A Vítima Perfeita, produção australiana de 2009, relata uma história real: no dia 1º de março de 1999, Rachel, uma moça de 15 anos, de hábitos regulares, tranquila, sem problema algum na escola ou na família, amadíssima pelos pais, com namorado firme, desapareceu misteriosamente em Melbourne.
Nos primeiros dias após o desaparecimento, a polícia deu pouca importância ao caso, com o argumento de que adolescentes fogem de casa sempre, a toda hora, é a coisa mais comum do mundo.
O filme avisa os espectadores de uma forma mais forte do que o tradicional “Baseado em fatos reais”. O letreiro que vemos no início da narrativa é “Esta é uma história real”.
A diretora e roteirista Simone North se baseou no livro Perfect Victim, escrito por Elizabeth Southall e Megan Norris. Esta última é uma jornalista; Elizabeth Southall é a mãe de Rachel, a garota que desapareceu; esse é seu nome de solteira – no filme, ela aparece como Elizabeth Barber, o sobrenome do marido, Mike.
Nos primeiros 24 minutos há um clima de mistério. Depois mostra-se tudo
A Vítima Perfeita começa com um tom de filme policial, de mistério. Vemos na tela o letreiro “Dia 1”. Mike, o pai (interpretado por Guy Pearce), esperava no carro a filha, que viria da aula de dança – como sempre fazia – no bonde. Como Rachel não chegava, ligou de um orelhão para Elizabeth (o papel de Miranda Otto). A mãe imediatamente começou a telefonar para as amigas de Rachel. Ligou para Manni, o namorado (Khan Chittenden). Ninguém sabia de nada estranho.
Um pouco mais tarde, Manni ligou para Elizabeth, e contou que Rachel havia mencionado que tinha sido procurado por uma mulher mais velha, e iria fazer um trabalho para ela – um trabalho simples, que daria muito dinheiro.
Era tudo o que o rapaz sabia.
No desespero, os pais começaram a achar que Rachel poderia ter ido a um bordel.
O desespero dos pais, que vai, é claro, aumentando mais e mais no Dia 2, no Dia 3, contagia o espectador. Creio que mesmo quem nunca teve filhos vai se imaginar no lugar daquelas duas pessoas absolutamente normais, boas, de bom caráter, absolutamente apaixonados pela filha mais velha bonita, inteligente, boa bailarina.
Rachel é interpretada por Kate Bell, uma jovem linda (na terceira foto do post, abaixo). Em flashbacks que a mostrarão com 11 anos de idade, é interpretada por Amber Ivers.
Quando estamos no Dia 3, conforme informa um letreiro, exatamente aos 24 minutos de filme, no entanto, o tom do filme muda completamente.
E aqui é fundamental avisar ao eventual leitor que virão spoilers. Quem tiver interesse em ver o filme deveria parar de ler agora.
Atenção: spoiler. Revelam-se fatos mostrados depois de 24 minutos de filme
Repito: o tom do filme de fato muda completamente a partir dos 24 minutos. Completamente.
Desaparece o clima de mistério. O que aconteceu com Rachel passa a ser mostrado explicitamente. O que vem a seguir é um drama psicológico, uma história de família despedaçada e uma adolescente muito, mas muito, mas muito problemática.
É de uma violência, de uma crueza impressionantes.
Um letreiro avisa que voltamos para 4 anos antes, quando Rachel tinha portanto 11 anos, e uma personagem nova é apresentada ao espectador. É uma adolescente mais velha, aí de uns 16, 17 anos, chamada Caroline (interpretada por Ruth Bradley, uma jovem atriz de talento espantoso, na última foto do post). Caroline está trabalhando como baby sitter na casa dos Barber, para cuidar das duas irmãzinhas mais novas de Rachel.
Na primeira sequência desse flashback, Rachel está na sala de sua casa dançando. As duas irmãzinhas mais novas estão brincando, e Caroline, contratada para tomar conta das duas, está escrevendo uma carta para seu pai.
Caroline é vizinha dos Barber. O pai, David Reid (o papel de Sam Neill), um empresário rico, está naquela época se separando da mãe, Irene (Justine Clarke).
O espectador vê Elizabeth Barber conversando com Irene, que chora desbragadamente – pela perda do marido, que se apaixonou por outra, e pelo peso que é conviver com a filha Caroline, que sempre foi problemática, e cada vez fica pior.
O que virá a partir daí é uma história terrivelmente, terrivelmente trágica.
Pais de adolescentes não deveriam ver este filme: é assustador demais
A Vítima Perfeita foi o único filme que Simone North dirigiu até hoje. Simone é produtora de filmes e de programas de TV, e também roteirista. Foi roteirista e criadora de três séries da TV australiana. Mas a experiência de direção ficou por enquanto restrita a este filme aqui.
Produzido em 2009, o filme só foi apresentado no Festival Internacional de Cinema de Brisbane em 2012, com o título de In Her Skin, na pele dela. A empresa que faria a distribuição internacional do filme, a Reliant Pictures, reeditou a obra, sem informar aos produtores e sem ter autorização deles. Nos Estados Unidos e outros países de língua inglesa, foi exibido com o título de I Am You.
É uma pena que tenha tido esse histórico conturbado, litígio entre produtores e distribuidores, duas versões, dois títulos diferentes. É um bom filme – mas absolutamente não recomendável para pais de adolescentes, porque é muitíssimo assustador.
O clima aterrorizante da história real me fez lembrar muito de um outro filme que retrata uma trágica história real envolvendo garotas adolescentes, acontecida na Nova Zelândia em meados dos anos 1950, Almas Gêmeas/Heavenly Creatures (1994), de Peter Jackson, com duas jovens atrizes impressionantes, Melanie Lynskey e uma tal de Kate Winslet.
E há a registrar uma coincidência bizarra. Em 2015, um outro filme australiano, também dirigido por uma mulher, Kim Farrant, conta a história do desaparecimento misterioso de uma adolescente de uns 16 anos e seu irmão menor. Terra Estranha/Strangerland tem no elenco Joseph Fiennes e Nicole Kidman.
Além da coincidência do temas entre Terra Estranha e este A Vítima Perfeita, ainda há o fato de que Nicole Kidman, Guy Pearce, do primeiro, e Sam Neill, deste aqui, são três das grandes contribuições da Austrália ao cinema mundial.
Anotação em março de 2017
A Vítima Perfeita/In Her Skin ou I Am You
De Simone North, Austrália, 2009
Com Guy Pearce (Mike Barber), Miranda Otto (Elizabeth Barber), Ruth Bradley (Caroline Reid), Sam Neill (David Reid), Kate Bell (Rachel Barber), Amber Ivers (Rachel Barber aos 11 anos), Khan Chittenden (Manni), Graeme Blundell (Ivan), John Butler (Busker), Justine Clarke (Irene), Diane Craig (Joy), Jack Finsterer (Patterson), Rebecca Gibney (Gail), Eugene Gilfedder (DePyle), Jeremy Sims (Mclean), Steven Vidler (Drew)
Roteiro Simone North
Baseado no livro Perfect Victim, de Elizabeth Southall e Megan Norris
Fotografia Jules O’Loughlin
Música Ben Frost
Montagem Jane Moran
Produção Liberty Films International, Screen Australia.
Cor, 107 min
**1/2
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