-Eeg – é norueguês de Oslo, nascido em 1960. Não vi nenhum outro de seus cinco filmes como diretor.

O filme – informa o site AlloCiné – se inspira em experiências reais do autor e diretor Erik Poppe. Ele foi fotógrafo profissional nos anos 80, e cobriu conflitos em vários lugares do mundo; quando nasceu seu primeiro filho, sentiu que precisava parar de visitar os lugares mais perigosos do mundo.

“Se um homem deixa seus filhos em casa para trabalhar, em geral as pessoas acham isso normal”, ele disse em entrevista. “Mas, no caso de uma mulher, as reações são mais duras. Além disso, nestes últimos 20 anos, um grande número de mulheres tem se destacado como fotógrafas. E, no mundo islâmico, só uma fotógrafa mulher pode estabelecer contato com outras mulheres.”

“Um filme caricatural”, fulminou a crítica de Le Monde

Foi do diretor Erik Poppe a idéia de convidar Larry Mullen Jr., o baterista do U2, a trabalhar no filme. Com o diretor norueguês, a atriz principal francesa, o ator principal dinamarquês, Poppe achou que um casal de irlandeses faria bem a um filme que afinal se passa na Irlanda. Larry Mullen Jr. faz o papel de Tom e Maria Doyle Kennedy (de The Commitments), o da mulher dele, Theresa – os maiores amigos do casal Marcus e Rebecca.

Não foi o primeiro trabalho de Larry Mullen Jr. como ator: em 2011, havia trabalhado em Passagem para a Vida/Man on the Train, de Mary McGuckian, ao lado do veterano Donald Sutherland.

Vejo que a crítica do filme no Le Monde, assinada por Frank Nouchi, sobre o filme que na França teve o título de L’Épreuve, a prova, o teste, começa assim: “Erik Poppe assina um filme caricatural sobre o dilema de uma fotojornalista encarnada por uma Juliette Binoche pouco crível”.

Falou e disse.

Anotação em julho de 2017

Mil Vezes Boa Noite/Tusen Ganger God Natt

De Erik Poppe, Noruega-Suécia-Irlanda, 2013

Com Juliette Binoche (Rebecca)

e Nikolaj Coster-Waldau (Marcus), Lauryn Canny (Steph), Adrianna Cramer Curtis (Lisa), Larry Mullen Jr. (Tom), Maria Doyle Kennedy (Theresa), Mads Ousdal (Stig), Anna Leah Thorseth Poppe (uma amiga de Steph), Chloë Annett (Jessica)

Argumento e roteiro Erik Poppe e Harald Rosenløw-Eeg

Colaboraram Jan Trygve Røyneland e Kirsten Sheridan

Fotografia John Christian Rosenlund

Música Armand Amar

Montagem Sofia Lindgren

Casting Salah Benchegra e Maureen Hughes

Produção

Cor, 117 min (1h57)

*

Título na França: L’Épreuve. Em inglês: 1.000 Thousand Times Good Night.

4 Comentários para “Mil Vezes Boa Noite / Tusen Ganger God Natt”

  1. Acho que vc, primeiro deve assistir novamente esse magnífico filme, segundo ler a crítica de outros blogs que vão te ajudar entender a mensagem poderosa do filme !

  2. Não concordo. O filme é muito bom e não só por Juliette, que novamente está muito bem. Achar que o filme mostre que existe violência desmedida em certo cantos do mundo talvez seja exatamente o que ele (o filme) quer dizer: o embrutecimento das pessoas em relação ao que vem acontecendo globalmente e não é nada desonroso que uma profissional da fotografia queira revelar com mais intensidade ao mundo. Acreditar na dignidade de sua profissão não pode ser um defeito. E, esteticamente, o filme de um fotógrafo sobre uma fotógrafa se sai muito bem, privilegiando as imagens e até o silêncio sobre o discurso (que é implícito, tanto na questão da guerra como no impasse familiar).

  3. Excelente comentário, Antonio. É desses que tornam o meu site melhor.
    É como eu sempre digo: coloco aqui apenas minhas opiniões. Jamais acho que minhas opiniões sejam a verdade, o certo. São apenas minhas opiniões.
    Espero que você volte ao site – e conteste novamente o que está dito nele.
    Um abraço.
    Sérgio

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