Os Comancheros / The Comancheros

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3.0 out of 5.0 stars

Os Comancheros é um daqueles bons westerns produção A que ainda se faziam no início dos anos 60 – e foram ficando cada vez mais raros a partir daí. É dirigido por um mestre, Michael Curtiz, tem bom elenco encabeçado por John Wayne, uma trama sólida, interessante, diálogos saborosos, inteligentes, alguns dos elementos mais clássicos do gênero – e até outros bastante não convencionais.

Exemplo de elemento nada convencional: a principal figura feminina, Pilar Graile, interpretada pela bela, interessante Ina Balin. Na tradição do western, não havia muita escapatória: em geral, ou as mulheres eram quase santas ou então putas ou quase. Santas, ou quase: mães de família dedicadas, trabalhadoras, esforçadas, que fazem todo o trabalho duro dentro de casa e ainda ajudam os maridos nas tarefas do rancho. Putas, ou quase: cantoras de cabaré, dançarinas, jogadoras, ou putas simplesmente.

Pilar é jovem, bela, rica, independente. Mais parece uma nova-iorquina feminista dos anos 1960 do que personagem de bangue-bangue passado em 1843, duas décadas antes ainda da Guerra Civil Americana.

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Estamos bem no iniciozinho do filme, nos primeiros dez minutos, John Wayne sequer apareceu em cena, e Pilar fica a fim de conhecer um determinado sujeito, que viaja com ela no mesmo grande navio – um daqueles imensos, colossais navios que subiam e desciam o Mississipí, com enormes salões cheios de mulheres com vestidos escandalosamente coloridos e homens almofadinhas de ternos esdrúxulos sempre metidos em uma jogatina feroz. Manda um serviçal, Amelung (Michael Ansara), levantar a ficha do sujeito – Paul Regret, descendente de franceses da Lousiana, jogador, don juan, almofadinha (o papel de Stuart Whitman).

Aborda o bonitão. Repito: é ela que o aborda. Dançam, conversam. Saem dos salões para o deck exterior, observam a bela paisagem noturna, a luz da lua na água – e, epa, estamos no mar aberto, e não no Mississipi!

Pilar comenta que ali está melhor, longe da fumaça daqueles cigarros e charutos e cachimbos e de todas aquelas conversas sobre o preço do algodão, mas ela ainda gostaria de um gole de vinho. Regret propõe sua cabine, Pilar prefere a cabine dela, daí a meia hora.

Recebe o cavalheiro, o monsieur, já de robe de chambre. Absolutamente composta, nenhum milímetro de pele que não deveria ser vista à vista – mas, mesmo assim, de robe de chambre! Que tipo de moça de bem receberia em seus aposentos particulares um cavalheiro que havia acabado de conhecer, sem a presença de qualquer outra pessoa, e em trajes íntimos?

De fato, essa Pilar Graile é uma personagem que foge completamente das tradições do western.

E a conversa que vem a seguir também é muito estranha na abertura de um western – no qual John Wayne ainda nem apareceu. Seria uma conversa mais apropriada para a Paris da libertinagem danada, ou para as metrópoles mais avançadas do planeta, talvez Berlim daí a uns 80 anos, ou Casablanca, onde, em outro filme de Michael Curtiz, já haviam acontecido diálogos entre homem e mulher adultos, vividos, experientes.

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O diálogo é espetacular. O IMDb não traz, então me dei ao trabalho de tirar à unha. (Um dia ainda aprendo a fazer isso com o Siri, mas ainda não sei.) Valeu a pena, porque é de fato maravilhoso.

Paul Regret, jogador, homem do mundo, está desconfiado. A esmola quando é demais o santo desconfia, e então ele está achando que há algo aí, talvez um golpe, uma chantagem – um marido ciumento vai entrar e exigir um alto pagamento pelo fato de ele ter invadido os aposentos da esposa.

Ela: – “Você acha que sou uma chantagista?”

Ele: – “Seja qual for o seu jogo, o troféu não vale a caçada.”

Ela (estendendo para ele as mãos cheias de anéis): – “Veja minhas mãos, por favor.”

Ele: – “São muito graciosas.”

Ela: – “A menor destas pedras poderia comprar e vender você, Paul Regret. Por que eu iria querer seu dinheiro?”

Ele: – “Aprendi a olhar os dentes dos cavalos dados. Devo deduzir que você me escolheu a dedo entre todos os homens deste barco?”

Ela: – “Não seja tão convencido. Não é um barco tão grande assim.”

