Phoenix

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2.0 out of 5.0 stars

Phoenix, caprichada produção de 2014, começa muito bem – e a expectativa então é de que teremos um grande filme. Afinal, o diretor Christian Petzold e sua atriz preferida Nina Hoss vinham de um filme belíssimo, Barbara (2012), com roteiro do diretor e de Harun Farocki, exatamente como este aqui.

Diretor e atriz se conhecem bem, confiam um no outro, jogam com segurança: dos sete filmes de Christian Petzold, cinco têm Nina Hoss no elenco.

Barbara demora para revelar isto, mas a ação se passa na Alemanha Oriental, a então República Democrática Alemã, em 1980. Assim como Barbara, este Phoenix não tem aquele letreiro para informar ao espectador o onde e o quando, mas eles ficam muito claros já na primeira sequência, quando duas mulheres chegam de carro, à noite, a uma barreira policial de fronteira, e um soldado americano pede os documentos das duas. Estamos na Alemanha logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, no setor dominado pelos americanos.

A mulher que está sentada no banco do carona tem o rosto quase completamente envolvido por gaze e ataduras.

A motorista – que se chama Lene Winter (interpretada pela ótima Nina Kunzendorf) – explica ao soldado americano que sua amiga tinha estado em um campo de concentração.

O soldado exige assim mesmo que a mulher tire as ataduras para que ele possa ver seu rosto.

Lene diz que ela evidentemente não é Eva Braun.

A brincadeira não mexe no humor do soldado, que insiste em ordenar que a mulher retire as ataduras.

A câmara não ousa mostrar o rosto. Fica, nesse momento, no rosto do soldado. Ele pede desculpas à mulher, devolve os documentos para Lene, dá ordens para que deixem o carro passar.

Desde o primeiro momento, desde a primeira imagem, ouvimos as notas de “Speak low”, a canção de Kurt Weill e Ogden Nash. É um solo de baixo, impressionante.

“Speak low” terá importância imensa na trama. Na sequência climática do final, ela será cantada por Nelly Lenz – o papel de Nina Hoss.

Só veremos o rosto inteiro de Nelly Lenz-Nina Hoss quando já estamos aí com uns 15, talvez 20 minutos de filme.

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Foi pelo amor ao marido que Nelly teve forças para sobreviver

Quando a narrativa começa, Lene está trazendo de volta para Berlim, vinda da Suíça, sua grande amiga Nelly Lenz, que tinha tido o rosto inteiramente desfigurado no campo de concentração para onde havia sido levada em 1944, menos de um ano antes do fim da guerra.

Lene e Nelly vão a um cirurgião plástico. Ele pergunta que tipo de rosto ela gostaria de ter, com a cirurgia à qual iria se submeter em seguida, e Nelly diz, com absoluta segurança, que quer que o rosto fique exatamente igual ao que era antes.

O médico não tenta esconder dela que aquilo é o mais difícil de se conseguir.

Lene faz tudo pela amiga. Aluga um apartamento para as duas. Cuida dela enquanto ela vai se recuperando das misérias a que foi submetida no campo de concentração, e depois, enquanto vai se recuperando da operação plástica.

Ela pergunta quem está pagando por aquilo tudo, e Lene explica que é dinheiro que a própria Nelly herdou, já que toda sua família havia sido dizimada pelos nazistas, e ela era a única sobrevivente, portanto a única herdeira.

O plano de Lene é se mudar, junto com Nelly, para a Palestina, onde os judeus pretendiam instituir um Estado onde – como ela diz – pudessem enfim viver em paz, em segurança.

Mas Nelly não demonstra grande interesse nisso. Ela quer é reencontrar Johnny, seu marido, que ela ama perdidamente, por quem ela conseguiu forças para sobreviver no campo de concentração. Lene tenta convencê-la de que Johnny a traiu, que não merece seu amor, que ela deve esquecê-lo. (Ficará claro que Nelly, assim como Lene, é judia, e que Johnny não é.)

Algumas semanas depois da operação plástica, já sem as ataduras no rosto, apenas ainda com um esparadrapo no nariz, Nelly vai visitar – levada por Lene, é claro – as ruínas da casa em que viveu com Johnny.

É a primeira sequência em que vemos o rosto de Nina Hoss.

Ela caminha no meio das ruínas da casa – e, de repente, se vê, vê sua imagem refletida em pedaços de um espelho quebrado. Vê nas ruinas do passado, em pedaços de espelho, um rosto que não é o que tinha antes.

Aturdida, embargada, volta para o carro de Lene.

É uma sequência duríssima, fortíssima, belíssima.

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Fênix, o pássaro que renasce das próprias cinzas

Até aqui, um belo início de filme.

