O Negócio – A Primeira Temporada

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Nota: ★★★☆

Lá pela metade da primeira temporada de O Negócio, Magali (o papel de Michelle Batista, na foto abaixo), uma das três sócias da empresa Oceano Azul, que estava naquele momento enfrentando um revés, sai-se com o seguinte: – “Nossa profissão é assim mesmo: às vezes a gente tá por cima, às vezes tá por baixo”.

A profissão de Magali e de suas sócias, Karin, na verdade Joana, e Luna, na verdade Maria Clara, é a mais antiga do mundo.

Em outra ocasião, Magali está contando para Karin e Luna que alguém reclamou para ela: – “Você só gosta de mim por causa do meu dinheiro”. Ao que ela respondeu: – “O dinheiro faz parte da pessoa. Cabeça, tronco, membros e carteira”.

Esses dois diálogos dão uma boa idéia do que é a série brasileira – brasileiríssima – criada para a HBO, que já vem sendo exibida em outros países e neste ano de 2016 chegou à terceira temporada: O Negócio é uma série bem humorada, que trata com graça, leveza, com diálogos inteligentes, bem feitos, e sem pretensão de ser realista, o tema prostituição de luxo.

Bem feito. A expressão ficou na minha cabeça o tempo todo, enquanto víamos os 13 episódios da primeira temporada.

Quase tudo, quase absolutamente tudo em O Negócio é muito, muito bem feito, é realizado com talento e competência artesanal. Espero dar exemplos disso ao longo deste texto.

É tudo tão bem feito que a série mostra uma São Paulo bonita. Os criadores e o diretor geral Michel Tikhomiroff optaram por aquele esquema de mostrar tomadas da cidade em que se passa a ação entre uma sequência e outra, entre um caso e outro. Seguramente alugaram um helicóptero, e dele filmaram diversas, diversas belíssimas tomadas de áreas da cidade, de dia e de noite. Só mostram as áreas bonitas, ricas, arborizadas: grandes avenidas, muita tomada de todos os trechos da Avenida Paulista, da Marginal do Pinheiros com os grandes prédios moderníssimos, as áreas cheias de verde dos Jardins.

Mary e eu passamos os 13 episódios nos dizendo um para o outro, nos momentos desses travellings aéreos sobre São Paulo que pontuam a narrativa: – “Mas que cidade bonita, siô!”

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É sobre prostituição, mas fala de marketing, market share, circuit breaker

A grande sacada dos criadores da série, Rodrigo Castilho e Luca Paiva Mello, que assinam o competente roteiro dos episódios, juntamente com diversos colaboradores, foi colocar a prostituição como um negócio, a gestão de uma empresa, a estratégia de venda de um produto, a negociação de uma commodity – uma engrenagem do sistema capitalista.

A personagem central da história, Karin (o papel da belíssima Rafaela Mandelli, na foto abaixo), vai se tornando uma grande empreendedora, a CEO de uma companhia em expansão, a Oceano Azul, à medida em que vai aprendendo a usar instrumentos empresariais, como as mais diferentes ferramentas de marketing.

Assim, O Negócio, uma série sobre prostituição, fala de marketing, market share, circuit breaker da Bolsa de Valores, venda casada, focus group, compra por impulso, turnaround, reposicionamento de produto, brand equity, fidelização, share of wallet.

Vários desses termos aí, termos do mais autêntico economês, o capitalismo em ação, são os títulos de alguns dos episódios desta primeira temporada.

O inicinho da série, a abertura do primeiro episódio (produzido e exibido pela HBO brasileira em 2013), faz lembrar Grande Demais para Quebrar/Too Big to Fail, de Curtis Hanson, e Margin Call – O Dia Antes do Fim/Margin Call, de J.C.Chandor, ambos de 2011, que retratam, com extremo realismo, momentos da série de eventos de 2008 que, a partir da quebra do Lehman Brothers, o quinto principal banco de investimento dos Estados Unidos, deu início à maior crise financeira já registrada nos países mais ricos do mundo desde a quebra da Bolsa de Nova York em 1929.

A voz gostosa da atriz Juliana Schalch, que – veremos depois – interpreta Luna, diz, em off: “Na época em que a Karin teve a idéia que iria mudar sua vida, o mundo estava caindo”.

