Nota:
A Noite dos Mortos-Vivos é um daqueles grandes clássicos de que sempre ouvi falar mas nunca tinha visto – até agora. O filme é mesmo muito impressionante, fortíssimo, marcante, mas não resisto à tentação de brincar que o maior susto que ele me deu foi quando, bem depois que terminou e eu me preparava para escrever esta anotação, vi que ele é de 1968.
Enquanto via o filme, poderia jurar que ele tinha sido feito no início dos anos 50, a época das muitas produções B de terror do cinema americano em que uma cidade ou uma região dos Estados Unidos eram invadidas por monstros das mais diversas espécies, de alienígenas a aranhas gigantes, passando por invasores de corpos.
Os anos 30 tinham sido a época de ouro dos imponentes filmes de terror baseados nas histórias de vampiros, nos grandes clássicos da literatura de fantasia produzidos nas Ilhas Britânicas – por autores como Mary Shelley, Robert Louis Stevenson, H. G. Wells – e em outras entidades fantasmagóricas como os espíritos dos faraós egípcios.
Filmes que se tornariam clássicos, como Frankenstein (1931), Monstros (1932), A Múmia (1932), O Médico e o Monstro (1932), O Homem Invisível (1933), A Marca do Vampiro (1935). Ou tentativas de imitação deles, como O Filho de Frankenstein (1939),
Nos anos 50, a onda era a invasão de locais dos Estados Unidos por um monstro, ou vários monstros – e sempre em produções B, de baixo orçamento, sem atores muito famosos, vários deles abertamente mal feitos, mal ajambrados, beirando o trash, o mais impuro lixo, à la Ed Wood (1924-1978), o cara que passou para a História como o pior diretor de cinema do mundo.
Coisas tipo Tarântula! (1955), A 20 Milhões de Milhas da Terra (1957), Rastros do Espaço (1957), Fúria de uma Região Perdida (1957), Casei-me com um Monstro do Outro Espaço (1958), O Monstro Sanguinário (1958).
Ou o que viraria clássico, Vampiros de Almas/Invasion of Body Snatchers (1956).
A lista poderia se estender muito. Foram dezenas de filmes assim naqueles anos 50 – e há uma explicação para o fenômeno. De uma forma ou outra, todos esses filmes aterrorizantes sobre a chegada de monstros que vão invadindo as cidades tinham a ver com a paranóia americana com a Guerra Fria. Os filmes mostravam monstros de todos os tipos, mas bem que eles poderiam estar ali representando… os russos! Os comunistas! Os vermelhos!
Os filmes de horror dos anos 50 com monstros invadindo cidades se aproveitava da paranóia anti-comunista – e a realimentava.
Um filme que marcou época, estabeleceu padrões – e rendeu várias imitações
O tema de A Noite dos Mortos Vivos/Night of the Living Dead é muito parecido com os desses filmes dos anos 50. Mas, sobretudo, o tom, o jeito, o clima, o visual, toda a, como diram os franceses, mis-en-scène.
O diretor e roteirista George A. Romero fez um filme idêntico às produções B dos anos 50.
É um visual sujo, poluído, feio. Como se o diretor de fotografia estivesse meio descuidado, ou com uma pressa danada, ou tendo que enfrentar as agruras de um orçamento apertadíssimo.
E no entanto o filme é de 1968! O mesmo ano de O Bebê de Rosemary de Roman Polanski, aquela coisa profundamente apavorante – como os Mortos-Vivos –, mas de visual límpido, bem cuidadíssimo, primoroso. O mesmo ano de 2001 – Uma Odisséia do Espaço, aquela perfeição de Stanley Kubrick que parece ter sido feito ontem, usando todos os recursos de computação gráfica que na época não existiam. O mesmo ano de O Planeta dos Macacos, o original e ótimo filme de Franklin J. Schaffner.
Todos esses três filmes de belo visual são em cores. Mortos-Vivos é em preto-e-branco esmaecido, bem mais esmaecido do que os grandes clássicos de horror da Universal no início dos anos 30.
