Barbara

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3.5 out of 5.0 stars

Uma beleza, uma maravilha, um filmaço, este Barbara, que o diretor alemão Christian Petzold escreveu (com a colaboração de Harun Farocki) e dirigiu com a ótima atriz com quem trabalha sempre, Nina Hoss.

Barbara é, ao mesmo tempo, violentíssimo, virulentíssimo, e também sutil, econômico nas palavras.

Essa sutileza, essa fuga proposital de algumas explicitudes, isso me impressionou demais.

Não sei se estou ficando neuroticamente preocupado, grilado com essa coisa de spoiler, de ficar adiantando para o eventual leitor informações que o filme só vai mostrar passado algum tempo.

Mas acho que as sinopses deveriam ser cuidadosas; não deveriam entregar de cara informações que o autor demora para apresentar. Isso de fato estraga o prazer de se ver um filme pela primeira vez.

Tudo bem, há muita gente que gosta de ler sobre os filmes antes de vê-los, até para saber do que se trata, para decidir se vale a pena ver. Mas também há quem prefira não ler nada, sequer sinopses, e ir sendo surpreendido pela história enquanto ela vai se desenrolando. Bem, eu sou assim – e é claro que não sou o único.

Barbara é um exemplo perfeito desse tipo de coisa. As sinopses que li depois de ver o filme entregam de cara informações que demoraram a aparecer no filme. A própria contracapa do DVD dá informações importantes na primeira linha – e com um erro crasso, além de tudo.

Dizem a época e o lugar em que se passa a ação.

Ora, o filme não diz isso.

Muitos filmes trazem letreiros com o lugar e a data. Barbara não traz.

Se o autor não quis dar essas informações, se ele escolheu propositadamente uma forma sutil, não explícita, por que então as sinopses contrariam o jeito com que a história é contada?

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Uma médica que trabalhava em Berlim apresenta-se no interior

Aqui vai o que o filme mostra em seus primeiros cinco minutos. Depois disso, vou avisar que o que se segue é spoiler – muito embora seja o cerne de tudo.

A primeira tomada é um close-up de uma mulher de pé num ônibus. Ela é interpretada por Nina Hoss, e pode-se deduzir que é a Barbara do título. Uma mulher que aparenta ter aí em torno de 40 anos, magra, com olhos gigantescos, expressivos. O ônibus pára, a mulher e diversos outros passageiros descem.

A segunda tomada é um plano geral, visto do alto, as pessoas saindo do ônibus, caminhando cada qual para seu lado. A mulher olha o relógio.

Um close-up de um jovem de barba, de jaleco branco. Veremos depois que ele é o dr. Andre Reiser (Ronald Zehrfeld), e ocupa uma posição de chefia naquele hospital. Ele está olhando a mulher lá embaixo pela janela do segundo andar.

A mulher se senta em um banco da rua, cruza as pernas, acende um cigarro.

– “É ela?” – pergunta o médico.

Um homem se levanta da cadeira em que estava sentado, aproxima-se da janela, observa a mulher sentada lá embaixo e responde para o médico: – “É.” E, depois de uma pausa: – “Ela não vai chegar nem um segundo mais cedo. Ela é assim.”

– “Assim como?” – pergunta o médico.

– “Se ela tivesse seis anos, isso se chamaria fazer birra.”

– “Ela está sozinha aqui?”

– “A prisão desfez seu círculo de amizade.”

Corta, e estamos numa sala do hospital. O médico está fazendo a apresentação da mulher para a equipe:

– “A dra. Wolf vai trabalhar aqui na clínica pediátrica. Ela vem de Berlim, do Hospital Charité. Ela decidiu…”

Uma médica da equipe o interrompe: – “Já nos apresentamos.”

O dr. Reiser compreende imediatamente que não é necessário dizer mais nada, e então passa a falar do trabalho: – “Tudo bem. Vamos continuar com a fratura no tornozelo do rapaz. Não há inchaço. Vamos retirar o dreno.”

Atenção: a partir daqui, spoilers

Tudo, ou quase tudo, na vida, é questão de opção. O mínimo que se pode fazer, ao comentar um filme, é avisar ao eventual leitor que ele pode optar entre continuar lendo – e nesse caso receberá informações que o filme demora a entregar – ou então parar.