E aí vamos vendo cenas de empresas do mercado financeiro, da Bolsa de Valores, de telejornais falando sobre a grande crise. Corretores diante de seus terminais cheios de números e gráficos, falando nervosamente ao telefone.

Na TV, num programa jornalístico, o âncora está dizendo: – “Pela primeira vez em quase dez anos, a Bolsa de Valores de São Paulo acionou o circuit breaker, mecanismo que interrompe os negócios a fim de evitar que o pânico aumente e as ações caiam ainda mais. Será essa a maior crise financeira desde a Grande Depressão iniciada em 1929? Será que os alicerces do capitalismo estão ruindo?”

E aí ele se dirige a seu entrevistado, sentado a seu lado, Marco, o CEO de um grupo chamado GWK. Marco (Giulio Lopes) diz ao jornalista que, na sua opinião, a crise não é tão grave assim. E garante que no Grupo GWK as coisas estão indo bem.

Corte rápido, e o mesmo Marco está numa sala de reuniões com diretores do grupo, dizendo que a crise é feia, que terão que cortar despesas, que terão que cortar na carne.

O Negócio não tem sequer cinco minutos ainda, e já mostrou que os grandes capitalistas são uns danados de uns mentirosos.

Corte rápido, e o mesmo Marco está sentado numa poltrona ao lado de uma moça lindíssima – Karin.

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Boas interpretações. Ritmo ágil. Bom texto, diálogos bem construídos

Marco, o empresário rico que mentiu na TV, está dizendo para Karin que a crise é muito brava. Pede um uísque, diz que acha que ainda tem um de 18 anos, mas, se as coisas continuarem como estão, vai ter que passar para um de 12 anos e depois um de 8. Comenta que está até pensando em tirar os meninos da escola e botar numa mais barata.

Karin pergunta: – “Nossa, as coisas estão feias assim?”

Marco diz que sim, mas a tranquiliza: – “Para o seu negócio essa crise é uma ótima oportunidade.” E aí explica que a crise não afeta quem trabalha com entretenimento, como Karin. E dá o exemplo dos Estados Unidos durante a Grande Depressão dos anos 30: – “A única fila maior que a do pão era a fila do cinema. Quanto pior fica a realidade, mais as pessoas precisam de fantasia.”

E finaliza: – “Não se preocupe, Karin. Nunca vai faltar quem pague R$ 600,00 para passar a noite com você.”

Ela, sorrindo: – “A noite, não. Duas horas.”

Em seguidinha, quando Marco diz mais uma vez que a crise é brava, Karin se aproxima dele, começa a mexer na gravata para retirá-la, e dá a ordem: – “Agora relaxe”.

Vemos um close-up do rosto lindo de Rafaela Mandelli-Karin, faiscantes olhos verdes claríssimos, e ouvimos a voz em off de Luna: – “De todas as garotas de programa que eu já conheci, a Karin sempre foi a melhor”.

É um belo início de série, sem dúvida alguma. Boas interpretações. Ritmo ágil, bem rápido, mas fazendo-se entender. Bom texto, diálogos bem construídos.

As referências à crise de 1929 e à Grande Depressão, a procura pela válvula de escape que foi o cinema nos anos 30, tudo é muito bem sacado – e verdadeiro. Nunca se fez tanta comédia escapista, sobre gente rica entrando e saindo de restaurantes caros, quanto nos anos 30 – escapismo para as massas no fundo do poço da depressão nos Estados Unidos. Duas obras-primas do cinema radiografaram esse fenômeno: Contrastes Humanos/Sullivan’s Travels (1941), de Preston Sturges, e A Rosa Púrpura do Cairo/The Purple Rose of Cairo (1985), de Woody Allen.

Por tudo isso, é uma belíssima abertura de série, esta. (Na foto abaixo, Juliana Schalch, que faz Luna-Maria Clara.)

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Um cliente fala das técnicas de marketing – e Karin passa a estudar o assunto

E aí então entra uma sequência de rápidas tomadas de Karin trepando com um cliente.

Ao longo de todos os 13 episódios, haverá sequências de rápidas tomadas das três protagonistas – Karin, Luna e Magali – trepando com os mais diversos clientes.

São belas sequências, com alguma explicitude, mas não muita – há farta exibição de seios e coxas, mas não de genitália. Nada que ultrapasse o pornô bem soft. Sequer chega ao que chamo de Quasepornô.