É claro, é óbvio, que George A. Romero, ele mesmo o diretor de fotografia do filme, perseguiu propositadamente esse visual sujo, poluído, com jeito de descuidado. Ele quis fazer um filme que parecia ter sido lançado no início dos anos 50.
E é impressionante pensar que, dos anos 90 para cá, o cinema já fez bem mais que uma, que duas dezenas de filmes sobre mortos-vivos.
Todo Mundo Quase Morto (2004). Zombie Nation (2004). Zumbis: os Mensageiros do Apocalipse (2006). Zumbilândia (2009). The Dead (2010). Dead Season (2012). Orgulho e Preconceito e Zumbis (2016).
Esses aí citei ao acaso, ao dar rápida olhada no IMDb. São dezenas e dezenas e dezenas. Mais que filme sobre zumbis, nos últimos 20, 25 anos, só sobre vampiros e assemelhados.
E tudo já estava lá nesse Night of the Living Dead, esse filme concebido em 1968 para ter um visual velho, gasto, de filme B: a terra invadida por uma multidão de mortos-vivos sedentos por carne humana.
O próprio Romero voltaria ao tema, dez anos depois deste original aqui, com Despertar dos Mortos/Dawn of the Dead (1978). E mais uma vez em 2005, com Terra dos Mortos/Land of the Dead. E em 2007, com Diário dos Mortos/Diary of the Dead. E em 2009, com A Ilha dos Mortos/Survival of the Dead.
E por que não? Se estava todo mundo fazendo filme com zumbi, por que ele, que fez um dos primeiros, o que marcou época, o que estabeleceu padrões, não poderia fazer também?
Sete pessoas em uma casa cercada por mortos-vivos loucos por carne
George A. Romero e John A. Russo assinam argumento e roteiro. É uma daquelas histórias que focalizam alguns poucos personagens, um pequeno grupo, com os quais está acontecendo o mesmo que com milhares, centenas de milhares, milhões de pessoas país afora. Uma história que focaliza um microcosmo que é um exemplo do que está acontecendo em escala macro.
O grupo focalizado na história é composto por sete pessoas. São interpretados por atores que não são astros – muito antes ao contrário. Nenhum deles, que eu saiba, é muito conhecido. Mais uma vez, algo bastante propositado, me parece.
E me chamou a atenção também o fato de que nenhum desses oito personagens, que se verão numa casa isolada no meio do campo cercados por um bando crescente de mortos-vivos cada vez mais ameaçadores, é propriamente simpático. Interessante, essa opção dos autores Romero e Russo: mostrar oito pessoas que não são simpáticas, com os quais dificilmente o espectador se identificará.
Os dois primeiros personagens que o espectador vê são especialmente chatos, desagradáveis – e feios. Chamam-se Johnny (Russell Streiner) e Barbra (Judith O’Dea, à esquerda na foto abaixo); são irmãos, e viajaram várias horas durante o dia, de carro, rumo ao cemitério em que está enterrado o pai deles. As primeiras imagens são do carro dos dois irmãos viajando numa pequena estrada, enquanto vão rolando créditos iniciais de uma forma completamente diferente da usual. (Não aparecem os nomes dos atores; após o nome do filme, surgem os nomes dos autores do roteiro; em seguida, os do produtor de direção e do gerente de produção.)
Johnny demonstra não ter apreço algum pelo pai morto, não ter interesse algum em ir até o cemitério.
Barbra reclama de tudo o que Johnny fala e faz.
O dia está terminando. Lá longe, surge uma figura estranha, que vem se aproximando dos dois irmãos. Johnny já está se encaminhando para fora do cemitério, rumo ao carro, Barbra havia ficado mais para trás. A figura estranha, que anda de jeito esquisito, meio como um autômato, um robô de primeira geração, chega perto de Barbra – e a agarra.
Ela berra por ajuda, Johnny volta correndo, começa a lutar com a coisa. A coisa mata Johnny.
Barbra corre para o carro, mas parece meio boba, meio parva, meio demente – não consegue dar a partida no carro. Demora demais a dar a partida – e logo acaba batendo numa árvore. Sai então correndo, perde um pé de sapato – e a coisa vem vindo atrás dela. Devagar, mas sempre.