BARBARA Regie Christian Petzold

Quem gosta de filmes em geral vai atrás de comentários depois que vê uma determinada obra, para checar a opinião dos outros, ter mais informações. É para essas pessoas que publico aqui minhas anotações. Se alguém lê um texto aqui é porque optou por fazê-lo. Mas entendo que é meu dever avisar – como em geral se faz nos sites sobre filmes – quando haverá spoilers.

Barbara começa com um tom um tanto de mistério, em que muita coisa não é dita com todas as palavras. E isso é parte integrante do cerne da obra: estamos numa situação em que não se pode dizer tudo abertamente. As pessoas se mostram receosas de falar claramente algumas coisas.

Só quando o filme está com exatos 25 minutos há um diálogo entre Barbara e o dr. Reiser que revela para o espectador por que motivo ela saiu de Berlim e está ali naquela clínica do interior, de uma pequena cidade num ambiente rural.

É claro, é óbvio que qualquer espectador um pouco mais velho, bem informado, vai percebendo bem rapidamente do que se trata. Mas o filme leva 25 minutos para dizer explicitamente por que a dra. Barbara Wolf havia sido presa e forçada a ir para aquele hospital distante, interiorano.

É claro, é obvio que é a República Democrática Alemã, criada em 1949 com a divisão da Alemanha derrotada na Segunda Guerra em duas, a Oriental comunista, satélite da União Soviética, e a Ocidental capitalista, depois da ocupação pelas tropas de Grã-Bretanha, Estados Unidos e França.

O filme não esconde este dado em momento algum – mas também não explicita.

A palavra Stasi não é pronunciada uma única vez ao longo de todo o filme.

A Stasi está presente em cada momento, desde o iniciozinho do filme; o homem que conversa com o dr. Reiser na primeira sequência, Klaus Schütz (Rainer Bock), é um oficial da Stasi, o chefe local da Stasi.

O diretor Christian Petzold poderia ter optado por botar o letreiro no início da narrativa: República Democrática Alemã, 1980. (Aliás, em momento algum do filme se diz explicitamente o ano em que se passa a ação. Só bem depois da metade ouve-se no rádio a transmissão de uma competição esportiva – é, conforme se lê nos créditos finais, uma prova da Olimpíada de Moscou, portanto de 1980.)

Então: o realizador poderia ter dito isso com todas as letras, República Democrática Alemã, 1980. Mas optou por não fazer isso. Optou por ir contando sua história de uma forma às vezes pouco explícita, com elipses – e, na minha opinião, fez isso propositadamente, propositadissimamente, porque, sob as ditaduras mais duras, mais violentas, mais cruéis, em que a polícia política está presente em cada canto, muitas coisas não são ditas de maneira clara, explícita. Porque as pessoas vivem com medo, todas elas, mesmo as que não têm nada a ver com política.

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Esse ambiente asfixiante, claustrofóbico, de absoluta falta do oxigênio da liberdade, é realçado pela forma com que Petzold escolheu para narrar sua história. Com meias palavras. Com diálogos que às vezes dizem mais nas entrelinhas do que nas palavras pronunciadas.

Mais até que as palavras, importam os silêncios no meio de um diálogo, os pequenos gestos.

A médica Barbara está sempre olhando para os lados, procurando ver se está sendo observada naquele momento, procurando ver onde estão as pessoas encarregadas de vigiar cada um de seus passos.

Nas ditaduras, as pessoas têm medo da própria sombra

Quando o filme está ali com uns cinco minutos, o dr. Reiser leva sua equipe – inclusive a médica recém-chegada de Berlim – para examinar o garoto que tinha tido o tornozelo fraturado. Na seqüência seguinte, ele está com alguns membros da equipe no refeitório do hospital. Barbara, a estranha, vem caminhando na direção deles, segurando o bandejão. Reiser faz um pequeno gesto como quem espera que ela vá se sentar à mesa com eles – há um lugar vago –, mas Barbara diz “Bom apetite”, passa por eles, e vai se sentar a uma mesa afastada.

Uma médica da equipe diz: – “Berlim…”

Uma outra pessoa da mesa de Reiser diz: – “E como!”

É um exemplo perfeito do tom de todo o filme: meias palavras. Frases não ditas com todas as palavras.