Uma mulher que todos acreditavam que havia morrido no campo de concentração. Que teve seu rosto dilacerado pela brutalidade dos nazistas. Que, por uma incrível força de vontade, por uma fantástica determinação, renascia das cinzas, como o fênix da lenda, como o título do filme, num país massacrado, destruído, acabado, invadido por soldados de quatro potências estrangeiras.

Fênix. O romance em que Christian Petzold e Harun Farocki se basearam para criar o roteiro deste Phoenix, de autoria de Hubert Monteilhet, publicado em 1961, chama-se Le Retour des Cendres, a volta das cinzas.

Uma beleza de início de história, de filme.

A partir daí, no entanto, tudo desanda, tudo se perde.

Isso, é claro, na minha opinião, que, como faço sempre questão de repetir, vale no máximo uns três guaranis furados.

Para explicar por que o filme desanda completamente, é preciso relatar, ainda que bem rapidamente, fatos que acontecem a partir aí de uns 25 minutos de narrativa. Assim, o eventual leitor que ainda não viu este Phoenix não deve ler a partir daqui.

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Atenção: a partir daqui, spoiler. Quem não viu o filme não deve continuar lendo

Nelly passará a sair às ruas à procura de Johnny.

Como num passe de mágica – ou como num roteiro que pisa no tomateiro –, ela encontrará Johnny (Ronald Zehrfeld), sim, trabalhando como auxiliar de serviços braçais, quase um faxineiro, num bar.

Encontrar o ex-marido na segunda ou terceira noite em que sai de casa, numa metrópole do tamanho de Berlim, de fato, só num passe de mágica – ou num roteiro mal escrito.

Num recurso fácil, óbvio, que de tão óbvio fica grotesco, ridículo, o bar em que ela reencontra o marido se chama Phoenix.

Ela se dirige a ele, mas ele não a reconhece. O que é aceitável, já que ela tinha tido seu rosto esfacelado, e tinha sido submetida uma cirurgia plástica trabalhosa.

Mas, ao mesmo tempo, Johnny acha que aquela mulher que surgiu de repente se parece com Nelly. E imediatamente bola um plano: aquela mulher vai se fazer passar por Nelly, e então recuperar a fortuna deixada de herança pela família, e ele embolsará o butim.

E a partir daí temos que Johnny vai tentar ensinar a mulher desconhecida a se comportar e a se vestir como a falecida Nelly.

De tal maneira que Nelly, renascida das cinzas, terá – como dirá à amiga Lene – ciúme dela mesma.

Um homem que ensina uma mulher a se comportar e a se vestir como uma falecida. Nós todos já vimos essa história, é claro – sim, Vertigo, Um Corpo Que Cai (1958), a obra-prima de Alfred Hitchcock.

O IMDb traz a seguinte afirmação, na página de Trivia: “Algumas inspirações para o filme vieram de Um Corpo Que Cai (1958), Alemanha, Ano Zero (1948), Fuga ao Passado (1947), film noir e os trabalhos de Douglas Sirk.”

Meu Deus do céu e também da terra…

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Claro, há quem adore o filme. Então tá

Dá para admitir que um sujeito conviva intimamente com sua mulher e não a reconheça – mesmo tendo o rosto dela passado por uma grande transformação?

Pode um sujeito beijar uma mulher e não reconhecer que aquela era a sua própria mulher?

Ora, façam-me o favor! Coisa ridícula.

Há quem goste do filme, é claro. Li na internet um texto de um blog português falando maravilhas de Phoenix.

Então tá.

Anotação em agosto de 2016

Phoenix

De Christian Petzold, Alemanha-Polônia, 2014.

Com Nina Hoss (Nelly Lenz), Ronald Zehrfeld (Johnny Lenz), Nina Kunzendorf (Lene Winter), e Trystan Pütter (soldado), Michael Maertens (Arzt), Imogen Kogge (Elisabeth), Felix Römer (Geiger), Valerie Koch (Tänzerin), Eva Bay (Tänzerin), Jeff Burrell (soldado no clube)

Roteiro Christian Petzold e Harun Farocki

Baseado na novela de Hubert Monteilhet

Fotografia Hans Fromm

Música Stefan Will

Canção “Speak low” de Kurt Weill-Ogden Nasch

Montagem Bettina Böhler

Produção Schramm Film Koerner & Weber, Bayerischer Rundfunk, Westdeutscher Rundfunk.

Cor, 98 min

**

2 Comentários para “Phoenix”

  1. Vi esse filme no ano passado, provavelmente porque fui atrás de outra produção com Ronald Zehrfeld, esse cara gato e bom ator, depois de ter visto “Barbara”.
    História fraca e inverossímil, mas acho que me prendeu (vai muito do estado de espírito, né?). Gostei do final, do susto que Johnny leva; me lembro de ter achado a última cena tocante, triste.
    Hilário o IMDb falar que o filme foi “inspirado” em outros com temática parecida; filmes esses muito melhores, diga-se de passagem.

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