Barbra vê uma casa perdida no meio do campo, perdida no meio do nada, e corre para lá. A coisa vem vindo atrás dela.
A casa – ampla, de dois andares – está vazia. Lá dentro Barbra verá uma mulher morta, e morta faz tempo.
Um homem chega à mesma casa. Tenta conversar com Barbra, tenta pedir a ajuda dela, mas Barbra a essa altura está em absoluto estado de choque. Se é que algum dia teve razão, perdeu-a para sempre ao ver o irmão ser atacado por uma coisa que parece gente mas ao mesmo tempo não parece gente. A moça vai passar o filme inteiro negando para si mesma que Johnny esteja morto.
As sete pessoas vão se desentender de todas as formas possíveis
O homem que chega à casa, Ben (Duane Jones, no centro da foto acima), ao contrário de Barbra, está alerta, consciente, ligadão. Tendo visto a ação de dezenas daquelas coisas, havia conseguido fugir até aquela casa. E então se põe a trabalhar freneticamente, arrancando de onde encontra pedaços de madeira para trancar todas as portas e janelas, para não permitir a entrada das coisas.
Ele fala “coisas”, mesmo. Things.
Depois de algum tempo de atividade frenética de Ben, com Barbra em estado de choque, ausente do mundo, revela-se que há um grupo de pessoas escondido no porão da casa. Há um casal um pouco mais velho, aí pelos 40 anos, Harry (Karl Hardman) e Helen (Marilyn Eastman), que tem uma filha adolescente Karen (Kyra Schon). Karen está ferida. E há ainda um outro casal aí de uns 30 e tantos anos, Tom e Judy (Keith Wayne e Judith Ridley).
Cercados por um número cada vez maior de coisas, esses sete seres humanos vão se desentender de todas as maneiras possíveis dentro da casa que Ben tenta transformar em uma fortaleza inexpugnável. Como bem mostrava o fascinante O Diabo, a Carne e o Mundo, de 1959, se restassem apenas dois homens e uma mulher na face da terra, após um conflito nuclear, os dois homens brigariam – seria a Quarta Guerra Mundial.
As platéias têm uma incrível fascinação por filmes de terror
É um filme importante, fascinante – e profundamente… Diacho. A palavra que me vem à cabeça é disgusting. Sim: repugnante. Nojento. Asqueroso.
As pessoas têm – temos –, sem dúvida, uma fascinação sem fim por histórias de terror, monstros, espíritos, alienígenas, seres do outro mundo, de outros mundos, coisas diferentes das que vemos, tocamos. É uma coisa que parece atávica, que nasce com a gente.
Nunca vou me esquecer de Inês e Fernanda na sala do apartamento da Ministro Godoy vendo e revendo sem parar, diversas vezes em seguida, no VCR, a sequência fundamental de Caçadores da Arca Perdida de Steven Spielberg, quando a arca é encontrada, e os soldados nazistas viram gosma. Ou as cenas tétricas, mas engraçadas, engraçadas, mas tétricas, de A Dança dos Vampiros de Roman Polanski. Viam, reviam, diziam eca, morriam de rir, e aí reviam mais uma vez.
É o terrir, a mistura tétrica de terror e riso. Os adolescentes, e não apenas os americanos, adoram os slasher movies – aqueles filmes de terror em que quanto mais esguicha sangue da carótida de neguinho, mais sucesso faz. Tipo Tamara (2005), Garota Infernal (2009), A Enfermeira Assassina (2013), e toda a série True Blood, por exemplo.
As platéias de cinema adoram se apavorar – é impressionante como pululam na nossa frente filmes de terror. É só dar uma zapeada à noite por 20 canais de filmes da TV a cabo – 10 deles estão passando filmes de terror.
Há uma corrida para ver quem aterroriza mais. Fica uma disputa, uma corrida pelo exagero.