Nas ditaduras, as pessoas têm medo da própria sombra.

Na sequência seguinte, Barbara, terminado seu turno, sai do hospital. Fica de pé no ponto de ônibus. O carro de Reiser passa por ela, depois pára, dá ré. Ele oferece carona, diz que o ônibus vai demorar.

Só depois de se sentar no banco do carona e ficar um instante em silêncio ela agradece. Não sorri.

Ao longo de todos os 105 minutos do filme, a dra. Barbara Wolf-Nina Hoss só sorrirá uma única vez, quando a narrativa está se aproximando do fim.

Reiser tenta puxar conversa, pergunta se ela gostou do trabalho, da unidade. Ela responde apenas: – “Foi meu primeiro dia”.

Pausa, silêncio. Reiser tenta novamente: – “Você não deveria se afastar dos outros. As pessoas são muito sensíveis aqui. Berlim, capital, Hospital Charité. Elas se sentem inferiores.”

Ela: – “Por isso você falou sobre afastamento? Para não se sentir inferior?”

É a vez de Reiser ficar em silêncio.

Passam por uma bifurcação na estradinha em meio ao campo aberto. O hospital fica a alguns quilômetros da pequenina cidade.

Ela diz, seca: – “Você deveria ter perguntado antes do cruzamento. (…) Deveria ter perguntado onde eu moro. Mas isso você já sabe. Ou por que vim para o interior. Mas isso você já sabe também. Não finja estar surpreso. Eles falaram com você. Você foi preparado.”

E em seguida pede para ele parar o carro para que ela desça. Sai sem agradecer.

Vemos então Barbara no apartamento que haviam arrumado para ela. Tomou banho, está de roupão branco. Aproxima-se da janela de seu apartamento: um carro está parado lá embaixo. A Stasi – embora a palavra não seja pronunciada uma única vez – está ali, tomando conta, observando.

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Um passeio furtivo, e na volta a casa de Barbara é revistada

Poucas seqüências depois, Barbara faz um passeio um tanto furtivo; vai de bicicleta até uma estação, toma um trem, chega a um restaurante no meio do campo. No banheiro, é abordado por uma garçonete, que entrega para ela um pequeno pacote.

No trem de volta – em que, como na vinda, olha para os lados, para a frente, para trás, para se certificar se está sendo observada –, abre o pequeno embrulho. Vemos uma grande quantidade de notas de 100 marcos.

De novo com a bicicleta, Barbara pára junto a algumas pedras sob uma cruz, e deposita num buraco sob as pedras o embrulho com a fortuna.

Um passeio furtivo, um encontro que obviamente havia sido combinado com antecedência, um pacote de dinheiro.

Quando Barbara retorna para casa desse passeio, é interceptada pelo homem da Stasi.

Na sequência seguinte, vemos que o homem da Stasi fica sentado enquanto seus capangas fazem uma revista em todos os móveis do apartamento, todos os pertences de Barbara.

Ela está de pé, observando.

Toca a campainha. É uma mulher da Stasi, que vai enfiar a mão os orifícios do corpo de Barbara, à procura de algum indício de crime.

Neste momento, estamos com 18 minutos de filme.

 Barbara tem um clima dos filmes sobre espionagem

Barbara tem às vezes – como na sequência do passeio misterioso, antes da brutal revista da casa e do corpo da jovem médica – um tom dos filmes de espionagem feitos na época da guerra fria, entre as décadas de 50 e 70.

Não sei se o realizador teve essa intenção, mas tive essa sensação ao ver Barbara: é mais ou menos como os filmes sobre as pessoas na Alemanha, nos países próximos ao que então se chamava de Cortina de Ferro – movimentos furtivos, encontros marcados previamente para despistar a polícia política. O espectador não percebia muito bem como as coisas se desenrolavam, exatamente que tipo de subterfúgios eram usados para se marcar os encontros.

zzbarbara6Tudo é um tanto nebuloso, feito às escondidas, sub-repticiamente. Subterraneamente. E aí não é apenas como na guerra fria, mas também como eram os movimentos da resistência ao nazismo. Como na ditadura dos milicos instaurada no Brasil em 1964. Como era também, por exemplo, na União Soviética, mesmo já nos tempos da glasnost, como se mostra maravilhosamente bem em A Casa da Rússia, o belíssimo filme baseado no romance pesado de John Le Carré, em que a moça russa de beleza esplêndida trafica informações sigilosas obtidas pelo namorado, um físico dissidente, para o amigo inglês.

