Anotação em 2010: Esta é uma daquelas pérolas dos filmes B que os estúdios de Hollywood produziam nos anos 30 a 50. Na verdade, ele é bem mais Z do que B. É uma gigantesca, inacreditável porcaria, mas tão porcaria, tão porcaria, que acaba divertindo muitos apaixonados pelo cinema, acaba virando cult.
Faziam-se filmes B dos mais diversos gêneros – policiais, westerns, terror. E ainda ficção científica, em especial nos anos 50, à medida em que a guerra fria esquentava. Nada mais obviamente metafórico da paranóia de uma guerra contra a União Soviética ou uma invasão dos Estados Unidos pelas forças soviéticas do que uma invasão de alienígenas, E.T.s monstruosos.
Este filme de 1957 – que o canal TCM trouxe de volta – é desse tipo. Diferentemente dos muitos que mostravam monstros apavorando cidades americanas, no entanto, o monstro, aqui, ataca na Itália.
O monstro vem de contrabando numa nave espacial – estaria aqui a idéia inicial para Alien, o Oitavo Passageiro, o ficção científica categoria AAA de Ridley Scott, de 1979?
Para simplificar minha vida, uso a sinopse do AllMovie: “Uma das obras pré-Seventh Voyage of Sinbad de autoria do mágico dos efeitos especiais Ray Harryhausen, 20 Million Miles to Earth pede emprestadas algumas páginas de King Kong. Uma nave espacial americana cai no mar perto da costa da Sicília. As equipes encarregadas do resgate descobrem que os astronautas inadvertidamente trouxeram de volta uma curiosa massa gelatinosa do planeta Vênus. Esse monte de grude rapidamente evolui para uma criatura viva em forma de réptil, que os cientistas chamam de ‘Ymir’. Enquanto é submetida a experiências em laboratório, o Ymir começa a crescer aos pulos, e não demora para que a monstruosidade gigantesca escape e esteja espalhando devastação em Roma. Depois de lutar com um elefante no zoológico e de dar um mergulho no Tibre, a colossal criatura vai para o Coliseu.”
Há uma falha importante nessa sinopse: não são “os astronautas” que trazem de volta a massa gelatinosa, e sim apenas um astronauta, Calder, o protagonista do filme, interpretado por William Hopper; todos os demais morreram na missão a Vênus. E não se usa no filme, hora alguma, a palavra Ymir – o nome Ymir é uma lenda urbana, uma invenção.
É tudo tosco, grosseiro, grotesco
Mas dito assim como está no AllMovie, dessa maneira objetiva e apenas suave, sutilmente irônica, parece até um filme interessante. A questão é como as coisas acontecem, como o filme é feito. É tudo uma extraordinária porcaria – é a mais total e absoluta falta de talento em ação, e as situações são todas grotescas, toscas, ridículas.
Por exemplo: Calder, e mais um coronel americano, vão a uma vila do litoral Sicília, tentar interrogar os pescadores para saber se eles viram o cilindro onde estava a massa gelatinosa. E não é que todos os humildes pescadores sicilianos sabem falar inglês?
Aí o monstro, já bem crescidinho, foge, e vai parar num celeiro de uma fazenda. Luta contra o cachorro da fazenda, depois ataca o fazendeiro. Aí chegam Calder, mais um bando de carabinieri, e mais o comissário de polícia, e Calder fica tentando fazer com que o monstro entre numa jaula. É de rolar de rir da situação ridícula.
E o monstro… O monstro é um horror, uma coisa pavorosa. Tudo bem, o filme é de 1957, e é uma produção B, de orçamento baixíssimo – mas os efeitos especiais, embora feitos por um mago do seu tempo, são pré-historicamente rudimentares, uma coisa de fato monstruosa.
E há o que se chama de female interest, a mocinha que vai atrair as atenções do mocinho. Primeiro se estranham, depois se aproximam; e ela troca o curativo de uma ferida no braço dele, no meio de uma cena de ação, em que a presença dele é requisitada para ir atrás do monstro. É de chorar de rir.
A seqüência de luta entre o monstro e o elefante no zoológico de Roma é para figurar em qualquer boa antologia do que de mais grotesco se fez na história do cinema.
Uma total e absoluta delícia, uma pérola.
Ray Harryhausen, tido como um gênio dos efeitos especiais
Procurei referências ao filme ou ao diretor Nathan Juran no interessantíssimo livro de A.C. Gomes de Mattos A Outra Face de Hollywood: Filme B, editado pela Rocco. Gomes de Mattos é um pesquisador sério e dedicado, professor de História do Cinema Americano da PUC do Rio e autor de outro belo livro, O Outro Lado da Noite: Filme Noir, também editado pela Rocco. No seu livro dedicado ao Filme B, ele não menciona este filme aqui, infelizmente.