Como bem nos informa de cara a voz em off de Luna, Karin é extremamente competente na profissão, no exercício da profissão. Seus clientes ficam extremamente satisfeitos. Mas, além de competente, a moça é inteligente, ambiciosa, e nunca se deu bem com seus bookers.

A voz em off de Luna acode os espectadores que não conhecem o termo: explica que booker é o cafetão das garotas de programa, termo que por sua vez – e disso todos sabemos – designa as putas mais de luxo, mais no alto da escala social da profissão. É o sujeito que tem os contatos com os clientes e marca os encontros.

O booker de Karin quando a série começa é Ariel (o papel de Guilherme Weber).

Ariel vai aprontar muitas com Karin. Tantas, que a moça toma a decisão de tentar trabalhar sem um booker, agenciando-se a si mesma e à sua maior amiga, exatamente Luna, que até então trabalhava numa boate.

A decisão é reforçada quando as duas moças, por acaso, saem para comer num bar com um cliente de Luna, e ele fala muito para elas a respeito das técnicas de marketing.

Esperta, safa, inteligente, Karin propõe ao dono da boate onde Luna trabalha fazer um teste, uma experiência. Anunciar, entre os operadores da Bolsa de Valores e corretoras que trabalham ali, que, nos dias de queda do Ibovespa, a boate daria desconto idêntico ao do percentual de queda.

Num dia de circuit breaker – o mecanismo acionado quando a queda bate em 10% -, a boate fica cheia.

Depois dessa primeira experiência – a comprovação de que usar técnicas de marketing é bom para os negócios, inclusive na área de entretenimento –, Karin decide que vai aprender mais e mais sobre marketing. E em pouco tempo cria sua empresa, a Oceano Azul, com a amiga Luna.

Magali entrará um pouquinho depois.

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Três personagens interessantes, bem construídos e bem interpretados

Karin, Luna, Magali. São três personagens interessantes, interpretadas por três atrizes belas, charmosas, simpáticas, e que estão muito bem nos papéis.

Karin é séria, determinada, obstinada, ambiciosa. Quer sempre mais. Terá diversas idéias para otimizar o desempenho da empresa, aumentar o lucro, a produtividade – mas, mesmo depois de obter sucesso, quer ainda mais.

Magali é o oposto de Karin – é cuca fresca, a rigor, a rigor irresponsável, aventureira. Faz o que dá na telha, não tem a mínima preocupação com o dia de amanhã. É uma cigarra, em oposição à formiguinha rígida que é Karin.

Luna é o meio termo entre as duas – e foi uma boa sacada dos autores terem colocado Luna como a narradora da história. A voz em off de Luna-Juliana Schalch vai pontuando toda a narrativa, ao longo dos 13 episódios, assim como os belíssimos travellings do lado mais belo de São São Paulo Mon Amour.

Além de ser bonita, e atuar bem, extremamente à vontade, Juliana Schalch tem uma boa voz, gostosa, clara. Ela fala o bom texto escrito por Rodrigo Castilho e Luca Paiva Mello com imensa naturalidade, como se estivesse contando uma história para um amigo num bar.

A história de vida de Luna me parece a mais bem resolvida das três personagens centrais.

O passado de Karin é revelado no quinto episódio, intitulado “Tudo sobre Karin”, com flashbacks que a mostram estudante adolescente em Porto Alegre (quando é interpretada por Giovana Previero), namorando um garoto que tinha um grande amigo, e os três sempre ficavam juntos. A mãe dela era uma pessoa instável, que não parava quieta em emprego ou cidade alguma, e abandona Joana (o nome verdadeiro da garota) ainda muito jovem para ir morar no exterior.

Não me pareceu muito convincente o que houve com essa Joana jovem até que assumisse o nome Karin e abraçasse a profissão de prostituta. De qualquer maneira, já quando a ação está se desenrolando, volta a aparecer o tal grande amigo dela e do namoradinho de adolescência, Augusto (João Gabriel Vasconcellos), agora um bem sucedido advogado tributarista. Augusto tentará de todas as maneiras conquistar o afeto de Joana-Karin, mas ela recusa com firmeza a possibilidade de virem a ter um caso. Gosta muito dele como amigo, mas não permite que passe disso. Como ela dirá para o único outro homem com quem ela tem relacionamento que não seja profissional, César (Eduardo Semerjian), garota de programa não pode ter envolvimento afetivo: se o homem ficar na boa com o fato de ela dar para outros, então é porque não a ama; se a amar mesmo, vai querer “salvá-la”, tirá-la da putaria, e isso ela não quer de jeito nenhum.