É isso, é exatamente isso: John Le Carré! Barbara tem, em alguns momentos, um clima bastante semelhante ao que John Le Carré cria em seus romances sobre a guerra fria, os espiões, os treinados e os não, os amadores transformados em espiões por alguma circunstância específica, muitas vezes alheia à sua própria vontade.

É uma denúncia virulenta, mas feita em tom menor

Barbara tem em muitos momentos esse tom dos filmes de espionagem, o tom dos romances de Le Carré. Mostra-se um mundo de sombras, que o espectador não compreende totalmente.

É uma virulenta denúncia contra os males do totalitarismo, da ditadura, do estado policial. É o 1984 de George Orwell – com a diferença fundamental de que Orwell descrevia uma distopia, um eventual possível futuro de horrores, e Barbara mostra uma realidade que de fato existiu, num passado bem recente, recentíssimo. A Alemanha comunista da Stasi onipresente, onisciente, existiu de fato entre 1949 e 1990, o ano da queda do muro e da reunificação do país – não foi uma ficção distópica.

Aquela coisa que o filme mostra, a total, inimaginável privação de liberdade individual – tão fantástica, absolutamente inaceitável quanto a inventada por Orwell em seu livro lançado em 1949 – era a mais exata realidade na Alemanha de 1980, quando minha filha tinha 5 anos de idade.

O realizador Christian Petzold faz a sua denúncia de forma virulenta – mas, ao mesmo tempo, ele escolheu um tom menor para fazê-la.

Barbara me pareceu assim como aquela coisa do oxímoro: é um berro sufocado, um silêncio gritante, uma explosão silenciosa.

Diveros filmes recentes sobre a vida sob o jugo da ditadura comunista foram muito mais explosivos, formalmente, que Barbara. Há belíssimos exemplos, feitos na Geórgia, na ex-Iugoslávia e sobretudo na Romênia, como Os 27 Beijos Perdidos, Casamento Silencioso, Contos da Era Dourada, A Leste de Bucareste.

Na forma, Barbara não se parece com esses filmes – embora o que ele diga seja bem próximo deles.

O autor Christian Petzold nasceu em 1960, 15 anos após a derrota do nazismo, 20 anos antes da derrota do comunismo.

Barbara é uma espécie de A Vida dos Outros que trata de pessoas comuns

O jovem cinema alemão, muito tempo pós Rainer Werner Fassbinder, tem produzido belíssimas obras sobre os traumas deixados pelo nazismo – é isso é muito bom, é excelente, é extraordinário.

zzbarbara9O número de filmes sobre os traumas deixados pelo comunismo, no entanto, é bem menor. Há, é claro, Adeus, Lênin, aquela maravilha, feita inteiramente com um tom de humor irônico, extremamente amargo. Há o muitíssimo menos conhecido do que deveria Querido Muro de Berlim/Liebe Mauer, de 2009, Aprendendo a Mentir/Liegen Lernen, de 2002. Pode ser que haja muitos outros, mas não conheço.

E há, é claro, A Vida dos Outros/Das Leben der Anderen, de 2006, aquela obra-prima.

Barbara é assim uma espécie de A Vida dos Outros que trata de pessoas comuns, normais, não famosas.

O protagonista de A Vida dos Outros é um escritor conhecido, famoso, importante.

A dra. Barbara Wolf é mostrada como uma pessoa comum, normal, gente como a gente.

As ditaduras não aceitam uma única pessoa que seja contra elas

Mary admirou Barbara quase tanto quanto eu – mas um pouco menos. Levantou dúvidas, questões. Três, a rigor:

a)    Não seria admissível que a Stasi desse tanta importância, pusesse tanta gente para vigiar uma médica que não era uma pessoa famosa, como um Sakharov da vida real, ou o fictício escritor Georg Dreyman de A Vida dos Outros;

b)    É incompreensível como, sob tanta vigilância, Barbara conseguia fazer contatos com o amante, como podia estabelecer os locais de encontro, como pôde ter ido, por exemplo, recolher aquela fortuna de marcos em notas no restaurante afastado;

c)    Não se explica como a garota Stella (Jasna Fritzi Bauer) conseguiu descobrir o endereço de Barbara. É algo improvável, inverossímil.