Ele: – “Escolhemos uma bela noite para nos apaixonarmos.”

Ela: – “Não seja banal. Isso não tem nada a ver com o amor.”

Ele: – “Você não acredita na existência do amor?”

Ela: – “Acredito que, nesta noite, homens e mulheres do mundo inteiro estão dizendo ‘eu te amo’, quando na verdade o que querem dizer é ‘eu te desejo’.”

Muito possivelmente Paul Regret achava que já tinha visto todo tipo de mulher. Estava enganado, obviamente.

Ele: – “Você é uma mulher diferente.”

Ela: – “É diferente ser honesta?”

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Ele: – “Eu gosto de mulheres independentes. Mas também quero poder escolher eu mesmo a mulher que eu quero.”

E se prepara para sair do quarto da mulher bela, independente, provocante, uma mulher como ele nunca tinha visto igual.

Ela (calma, tranquila): – “Mr. Regret. Você gosta de mulheres independentes, e eu admiro homens que não estão à venda. Acho que nos julgamos mal. Serão três dias até Galveston. Vamos começar de novo?”

Ahá! Mas é bom demais, uai!

E aí vão os nomes dos autores. O roteiro, e portanto os diálogos, é de James Edward Grant e Clair Huffaker, com base no livro de Paul I. Wellman.

 É um western que tem tudo o que um western precisa ter – e algo mais

Eu tinha visto Os Comancheros – uma produção 20th Century Fox, 1961 – pela primeira vez praticamente em uma outra encadernação, em 1962, quando o filme foi lançado no Brasil. Vi no dia 3/6/1962, no Cine Tupi; sei disso porque em 1962, em que fiz 12 anos, comecei meu caderninho de cinema, e anotei lá. Dei a classificação “Ótimo” – a coisa mais, digamos, madura de usar números só seria introduzida em 1963.

O fantástico é que eu não me lembrava de ter revisto o filme depois disso. Outro dia o vi em DVD, baratinho, e comprei. Mas minhas anotações mostram que vi o filme com a Mary na TV a cabo, em 2002 – e, esquisitissimamente, dei apenas 2 estrelas em 4. Como é possível? O filme é uma beleza; nesta revisão agora, fui sendo surpreendido a cada momento pelas diversas qualidades do filme. Só pode ser aquela tal coisa da falta de sintonia: naquele tal dia em 2002, não entrei em sintonia com o filme, não estabelecemos contato.

Um eventual leitor que gostar de western e por acaso ainda não tiver visto o filme poderá, com este início de texto, ficar um tanto de pé atrás: mas não tem bangue-bangue?

zzcoman3aTem, sim. Tem bangue-bangue a dar com o pau: belíssimas sequências de ação, brigas sensacionais, milhões de tiros, mais índio caindo morto que chuchu na cerca. Tem tudo isso, da melhor qualidade, pra nenhum fã de western botar defeito.

Mas é um western que tem esse diálogo fantástico que transcrevi aí acima. Tem essa personagem feminina surpreendente, e tem também muitas referências a amor, o grande amor da vida, a chance de encontrar o grande amor.

Gosto demais de western, western mesmo, com seus elementos tradicionais todos, direitinho. Mas gosto especialmente de western que, além dos elementos tradicionais, tem surpresas.

E, especificamente neste quesito, Os Comancheros é um banquete.

Na abertura do filme, um duelo como aqueles europeus clássicos

O filme abre com um duelo. Mas não um duelo à la Velho Oeste, sacam os dois ao mesmo tempo e atira primeiro quem for mais rápido – e sim um duelo daqueles europeus, em que há um juiz, um testemunha de um, um testemunha de outros, e os dois contendores se colocam um virado de costas para o outro, e vão se distanciando um do outro enquanto o juiz conta até dez, e ao ouvir o dez os duelistas podem se virar e atirar.

Um letreiro informa: “New Orleans, 1843”.

Quando os dois duelistas estão perfilados, quase encostados um no traseiro do outro, o sujeito que convocou o duelo diz ao oponente, o personagem de Stuart Whitman, Paul Regret: – “Saiba, monsieur, que eu não acho que você tenha trapaceado nas cartas. (…) Há uma dama que prefere suas atenções às minhas. Pretendo simplificar a escolha dela.”

E Regret: – “Quem? Rachel? Margot?”

O juiz manda que comecem a andar. Andam, se viram, o desafiante se move, cai morto. Regret (que, é bom lembrar, tanto em inglês quanto em francês significa arrepender-se, arrependimernto) não se arrepende, mas tem dó: – “Se ele não tivesse se mexido tanto, meu tiro teria pego só no ombro.”