O detalhe muito interessante, surpreendente, nada, nada, nada comum é que esse César, que funciona assim como o único confidente homem de Karin, é o professor de esgrima dela.

Esgrima!

Quem pensaria em criar como hobby de uma puta de luxo justamente a esgrima, a não ser os criadores de O Negócio?

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Um amigo finge que é namorado quando Luna-Maria Clara visita os pais

O passado de Magali é rapidamente apresentado pela voz em off de Luna, e é bem pouco crível. Os pais eram riquíssimos, a criaram com todos os mimos possíveis. Quando morreram, ela, já adolescente, passou a viver de namorar rapazes ricos, gerentes de hotéis de luxo, coisas assim. Nunca teve uma casa – vive em hotéis em quartos providenciados pelo namorado da ocasião.

Assim, das três, só vemos a família de Luna.

Os pais moram em Campinas – e Luna-Maria Clara mente para eles que, em São Paulo, está trabalhando e estudando. Para dar um ar de normalidade nos fins de semana em que visita os pais, leva a tiracolo um amigo, um sujeito meio esquisitão chamado Yuri (Johnnas Oliva), que passa por seu namorado.

Os pais de Maria Clara- Luna a adoram e jamais duvidam que a filha trabalhe e estude em São Paulo.

De fato ela faz uma faculdade; falta bastante às aulas, mas passa porque consegue os gabaritos das provas com um funcionário.

E também frequenta um curso de administração para herdeiros de fortunas, onde tenta encontrar um rapaz milionário que queira se casar com ela. Nesse curso, conhecerá um garotão bonito, simpático, Oscar (Gabriel Godoy), e investirá nele todas as suas fichas.

No episódio 7, Magali e Oscar vão para Campos do Jordão. Vemos Magali pegar no sono, numa noite em que Oscar sai para resolver um assunto dele – na TV, estão rolando os créditos finais de um episódio de O Negócio. Uma rápida brincadeirinha de metalinguagem, que não atrapalha em nada, só indica que criadores e diretores gostam de sacadinhas.

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A série usa o caos aéreo de 2006 como elemento importante da trama

Outra bela sacada: os autores usaram aquela época do caos aéreo como elemento da trama. Eu já havia quase me esquecido do caos aéreo de 2006, o quarto ano do lulo-petismo no governo.

Uma amiga de Karin, ex-garota de programa que havia deixado a profissão ao casar, agora trabalhava numa companhia aérea, atendendo a passageiros no aeroporto. Quando havia casos de overbooking, quando era preciso pagar hospedagem para os passageiros por causa dos atrasos ou cancelamento dos vôos, a funcionária oferecia aos homens com jeito de executivos viajando a trabalho um cartão de visitas da Oceano Azul.

A agenda das três sócias da empresa ficava absolutamente tomada. A essa altura, já estavam com uma eficiente secretária, Sonia (Einat Falbel) trabalhando para elas, numa sala de elegante centro empresarial.

Era tanto passageiro que tinha que ficar em hotel na época do caos aéreo que a Oceano Azul teve que oferecer clientes para diversas amigas e conhecidas. Ambiciosa, cheia de idéias, mas correta, Karin não cobrava nada delas, que assim podiam ter encontros sem ter que dividir a féria com os bookers.

Alguém irá reclamar: – “Mas como? Agora tem também overbooking de puta?”

Não falta uma cena em que aparece na TV a ministra de Turismo do governo Lula dizendo a agora famosíssima frase: “Relaxa e goza”. Certamente para evitar problemas na Justiça, não é uma imagem da própria Marta Suplicy que aparece dizendo a frase infeliz – uma atriz faz o papel dela.

E, passado aquele período de horror, a voz em off de Luna dirá: – “Muita gente tentou ajudar o país a sair da crise aérea. Mas quem ajudou mesmo os homens a atravessar a crise foi a Karin.”

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É muito competente a direção de atores. O elenco é afiado, muito bom

Não conhecia o trabalho de nenhum dos atores da série, o que só prova minha profunda ignorância.