Concordo plenamente com Mary que a questão c) é insolúvel. A rigor, pela lógica, a garota Stella – que Barbara fica conhecendo no hospital – não teria condições de descobrir o endereço da médica. Parece realmente um furo do roteiro.

Quanto à questão b), dou desconto, por motivos já mencionados acima. Faz parte da compreensão dos filmes sobre a resistência ao nazismo, sobre espionagem, sobre guerra fria, que haja zonas cinzentas, que o espectador não compreende perfeitamente. Há códigos entre os opositores dos regimes totalitários que nós, os outros, os que não somos os agentes, não percebemos direito.

Minha discordância com a opinião da minha mulher é quanto ao item a). Para mim, ficou claro que o filme quis ir além do que A Vida dos Outros tinha dito, mostrado.

As ditaduras não põem sua polícia política atrás apenas das pessoas importantes, que têm voz, que podem influenciar a opinião dos outros.

O que, na minha opinião, Barbara quer dizer é exatamente o contrário: os regimes totalitários não aceitam a existência de ninguém, de nem uma única pessoa, que seja contra eles.

Não precisa ser uma pessoa que de alguma maneira adquiriu nome importante na comunidade internacional, como os grandes dissidentes russos, do tipo de Sakharov.

Para os regimes totalitários, qualquer pessoa que não baixe a cabeça – mesmo que seja apenas uma médica cujo maior crime foi ter registrado o seu desejo de sair do país –, é inimigo público número 1.

Um belo estudo de personalidades

Barbara é realmente um filmaço. Não só do ponto de vista do macro, da política, da denúncia virulenta contra o totalitarismo, mas também do estudo das personalidades.

BARBARA Regie Christian PetzoldO roteiro de Christian Petzold é brilhante na construção dos personagens centrais. O espectador vai percebendo nitidamente como vai se construindo a relação entre Barbara e seu chefe, o dr. Reiser. Ela está sempre crispada, fechada – não só para Reiser, mas para todos os que a rodeiam. Desconfia de tudo e de todos – cada uma daquelas pessoas com quem ela convive pode estar dando informações à Stasi sobre os seus passos, seus movimentos, suas palavras.

Reiser deve seguramente ter sido, sim, “preparado”, como ela diz naquele diálogo no início da narrativa, para informar ao oficial da polícia política sobre o comportamento da dissidente, da inimiga do regime e portanto do povo da gloriosa Nação Comunista. Mas, ao mesmo tempo, ele não parece ser um comunista de carteirinha, um leal e dedicado servidor do governo, da polícia política.

Reiser tenta mostrar isso a Barbara, de maneira sutil, em meias palavras – mas ela se mantém com os dois pés atrás, crispada, fechada.

Ele vai se sentindo cada vez mais atraído, fascinado mesmo por aquela mulher que havia sido presa e agora estava exilada na província distante, e que vai demonstrando a cada momento sua competência profissional. A admiração de Reiser por Barbara vai aumentando a cada nova sequência – mas, fechada, crispada, ela se recusa a compreender isso.

Acha que o superior está tentando ganhar a confiança dela para obter maiores informações a serem passadas para a polícia política.

Há um diálogo magnífico, quando a narrativa já se aproxima do fim, e que revelo aqui já que os avisos de spoiler lá em cima foram bem explícitos.

zzbarbara99Reiser e Barbara estão no carro dele. Ela acabava de saber que Reiser cuida da mulher do oficial da Stasi, doente terminal.

Ela se revolta, e explicita sua raiva falando palavras que a precaução mandaria evitar: – “Desde quando você cuida desses monstros?”

E Reiser responde: – “Quando eles estão doentes.”

***

Eis a primeira frase da sinopse da contracapa do DVD lançado no Brasil pela Europa Filmes: “Na Alemanha Ocidental dos anos 1980, Barbara é uma médica de Berlim que é banida da cidade e enviada para o interior do país”.

Além de revelar o onde e o quando que o diretor demora para apresentar no filme, o redator trocou Oriental por Ocidental. Meu Deus do céu e também da terra.