O iMDB traz deliciosas informações sobre o filme. Transcrevo algumas:
* Um dos motivos pelos quais o filme se passa na Itália é que Ray Harryhausen, o criador dos efeitos especiais, sempre quis passar férias lá, mas não tinha dinheiro para custear uma viagem por conta própria;
* O próprio Ray Harryhausen aparece numa seqüência do filme, dando amendoins para o elefante que em seguida iria lutar contra o Ymir. O ator que iria fazer aquela ponta não apareceu, e então lá foi o mago dos efeitos especiais. Mais tarde ele aparece no meio da multidão que foge do zoológico onde o monstro venusiano apronta as suas.
* As tomadas das galáxias e de dois planetas, que aparecem na seqüência dos créditos iniciais, são do filme O Dia em que a Terra Parou, importante ficção científica dirigida por Robert Wise em 1951 que seria refilmada em 2008.
Leonard Maltin só tem elogios para o filme!
Ray Harryhausen, diz sua biografia no iMDB, é “o nome que personifica a magia do cinema, quando se trata de efeitos especiais”. Desde seus primeiros filmes, a partir de 1942, até o último, “Harryhausen impregnou magia e força visual nos efeitos especiais dos filmes como nenhum outro técnico fez, antes ou depois dele.”
Nunca tinha ouvido falar nele. Vivendo e aprendendo e depois esquecendo.
E – ahá! Vou ao Cinemania e vejo que Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4 para esta josta! “Primeira nave espacial a Vênus cai no mar perto da Sicília, com dois sobreviventes: o piloto Hopper e um monstro venusiano que cresce velozmente e só quer ser deixado em paz (mas luta quando o atemorizam). Roteiro inteligente, ritmo rápido, e excepcionais efeitos especiais de autoria de Ray Harryhausen fazem deste filme um dos melhores sobre monstros-à-solta de todos os tempos. Curiosamente, o monstro não tem nome no filme, mas é conhecido como ‘o Ymir’ pelos fãs.”
Maravilha. Eu digo que é “uma gigantesca, inacreditável porcaria”; eu não sou crítico nem nada, só um curioso. Maltin é o autor do guia de filmes mais vendido do mundo, e diz que é um dos melhores filmes sobre monstros de todos os tempos. Sou mais o Maltin, e recomendo a mim mesmo ver de novo esta obra-prima.
Grande TCM, que traz de volta estas pérolas do passado.
Vejo na internet que o filme foi lançado em versão colorizada. A versão que o TCM apresenta, felizmente, é o original preto-e-branco.
A 20 Milhões de Milhas da Terra/20 Million Miles to Earth
De Nathan Juran, EUA, 1957
Com William Hopper (Calder), Joan Taylor (Marisa), Frank Puglia (Dr. Leonardo), John Zaremba (Dr. Judson Uhl), Thomas Brown Henry (General A.D. McIntosh), Tito Vuolo (comissário de polícia)
Roteiro Christopher Knopf e Bob Williams
Baseado em história de Charlotte Knight
Fotografia Irving Lippman
Música Mischa Bakaleinikoff
Efeitos visuais Ray Harryhausen
Produção Columbia Pictures, Morningside
P&B, 82 min
*
Vi este filme quando era garotinho, e confesso que tive medo do Ymir. Achei os efeitos especiais muito bons para a época!
O filme é realmente uma maravilha, um dos melhores filmes de monstros. Impressiona, inclusive a criatura. Mais criativo e interessante que muitos filmes atuais, que têm efeitos espetaculares, mas chatos e artificiais. Os detalhes apontados são coisas de cinema, não depreciam uma obra de ficção. Não chame o filme de porcaria, porque até você se rendeu a ele.
“É uma gigantesca, inacreditável porcaria, mas tão porcaria, tão porcaria, que acaba divertindo muitos apaixonados pelo cinema, acaba virando cult.”
É inacreditável como as opiniões são diferentes! Considero o filme espetacular. Os “entendidos” não entendem absolutamente nada!!! Afinal, como dizer que uma obra é porcaria se perdura por décadas com comentários favoráveis?
Sob qualquer ângulo que se analise, o filme desperta a atenção.
“Nunca tinha ouvido falar nele (Ray Harryhausen)”. Manja muito de cinema…