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Isso é que é primeira seqüência de filme. O cara que desafiou Regret para o duelo usou como desculpa uma possível trapaça do outro no jogo, mas estava mesmo é querendo se livrar do rival no coração da amada. E Regret tem tantas mulheres em seu raio de ação que não sabe quem é a amada do homem que está para matá-lo ou ser morto!

Agora, duelo terminado, desafiante morto, o juiz diz ao vencedor Regret que é uma pena que ele vá ser enforcado. Regret se espanta: – “Os duelos nunca foram crime!” E o juiz: – “É, mas o filho do juiz Beaubien nunca tinha sido morto antes.”

Corta, e vemos então aqueles cartazes de procurado. Paul Regret está procurado em Louisiana, no Mississipi, no Texas…

Vêm os créditos iniciais. Ao final deles, estamos no naviozão em que a bela e independentíssima Pilar Graile vai demonstrar a Paul Regret que ele ainda não havia conhecido todo tipo de mulher.

John Wayne faz o capitão dos Texas Rangers que prende o jogador bonitão

O navio aporta em Galveston. Regret está dormindo em sua cabine. Estamos com dez minutos de filme, e John Wayne sobe a bordo. Ele é o capitão Jake Cutter, dos Texas Rangers, conhecido pelos amigos (e parece que todo mundo no Texas é amigo dele) como Big Jake, e veio prender Paul Regret, já que há uma ordem de captura por ele, emitida pelo juiz de Nova Orleans que perdeu o filho bobão no duelo.

Regret pede ao homem da lei permissão para dizer adeus a uma pessoa – mas, quando vai à cabine de Pilar, já não há ninguém lá.

Essa personagem Pilar, tão interessante quanto Ina Balin, a atriz que a interpreta, vai sumir na poeira dos muitos caminhos do Texas. É possível que alguns espectadores até mesmo se esqueçam dela. Só reaparecerá nos 30 minutos finais do filme.

A base da trama será a tentativa de Big Jake, o veterano capitão dos Texas Rangers, de localizar e combater um grupo de comancheros – bandidos mexicanos, da pior espécie possível, que se tornam aliados de chefes comanches absolutamente rebeldes, nada dispostos a qualquer tentativa de convivência pacífica com os brancos. Os comancheros vendem ilegalmente armas e uísque para os índios – incitando-os a lutar contra o conquistador branco.

Big Jake vai usar a identidade de um traficante de armas preso pelos rangers, Ed McBain (Guinn Williams), para se aproximar dos comancheros. A primeira tentativa de aproximação será via um bandidão muito louco, Tully Crow, interpretado por Lee Marvin fazendo mais caretas que Lee Marvin em geral faz. E é fascinante ver os dois grandalhões juntos, o Duke e Lee Marvin, bebendo doses industriais de uísque para em seguida se mostrarem perfeitamente sóbrios como um juiz. No ano seguinte, os dois voltariam a se enfrentar em um dos melhores westerns da História, O Homem Que Matou o Facínora/The Man Who Shot Liberty Valance. Na obra-prima de Ford, os personagens de John Wayne e Lee Marvin vão se estranhar por causa de um steak, um bifão. Aqui, os dois dividem um steak depois de quase destruírem um bar, e antes de irem terminar a noite numa rodada de pôquer.

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Então: a trama, no fundo, trata disso – a investigação sobre um grupo de comancheros. Mas, como nas histórias de amor, que não costumam seguir linhas retas, e dão voltas e voltas antes de os passos dos dois amantes enfim de encontrarem, conforme diz Georges Moustaki, a história vai pra lá e pra cá, como faziam os dribles de Garrincha. Começa num duelo de cavaleiros à la europeia, passa por um encontro do jogador bonitão com aquela mulher surpreendente que de repente some, e aí vai dar na prisão do jogador pelo capitão dos Texas Rangers.

John Wayne enrola a língua (que já é naturalmente enrolada) para falar monsieur

Na verdade, a relação entre esses dois homens em tudo diferentes um do outro é tão importante quanto a base da trama, a busca pelos comancheros.

E isso – a convivência entre dois homens que não se conheciam, e vão se afeiçoando mais e mais –, ah, isso é um elementos mais absolutamente clássicos deste que foi um dos primeiros gêneros cinematográficos.