Anotação em agosto de 2013

Barbara

De Christian Petzold, Alemanha, 2012.

Com Nina Hoss (dra. Barbara Wolf)

e Ronald Zehrfeld (dr. André Reiser), Rainer Bock (Klaus Schütz), Jasna Fritzi Bauer (Stella), Christina Hecke (Schulze), Claudia Geisler (Schlösser), Peter Weiss (estudante de Medicina), Carolin Haupt (estudante de Medicina), Deniz Petzold (Angelo),

Argumento e roteiro Christian Petzold, com a colaboração de Harun Farocki

Fotografia Hans Fromm

Musica Stefan Will

Montagem Bettina Böhler

Produção Schramm Film Koerner & Weber, Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF). DVD Europa Filmes.

Cor, 105 min

***1/2

11 Comentários para “Barbara”

  1. Gostei muito de “Barbara” e só por falta de tempo ainda não foi colocado no By Star. Sua análise está maravilhosa e dá vontade de rever o filme. Experimentando esse clima sufocante, opressor, de total desrespeito ao indivíduo, como é possível que ainda haja quem defenda ditaduras?

  2. Assisti este filme em 14 de agosto deste ano e também gostei muito. E , logo depois em 18 do mesmo mes,assisti também com a Nina, “Uma Janela Para o Verão” de 2011.
    Não achei um grande filme, este “Barbara” é muito melhor.
    ” A Vida dos Outros “, que voce cita neste texto, de fato , uma verdadeira obra-prima que eu assisti em setembro do ano passado.
    Se não estou enganado comentamos algo sôbre este filme na época.
    Gosto muito do ator Sebastian Koch que viveu o dramaturgo Georg. Um final maravilhoso que arrepia. Vi tbm com ele “A Espiã” de 2006.
    Com certeza uma coisa sufocante a pessôa andar sempre com a impressão de estar sendo observada, vigiada,se assustar com a própria sombra, meu Deus !!
    Quando voce diz que o diretor optou por ir contando a história de forma às vezes pouco explicita, foi de propósito mesmo,porque sob as ditaduras mais duras , mais violentas, etc . . . muitas coisas não são ditas claramente, acho que voce quis dizer que ele
    fez isto com a mesma intençao do filme , ele quis passar a mesma sensação, não sei se estás me entendendo e , então acho que compreendi porque voce gostou de não saber certos detalhes, coisa esta, que voce sempre gosta de saber tipo,lugar,cidade,onde,quando.
    Será que estou certo ?
    Um filmaço este ” Barbara ” . Aliás, a Nina Hoss, é bem mais bonita que aqui no fime.
    Um abraço !!

  3. Bôa tarde, Sergio.
    Voltei para dizer que acabei de assistir outro filme com a Nina Hoss.
    Gostei muito. Para mim, um grande filme.
    Sôbre a segunda guerra mundial, já perto do seu final. Não tem combates. Mostra sim, um outro lado desse conflito. Quando os russos tomam Berlim e daí vem aquele estupro em massa das mulheres alemãs.
    O filme é baseado no diário de mesmo nome.
    ” Anonyma – Uma Mulher em Berlim ”
    A Nina está muito bem. Acho que vale uma conferida tua. E, os amigos do ” 50 Anos de Filmes ” que aqui vierem , sugiro também que assistiam. Acho que vão gostar.
    Um abraço !!

  4. Um filme muito bom, de um gênero do qual sempre fui fã; gostei muito (mesmo tendo assistido com uma legenda meia boca, mas como não sei alemão, era o que tinha pro dia).

    Sobre o item “b” das dúvidas que a Mary levantou, concordo com você: havia códigos entre as pessoas que eram contra o regime (isso meio que me fascina), e não temos como saber, mas acredito muito no boca-a-boca. Nos filmes sempre vemos os encontros dando certo (geralmente fico aflita, mesmo sabendo que é filme), mas acho que na realidade muita coisa devia dar errado.

    Vi o filme faz tempo, não lembro mais de muita coisa, mas seu texto dá uma ótima ideia de como é a história.

    Apontamento super importante: o ator que faz o médico é gatinho e o personagem dele ao final das contas é um cara legal. Isso (e o clima de romance no ar) deixam a história mais interessante.

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