Achei muito bem escolhidas as atrizes principais. Rafaella Mandelli, que faz Karin, é brasiliense, nascida em 1979; tem experiência em TV (inclusive na série Mandrake, também da HBO), teatro e no cinema participou de Meu Nome Não é Johnny.

Juliana Schalch, a Luna, é de São Paulo mesmo, de 1985; seu currículo inclui sete títulos na televisão e cinco no cinema, inclusive Tropa de Elite 2 e E Aí… Comeu?

Michelle Batista, a Magali, a caçula das três, de 1986, é fluminense de São Gonçalo. Entre os oito títulos de trabalhos na TV estão Malhação e Saramandaia versão 2013, e, entre os seis títulos de filmes, está A Suprema Felicidade (2010), de Arnaldo Jabor.

Confesso, e não tenho vergonha de confessar, que fiquei absolutamente surpreendido com o grau de competência da direção de atores e com todo o elenco – desde as três atrizes principais até os que fazem papéis pequenos em uma ou duas sequências apenas. A atuação de atores me parece o maior problema de muitos filmes brasileiros dos últimos anos, e então de fato de pareceu surpreendente ver um elenco tão afiado.

Como não há nada sem exceção…

Destoam demais de todo o resto a composição do personagem de Ariel, o booker, o cafetão, e a atuação do ator Guilherme Weber.

Ariel, não gravei a explicação do por que, resolve lá pelas tantas adotar o judaísmo. Nunca havia tido nada a ver com judeu, mas resolve virar judeu. Montou um restaurante no Bom Retiro, onde faz de uma das mesas seu escritório; não exerce qualquer função no seu próprio restaurante, não cuida do caixa, não dá ordem a garçons, não atende fregueses, nada – fica sentado diante de uma das mesas, atendendo ao telefone ou recebendo uma de suas garotas de programa e bebendo cerveja, o dia inteiro. Usa um solidéu, e cumprimenta as pessoas dizendo “Shalom”.

Tão gratuitos quanto essa adesão do personagem ao judaísmo são os maneirismos do ator. Ao contrário de todos os demais atores da série, que falam com voz natural, Ariel-Guilherme Weber fala com a voz empostada, cheia de afetação, falsa que nem nota de 3 guaranis paraguaios, enquanto faz caretas, tiques no rosto. Um pavor.

Mas repito: é a exceção.

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Uma comédia leve, suave, que faz o espectador sorrir quase o tempo todo

No IMDb, um leitor da Venezuela, Marcelino Plaza, escreveu: “Os três capítulos mostrados até agora desta série da HBO Latin American são surpreendentemente bons. De bom gosto, com uma qualidade muito alta, excelente produção, não dá inveja de produções feitas nos EUA, Canadá, União Européia ou Austrália. Com atrizes muito jovens que interpretam seus papéis com facilidade, confiança e até mesmo imprudência, é um excelente expoente daquela disciplina muito difícil que é a comédia que faz você sorrir em vez de gargalhar – o que, naturalmente, é muito mais fácil de se conseguir. Para fazer com que você sorria e admire a esperteza e inteligência do escritor, você precisa de um time muito competente, e esses brasileiros sem dúvida conseguiram um admirável sucesso.”

Impressionante: esse leitor venezuelano sintetizou com precisão muito do que a série representa, na minha opinião.

É exatamente isso: O Negócio é uma comédia, mas uma comédia sutil. Não é para fazer gargalhar. Ao longo dos 13 episódios (de 50 minutos cada), devo ter dado talvez umas três gargalhadas – mas ficava quase permanentemente com um sorriso de satisfação por ver um trabalho bem feito, diálogos espertos, situações divertidas, bem sacadas, de excelente humor.

No site Ligado em Série, encontrei a seguinte avaliação, assinada por Bruna Bottin: “O drama peca, contudo, por ainda não ter desenvolvido o lado ruim da vida dessas mulheres. Afinal, não posso acreditar que todos os clientes são lindos, ricos e educados como os que vimos até agora. A série vende uma profissão muito cor de rosa, quando sabemos que não é bem assim na vida real. Falta aprofundar com mais seriedade esse grande negócio, pois potencial tem, e muito!”

