Kate Winslet não é apenas uma das melhores, mais talentosas atrizes da História do cinema – é também uma atriz de grande sensibilidade e bom gosto na escolha dos papéis que aceita interpretar.
No entanto, em 2015, na minha opinião, ela cometeu um erro, um equívoco. Este The Dressmaker, no Brasil A Vingança Está na Moda, de 2015, é um ponto baixo na filmografia dessa atriz extraordinária que estava, no ano de lançamento do filme, com 40 anos de idade, 80 prêmios (inclusive um Oscar) e outras 148 indicações (inclusive seis ao prêmio da Academia).
É uma produção australiana, passada numa pequenina cidade – fictícia, é claro – perdida no interiorzão bravo da Austrália, dirigida pela australiana Joceyln Moorhouse, uma roteirista e realizadora que tem belos feitos no currículo. Entre os cinco filmes que dirigiu (este aqui é o quinto) estão Colcha de Retalhos/How to Make an American Quilt (1995), um belo, sensível drama sobre as dores, os sonhos e os amores de um grupo de mulheres que se reúne sempre para tecer colchas de retalho, e Terras Perdidas/A Thousand Acres (1997), de novo feminista a não mais poder, com um bando de ingredientes fortes – abuso sexual, câncer, infidelidade conjugal de duas irmãs com o mesmo homem, alcoolismo, morte em acidente de trânsito, divisão familiar indo até os tribunais por conta de herança – e um ódio visceral das empresas gigantescas, dos bancos.
Interessante: esses dois belos filmes, Jocelyn fez nos Estados Unidos, depois dos dois primeiros feitos na sua Austrália natal – Pavane, de 1983, e A Prova, de 1991. Houve um longo hiato entre Terras Perdidas e este The Dressmaker aqui – 18 anos sem dirigir um filme!
Ao voltar, depois desse espaço de tempo tão grande, Jocelyn Moorhouse optou por contar uma história propositadamente extravagante, improvável, surreal, em um tom farsesco, burlesco, que foge do realismo – e da realidade – como o diabo da cruz, o corrupto da Justiça, o populista da verdade.
Como seu filme anterior, tem muitos ingredientes fortes: bullying de criança, acusação de assassinato cometido por criança, infidelidade conjugal ampla, geral e irrestrita, abuso de poder, loucura, vingança com excesso de violência.
Esse coquetel todo é servido em tom de comédia, de farsa, de espetáculo burlesco.
Há quem goste. Eu não consigo engolir.
Expulsa de sua pequena cidade quando tinha 10 anos, a protagonista volta agora
É assim:
Quando tinha 10 anos de idade, Myrtle Dunnage (Darcey Wilson) tinha sido acusada de matar um colega de escola, Stewart Pettyman (Rory Potter). O garoto – o espectador vai ver em alguns flashbacks ao longo da narrativa – era uma peste, um pentelho, um pequeno crápula, que vivia agredindo a pequena Myrtle, infernizando a vida dela. E era filho de um sujeito importante na pequenina cidade de Dungatar, Evan Petttyman (Shane Bourne).
Por ordem desse Evan, o sargento Farrat (o papel do ótimo Hugo Weaving), já na época a maior autoridade policial de Dungatar, havia expulsado a garotinha Myrtle da cidade.
Na abertura do filme, enquanto vão rolando os nomes das diversas produtoras australianas, vemos um ônibus viajando no meio do nada do interiorzão da Austrália, e algumas cenas do passado, que, é claro, não sabemos identificar – crianças brincando, uma criança (que só mais tarde saberemos que é o menino Stewart Pettyman) deitada com a cabeça no chão, na terra.
O tal ônibus está trazendo de volta para Dungatar, depois de várias décadas, Myrtle Dunnage, que agora se assina Tilly, e é uma fantástica, sensacional, extraordinária dressmaker, modista, criadora de vestidos que deixariam no chinelo qualquer Balanciaga, Christian Dior, Yves Saint-Laurent e o escambau.
Close-up no rosto da maravilhosa Kate Winslet, que acaba de descer do ônibus na cidadezinha perdida no nada do interiorzão da Austrália como se estivesse em um desfile de haute couture em Paris, e ela pronuncia: – “I’m back, you bastards”.
A cidadezinha parece só ter gente ruim, mau caráter, crápula
Molly, a mãe de Tilly, está louca de pedra, e não reconhece a filha quando ela chega à sua casa. Molly é interpretada por Judy Davis (na foto acima), essa talentosa atriz – também australiana, como a diretora – que se tornou conhecida por todos os cinéfilos do mundo no papel de Adela, a jovem inglesa que causa um conflito racial em Passagem para a Índia (1984), o canto do cisne do grande David Lean. De lá para cá, Judy Davis já trabalhou com Woody Allen (mais de uma vez), Clint Eastwood, Irmãos Coen. Seu talento atrai grandes diretores.