As coisas que George A. Romero e seu co-roteirista John A. Russo criaram para este Night of the Living Dead… Argh, meu Deus do céu e também da terra, que horror. As coisas que a adolescente Karen vai fazer, lá bem para o fim do filme… Meu Deus!
Fico imaginando qual seria a reação de um adolescente típico de hoje, que gosta de slasher movie, diante do que faz a adolescente Karen com seu pai e sua mãe.
Argh.
A forma como os mortos-vivos andam, o visual, o mis-en-scène – é tudo muito bom
Estou curioso para ver o que dizem os livros sobre este filme que é sem dúvida importante e profundamente disgusting. Mas gostaria antes de tentar exprimir o que exatamente admirei no filme, eu, que sou um apreciador de filmes que demonstram talento, seja de que tipo for o talento, seja de que estilo for o filme.
A forma com que Romero criou seus mortos-vivos, seus living dead. O jeito com que eles se movem, com que andam. Os extras que interpretam os mortos-vivos (e são muitos, são dezenas e dezenas) parecem ter sido treinados com o rigor com que Bob Fosse treinava seus dançarinos. Eles definitivamente não se movem como seres humanos. São mais parecidos com marionetes. É como se os joelhos e os cotovelos fossem duros, de fato sem vida.
Todo o visual, absolutamente todo aquele visual sobre o qual já falei bastante, uma coisa suja, mal cuidada, imitando coisa pobre, produção B, C, Z, num momento em que o cinema produzia filmes da beleza de um 2001 – Uma Odisséia no Espaço.
Em suma, todo o tal do mis-en-scène, o conceito básico dos críticos franceses, que são os melhores do mundo – a forma de botar em cena uma história, seja ela qual for. O jeito de encenar.
O jeito de encenar, afinal de contas, é tudo.
Quentin Tarantino, por exemplo, encena como quem quer ser visto como um novo Orson Welles.
George A. Romero encena fingindo que quer ficar parecendo quase um Ed Wood, quando, na verdade, ele está perfeitamente consciente de que está encenado como George A. Romero.
Ainda antes de passar para o que dizem os críticos, é necessário fazer um registro: lá pela metade do filme, tenta-se dar uma explicação racional para aquilo que está acontecendo, a invasão do país por mortos-vivos. Na casa de fazenda em que aquelas pessoas tentam se proteger, há um rádio – e depois elas localizam também um aparelho de TV.
O noticiário vai informando as providências que as autoridades estão tomando para tentar defender as pessoas do ataque dos zumbis carnívoros – e as teorias que os homens de ciência estão fazendo para explicar o fenômeno. O que se fala é que aquilo é o resultado de uma intensa radiação provocada por um foguete que esteve em Vênus e de lá voltou com um objeto qualquer que em contato com a atmosfera se transformou num veneno como a radiação provocada por bombas atômicas.
Algo no gênero. Um blábláblá ininteligível, mas criado para dar ao espectador a idéia de que há uma algum tipo de explicação lógica, racional, para de repente os mortos resolverem sair de suas covas loucos de fome de carne de humanos vivos.
“O filme de terror que definiu um novo padrão para o gênero”
“Parece ser uma produção barata e no início dá a impressão de que vai se transformar numa comédia”, diz o livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer. “Irmão e irmã visitam a sepultura da mãe. (Bem, eu creio que é do pai, mas não importa.) A certa altura, o irmão tenta lhe dar um grande susto, fingindo ser um fantasma querendo pegá-la. Minutos depois, contudo, ele é morto e a irmã se tranca dentro de uma casa de fazenda, junto com diversas outras pessoas, enquanto são atacados por uma multidão de zumbis recém-saídos das tumbas, desprovidos de qualquer pensamento a não ser o desejo de comer carne humana.”
E mais adiante:
“Este foi o filme de terror que definiu um novo padrão para o gênero na segunda metade do século XX, deslocando as narrativas das antiquadas convenções góticas do passado e trazendo-as para a luz fria e impiedosa do presente. A Noite dos Mortos Vivos, um clássico de George A. Romero, com seu estilo seco, quase documental, aborda questões que preocupavam os norte-americanos no final dos anos 60: distúrbios civis, racismo, o colapso do núcleo familiar, o medo das massas e o próprio Dia do Juízo Final. Tudo é incerto e o bem nem sempre triunfa. Pela primeira vez, um filme de terror refletiu o sentimento de preocupação que permeava a sociedade da época sem oferecer qualquer conforto ou segurança.”