Em Apaixonados por Séries, outra mulher, Fernanda Faria, fez ponderações no mesmo tom:

“Falta drama. Apesar de ser muito interessante por abordar o tema da prostituição de uma forma diferente, a série carece de uma dose de realidade. Sinto que conhecemos pouco das personagens, do íntimo delas. E, principalmente, sinto que elas vivem um conto de fadas. Ou a série pinta um quadro unicamente utópico ou está falhando em mostrar-se minimamente real. Seria fantástico se garotas de programa pudessem trabalhar com dignidade, mas sabemos que não é assim que funciona. O Negócio, por propor uma abordagem nova ao mercado de prostituição, tem liberdade para retratar um cenário mais positivo e justo para essas profissionais. Mas é isso: mais positivo e justo e não completamente positivo e justo. Por melhor que sejam as condições de trabalho, não é um dia a dia glamoroso como a série quer fazer parecer. A história é ambientada no Brasil, em São Paulo, e todos os clientes são bonitos? E, principalmente, vivemos num mundo extremamente machista, onde garotas de programa não são tratadas como pessoas dignas pela maioria (mulheres inclusas). A série precisava falar sobre isso. E precisava falar muito!”

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A série não pretende ser um drama realista. É entretenimento. É negócio

Concordo com essas observações – em parte.

Concordo com os sintomas que as duas moças apontam, mas não com o diagnóstico.

Sim, de fato é tudo irreal. É um conto de fadas. Não é um drama. Não pretende ser. Não tem absolutamente nada a ver com Plínio Marcos, Navalha na Carne. Nem com Nelson Rodrigues. A série não pretende ser realista. Em momento algum ela tenta se vender como realista. Não quer denunciar as agruras da prostituição, a luta de classes, a injustiça social.

É uma comédia, suave, doce.

Não quer conscientizar, liderar rebelião. Quer agradar.

É entretenimento. É negócio, afinal de contas.

Anotação em maio de 2016

O Negócio – A Primeira Temporada

De: Rodrigo Castilho e Luca Paiva Mello, criadores, Brasil, 2013

Diretores: Michel Tikhomiroff (direção geral) e Júlia Pacheco Jordão

Com Rafaela Mandelli (Karin ou Joana), Juliana Schalch (Luna ou Maria Clara), Michelle Batista (Magali)

e João Gabriel Vasconcellos (Augusto), Gabriel Godoy (Oscar), Guilherme Weber (Ariel Vidal), Eduardo Semerjian (César, o professor de esgrima), Einat Falbel         (Sonia Lemos, a secretária), Johnnas Oliva (Yuri), Cris Bonna (a mãe de Luna), Tony Mastaler (o pai de Luna), Isabel Wilker (Lívia), Giovana Previero (Joana adolescente), Jessica Drago (Jessica, garota de programa), Renata Fasanella (Renata, garota de programa), Gustavo Trestini (professor de Gestão)

Roteiro Fabio Danesi e Rodrigo Castilho, com a colaboração de Alexandre Soares Silva, Camila Raffanti,  Marcelo Montenegro, Paula Szutan e Cássio Koshikumo

Fotografia Gustavo Hadba, Rodrigo Monte, Hélcio Nagamine

Música Instituto

Montagem Ricardo Gonçalves e Caio Cobra

Produção Mixer, HBO.

Cor, 663 min (11h03 min)

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8 Comentários para “O Negócio – A Primeira Temporada”

  1. Em nome da equipe de roteiro de O Negócio, agradeço a sua crítica. Uma pequena ressalva: o Luca Paiva Mello, apesar de ter dado a ideia que originou a série, não escreveu nenhum dos roteiros. Os roteiros da primeira temporada foram escritos ou reescritos por mim e pelo Rodrigo Castilho, com a colaboração de Alexandre Soares Silva, Camila Raffanti, Marcelo Montenegro, Paula Szutan e Cassio Koshikumo. Um abraço.

  2. Muitíssimo obrigado por enviar a mensagem com a correção, Fabio. Vou corrigir em seguida.

    Mas, por favor, me diga: quem devo dizer que são os criadores da série?

    Abraço.

    Sérgio

  3. Oi Sérgio,

    O crédito de criação é do Rodrigo e do Luca. Mas o Luca não escreveu os roteiros. Os roteiros foram escritos por mim e pelo Rodrigo Castilho, com ajuda de uma equipe.

    Na segunda e na terceira temporada, os roteiros foram escritos por mim, Alexandre Soares e Camila Raffanti.

    Se assistir às outras temporadas, adoraríamos saber sua opinião.

    Obrigado!

    Abs,
    Fabio

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