Beleza, isso Judy Davis não tem – e o povo da maquiagem e dos cabelos a tornou muito mais velha e muitíssimo mais feia do que é, para interpretar a mulher que é doida e, segundo todas as más línguas de Dungatar, uma piranha.
Dungatar, aliás, praticamente não tem língua boa, gente boa. Quase toda a população (ainda bem que ela é pequena) é composta por gente mau caráter, filho da mãe, crápula, imbecil. A honrosa exceção é a família McSwiney, a começar pelo filho mais novo, o belo e atlético Teddy (Liam Hemsworth).
Todo mundo em Dungatar recebe a moça que volta depois de triunfar no mundo da alta costura da Europa como se ela fosse uma assassina perversa – menos os McSwiney. Claro que vai rolar coisa entre o belo Teddy e a bela Tilly.
O filme é um elogio da vingança, uma espécie assim de Dirty Harry
Em todos os quesitos técnicos, este The Dressmaker é muitíssimo bem realizado.
E é um problema meu, reconheço, sempre reconheci, já falei dele aqui diversas vezes: não consigo engolir o que chamam de humor negro. Não consegui engolir essa história que trata assassinato e bullying como motivo de fazer graça.
Agora, pior do que humor negro, pior do que fazer graça com desgraça é o elogio da vingança. Mesmo que numa comédia, numa gozação, num troço burlesco.
Elogio da vingança é coisa de Dirty Harry, de Desejo de Matar. É doença, é fascismo.
Sempre preferi a elegia à não vingança, o não à Lei do Talião, do olho por olho, dente por dente, que o grande Robert Guédiguian faz em seus filmes primorosos.
Por dever de ofício, registro aqui algumas informações sobre o filme, tiradas da página de Trivia do IMDb:
* A diretora Jocelyn Moorhouse descreveu seu filme como Os Imperdoáveis com um máquina de costura.
* A máquina de costura com a qual Tilly-Kate Winslet desembarca do ônibus é uma Singer 201K2. É uma máquina conhecida por ser extremamente resistente. Era também bastante cara – e até hoje é tida como uma das melhores que já foram feitas por costureiras e alfaiates.
* Consta que Kate Winslet aprendeu a costurar, para poder interpretar Tilly. Ela observou boa parte do trabalho da responsável pelos figurinos do filme, Margot Wilson, de criação dos vestidos que no filme são atribuídos a Tilly.
* O filme foi aplaudido de pé em sua estréia por cerca de 2.400 pessoas no Toronto Film Festival.
* Foi o filme que teve mais indicações pela Australian Academy of Cinema and Television Arts em 2015 – 12, contra 11 de Mad Max: Estrada da Fúria.
* Foi a segunda maior bilheteria de filme australiano na própria Austrália no ano da estréia, 2015, e 11ª maior bilheteria nesse quesito de toda a História.
* Este é o segundo filme em que o ator Hugo Weaving aparece usando roupas de mulheres. O primeiro, claro, foi Priscilla, a Rainha do Deserto (1994).
Anotação em agosto de 2016
A Vingança Está na Moda/The Dressmaker
De Jocelyn Moorhouse, Austrália, 2015
Com Kate Winslet (Myrtle Dunnage, Tilly), Judy Davis (Molly Dunnage), Liam Hemsworth (Teddy McSwiney), Hugo Weaving (sergento Farrat), Sarah Snook (Gertrude Pratt, Trudy), Caroline Goodall (Elsbeth), Kerry Fox (Beulah Harridiene), Rebecca Gibney (Muriel Pratt), Julia Blake (Irma Almanac), Hayley Magnus (Prudence), Gyton Grantley (Barney McSwiney), James Mackay (William Beaumont), Shane Jacobson (Alvin Pratt), Barry Otto (Percival Almanac), Sacha Horler (Una Pleasance), Alison Whyte (Marigold Pettyman), Shane Bourne (Evan Pettyman), Darcey Wilson (Tilly criança), Olivia Sprague (Gertrude criança), Rory Potter (Stewart Pettyman)
Roteiro Jocelyn Moorhouse & P. J. Hogan
Baseado no romance de Rosalie Ham
Fotografia Donald McAlpine
Música David Hirschfelder
Montagem Jill Billcock
Figurinos Margot Wilson
Produção Screen Australia, Ingenious Senior Film Fund, Film Art Mediam Embankment Films, White Hot Productions.
Cor, 118 min
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