O livro 501 Must-See Movies lista o que os editores consideram os melhores filmes de cada um de dez gêneros, e então, dentro do gênero Horror, Night of the Living Dead está na página ímpar, bem ao lado de Rosemary’s Baby.
“Um pequeno grupo de pessoas é encurralado em uma casa quando os mortos se levantam e andam de novo, famintos por carne humana. Filmado em preto-e-branco granulado com um orçamento minúsculo, Night of the Living Dead surpreendeu mesmo seus produtores quando se tornou o filme independente de maior sucesso de seu tempo, unindo as platéias e (a maioria dos) críticos.”
O texto chama a atenção para o fato de o personagem central, o homem que acaba se tornando o líder daquele grupo reunido na casa, ser negro – e elogia a interpretação do ator Duane Jones. Destaca duas das cenas mais apavorantes do filme, e conclui: “Night of the Living Dead marcou a estréia de quase todos os envolvidos na produção, incluindo Romero, mas mesmo sem que se considere este fato, ainda é um dos melhores exemplares do gênero.”
“A pedra de toque do filme de horror moderno. Não veja o filme sozinho”
O esplendoroso livro Cinema Year By Year 1894-2000 – que fala dos fatos e dos filmes mais importantes da História em verbetes escritos como se fossem notícias de jornais da época – dá o título “Horror e Beleza em ‘Os Mortos-Vivos’”. Datada de Nova York, 4 de dezembro de 1968, a “notícia” começa assim: “O filme de estréia de George Romero é uma obra chocante, feita com orçamento Z, Night of the Living Dead, filmado durante vários fins de semana na Pensilvânia. (…) Com uma habilidade digna de Hitchcock, Romero destrói as tradições do filme de horror: a aparente heroína resvala para um estado de permanente catatonia logo no início; (aqui, o texto revela spoilers, que pulo). Romero, fanático por cinema, trabalhou como auxiliar na equipe técnica de North by Northwest quando estava na faculdade. Agora sua produtora Latent Image Company, baseada em Pittsburgh, evoluiu de comerciais para um tremendo sucesso.”
Pauline Kael, a prima donna da crítica americana, a língua mais ferina do Oeste (e também do Leste, e do Centro), diz que é um dos filmes “mais medonhamente aterrorizantes que já se fizeram”. “Quando saímos do cinema, talvez gostássemos que fosse possível esquecer toda a experiência”, diz Dame Kael, num dos raros momentos em que concordo com ela.
Quando terminei de ver o filme, sozinho, de noitão, decidi ver outro logo em seguida, porque não daria para tentar dormir com aquelas imagens na cabeça. E aí fui atrás de alguma coisa bem leve, gostosa – e felizmente vi O Cavaleiro Solitário/The Lone Ranger, uma absoluta delícia, divertidíssimo a não mais poder.
Diz Dame Kael: “A seriedade granulada e banal do filme funciona em seu favor – transmite-lhe um realismo cru; mesmo a insipidez da atuação amadorística e as tentativas sem graça de comédia camp contribuem, de certo modo, para o horror – não existe arte para transmutar o vampirismo.”
Leonard Maltin dá 3.5 estrelas em 4 para o filme: “O primeiro longa metragem de Romero é a pedra de toque do filme de horror moderno: sete pessoas se refugiam numa casa de fazenda enquanto um exército de zumbis comedores de carne cercam o lugar. Antes considerado o supra-sumo da sanguinolência, o filme revira menos o estômago pelos padrões atuais. No entanto, seu poder essencial de apavorar permanece intacto, apesar de dezenas de imitações. A produção feita com uma ninharia de dinheiro apenas aumenta o valor da obra. Não veja o filme sozinho!”