Desde o primeiro momento, o jogador almofadinha chama o homem da lei que o prendeu de amigo, e o grandalhão insiste: não, ele não é amigo, não.

No momento em que entra na cabine de Regret, quando o filme está com exatos dez minutos, e descobre que aquele sujeito é de origem francesa, Big Jake o trata como monsieur. Mas o monsieur que Big Duke Wayne-Big Jake pronuncia é alguma coisa que não tem qualquer semelhança com a palavra francesa tão sonora, tão agradável, tão simples, tão fácil de se dizer, mêssiê. Big John Wayne enrola a língua já por si mesma enrolada e pronuncia um troço mais ou menos assim: monsúúor.

O jeito com que John Wayne pronuncia a palavrinha é uma das gostosas piadas do filme, um western que se permite algum bom humor. Pelo amor de Deus: não é nada de ridicularizar o gênero, fazer piada com o gênero. Nada, absolutamente nada a ver com os exageros, as caricaturas que uns italianos iriam começar a fazer poucos anos depois, os tais de spaghetti-westerns. Nada a ver com as piadas infames de filmes que, embora legitimamente americanos, passaram a satirizar o western, coisas do tipo Dívida de Sangue/Cat Ballou (1965), em que o mesmo Lee Marvin deste aqui e de Liberty Valance goza a figura arquetipal do pistoleiro, ou, pior ainda, Banzé no Oeste/Blazing Saddles (1974), desse Mel Brooks que não respeita coisa alguma.

É só uma brincadeirinha. O rude homem do campo, o americano da gema, grande, bravo, bom, goza o almofadinha da cidade, do terno caro, que não sabe nada da vida real, rindo do jeito com que seus antepassados falam a palavra correspondente a mister, essa coisa tão absolutamente simples.

Alguém deve ter feito a conta, deve estar em algum lugar – mas o fato é que John Wayne fala monsúúor pelo menos umas cem vezes, ao longo dos ótimos 107 minutos de Os Comancheros.

Uma bela sequência: o homem da lei e o procurado pela lei cavalgam e conversam

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Há um momento, quando a narrativa vai ali pela metade, que Paul Regret monta num cavalo e sai em disparada. Fica parecendo que ele estava fugindo do capitão Jake Cutter, que, afinal de contas, tinha o dever de levá-lo para New Orleans, para ser enforcado. E ele já havia fugido uma vez, antes.

Mas revela-se que não. Muito ao contrário: Regret havia montado no cavalo e saído em disparada não para fugir de Jake, e sim para ir chamar o major Henry (Bruce Cabot), o superior do capitão, para salvá-los do ataque dos comanches incitados pelos fuzis e pelo uísque dos comancheros.

E então há uma sequência de grande beleza – para o olhar e para o espírito.

Estão cavalgando lado a lado os agora já definitivamente bons amigos – o sujeito que está sendo procurado por um crime que a rigor não é bem um crime, é uma questão de usurpação e distorção da lei pelo guardião da lei, e o sujeito incumbido de obedecer às ordens, ao receituário, e entregar o acusado (inocente) para uma Justiça injusta.

As tomadas são lindíssimas porque o cenário é suntuoso – os dois cavaleiros no meio de um campo plano com uma monumental cadeia de montanhas lá atrás.

O diálogo é uma maravilha.

Jake: – “Tenho pensado muito nisso. Mas não posso fazer isso. ‘Deixe-o escapar’, eu digo comigo mesmo.”

Regret: – “E o que você responde?”

Jake: – “Respondo: ‘Não pode deixar que ele fuja. Você fez um juramento quando lhe deram a insígnia.”

Regret: – “Isso é importante?”

Jake: – “Eu disse que eu fiz um juramento!”

Regret: – “Palavras.”

O juiz não vê saída legal e honesta – e então propõe uma ilegal e desonesta

E aí os roteiristas transformam o caubói de John Wayne – a eterna persona interpretada por John Wayne, o homem bom, correto, justo, honesto, um tanto bronco mas de coração imenso e um senso de ética a toda prova – em um filósofo grego, em um professor de filosofia que sabe falar uma linguagem simples para ser entendido por seus alunos. Ou, simplesmente, no homem correto, aquilo que deveríamos ser todos:

– “Os homens se guiam pelas palavras. Palavras que eles dizem e cumprem.”

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E, para não parecer que está professoral demais, ou sério demais, ou chato, ele em seguida brinca: – “Você deve ter tido uma educação muito descuidada”.