Acho muito boa essa afirmação de Leonard Maltin: “Antes considerado o supra-sumo da sanguinolência, o filme revira menos o estômago pelos padrões atuais. No entanto, seu poder essencial de apavorar permanece intacto, apesar de dezenas de imitações.”
O filme rendeu mais de 363 vezes o que custou – um absoluto recorde
Deve ter sido de fato chocante demais em 1968. Segundo o IMDb, a revista Reader’s Digest – na época bastante importante, influente, tipo leitura obrigatória da classe média não intelectualizada – aconselhou os leitores a não verem o filme, alegando que ele poderia induzir as pessoas ao canibalismo!
Um nítido indício da importância de A Noite dos Mortos-Vivos na cultura pop é o fato de que a página de Trivia – detalhes e curiosidades sobre a produção – do filme no IMDb tem 91 itens. Exatamente o mesmo número de curiosidades que há na página de trívia de E.T. – O Extraterrestre, de Steven Spielberg, um dos filmes mais adorados de todos os tempos.
Confesso que não vou ter sa… digo, coragem para ler tudo isso. Basta registrar aqui o seguinte: o filme custou cerca de US$ 115 mil. Uma soma que não daria para pagar a água mineral consumida nas filmagens de um blockbuster. E teria rendido, no mundo inteiro, contando com as vendas de home vídeo e tudo, US$ 30 milhões!
Em valores de hoje – especifica o IMDb –, aqueles US$ 115 mil de 1968 seriam quase U$ 800 mil. Os US$ 30 milhões seriam equivalentes a uns US$ 210 milhões. O que significa que o filme rendeu mais de 263 vezes o que custou, e o coloca como um dos filmes independentes de maior sucesso de toda a História do cinema.
Anotação em abril de 2017
A Noite dos Mortos-Vivos/Night of the Living Dead
De George A. Romero, EUA, 1968.
Com Duane Jones (Ben, o mais ativo), Judith O’Dea (Barbra, a que perde a razão), Karl Hardman (Harry), Marilyn Eastman (Helen), Keith Wayne (Tom), Judith Ridley (Judy), Russell Streiner (Johnny), Kyra Schon (Karen Cooper, a garotinha ferida), George Kosana (xerife McClelland), Frank Doak (cientista)
Argumento e roteiro John A. Russo e George A. Romero
Fotografia George A. Romero
Montagem George A. Romero
Produção Image Ten, Laurel Group, Market Square Productions, Off Color Films.
P&B, 96 min (1h36)
***
Os filmes de terror antigos, como esse, têm a essência do que um filme de terror deve ser: aterrorizante. Seja com elegância (“A Profecia”, “O Bebê de Rosemary”) ou sem elegância (esse e, na minha opinião, todos do Marins), essas velharias são as melhores.
Gostei de ver zumbis no 50 Anos 🙂
Eu, ao contrário do Sérgio, nunca tive oportunidade de ver este filme, embora tenha ouvido e lido sobre ele.
O mais próximo que vi foi o remake de 1990 que tem o argumento reescrito pelo próprio Romero e que eu apreciei.
Prezado Sérgio,
Sobre essa seara, curiosamente um cinema fundamental:
http://m.imdb.com/title/tt1151833/
http://td1p.com/podtrash-146-biografia-roger-corman/
https://www.google.com.br/amp/s/masmorracine.wordpress.com/2011/04/04/a-contracultura-do-cinema-nos-midnight-movies/amp/
http://www.getro.com.br/2010/05/melhores-filmes-de-zumbi/#.WY_JoMtv_qA
http://www.nemumpoucoepico.com/2010/07/cinematograficamente-epico-o-cemiterio-perdido-dos-filmes-b/
https://tocaoterror.com/2013/05/19/livro-cemiterio-perdido-dos-filmes-b-exploitation/amp/
Muita coisa importante saiu desse bando de malucos, até porque são coisas assim quite renovam a arte, que forçam os limites que os figurões teimam em empurrar na gente.
Grande abraço!
Gênios do entretenimento. Coragem em inovar.
Com escassos recursos, fazer um filme que se vê hoje com susto e admiração.