Existe a Justiça, e existem as leis. Nem sempre andam exatamente juntas. Nem precisaria, mas sendo irmão, cunhado, tio e pai de juízes e advogados, posso dizer com conhecimento de causa que as frases anteriores têm todo o sentido do mundo.

Michael Curtiz e seus roteiristas sabiam disso, e então, um pouco depois desse diálogo maravilhoso entre o agente da lei e o acusado-preso, temos que os dois, Big Jake e Regret, chegam à casa de um meritíssimo juiz texano, onde já estão o major Henry e uns 20 rangers.

O ator que faz o juiz Ghaddeus Jackson Breen (Edgar Buchanan) é uma figuraça. Está todo vestido de terno, embora seja noite – juiz que é juiz, no Oeste, está sempre bem vestido.

O pequeno discurso que ele faz para Paul Regret é um brilho:

– “O major aqui me contou quais são os seus problemas. Estive pensando e pensando sobre isso à luz da minha experiência de 40 anos em jurisprudência legal, e cheguei à conclusão positiva de que não há jeito de fazer isso de um jeito legal e honesto… Mas, sendo bons e sensíveis texanos, vamos fazer de jeito ilegal e desonesto! Agora todos os rapazes aqui nesta sala concordaram em assinar um papel que eu preparei. Eles todos vai cometer perjúrio. Esse é o jeito legal de chamar uma pura mentira. Todos aqui vão jurar que você é um membro dos rangers do Texas, e tem sido nos últimos dois anos. Não há possibilidade de você ter matado alguém em Louisiana. (…) Então, rapaz, você é agora membro da mais nobre e mais mal paga organização do mundo.”

Que maravilha.

Pausa para respirar – mas ainda tem mais.

Regret agradece: – “Se eu tivesse dinheiro, pagaria uma bebida para comemorarmos”.

O juiz é rápido no gatilho: – “Crédito se arranja. Vamos ao saloon do meu irmão”.

“Você é um sujeito de sorte, teve dois grandes amores na vida”

Entre essas duas seqüências de que falei logo acima, Big Jake e Regret cavalgando lado a lado e conversando, e todos reunidos na casa do juiz, há uma outra sequência importante. Os dois estavam cavalgando rumo ao rancho de Melinda Marshall (interpretada por Joan O’Brien, na foto). Big Jake era grande amigo de Marshall; na verdade, a bomba que matou Marshall explodiu quando ele estava perto de Big Jake e de Sam Houston, o grande herói da independência do Texas – ou, se fôssemos perseguir algo próximo da língua do PC, o grande responsável pela usurpação do Texas do México pelos Estados Unidos da América.

zzcoman8Esse detalhe, de estarem juntos Marshall mais Big Jake mais Sam Houston, é contado a Regret pela viúva Melinda.

Antes, o espectador já havia sido informado de que Big Jake tinha tido um casamento de sonhos – mas acontecera de sua mulher, seu grande amor, ter morrido.

Paul Regret percebe com a clareza de um raio que o sujeito grandão é apaixonado pela viúva do amigo, agora que está também viúvo.

Têm uma conversa a respeito de amores na vida – algo nada comum nos westerns.

Mas Big Jake reage de maneira grosseira, tipo não aceito esse tipo de papo, o que está perfeitamente dentro dos padrões do western.

E aí Stuart Whitman-Paul Revere fala para John Wayne-Big Jake a frase que é talvez a mais fantástica deste western que fala muito de amor. Não anotei na hora, então não é literal, mas o sentido é esse: “Você é um sujeito de sorte, teve dois grandes amores na vida”.

Os Comancheros foi o último dos mais de 170 filmes de Michael Curtiz

Nem a loura Joan O’Brien, que faz a possibilidade de um segundo grande amor para Big Jake, nem a morena Ina Balin, que faz essa fantástica mulher independente, pra frente, cheia de certezas, tiveram grande carreira no cinema.

Joan chegou a trabalhar com Elvis Presley (e dizem que tiveram até um caso) em Louras, Ruivas e Morenas (1963). Não era só Big Jake que gostava do personagem dela neste filme aqui: o Duke gostava especialmente dela, de alguma forma. Havia dado a ela um papel no primeiro filme que dirigiu, O Álamo (1960), pelo que lembro um retrato bem patrioteiro, ou seja, encampando a visão americana, das batalhas sangrentas e um tanto definitivas pelo controle do Texas.

Está também no elenco deste Comancheros o filho querido de Wayne, Pat – para quem ele também havia criado um papel em O Álamo.

zzcoman9Nos créditos iniciais, há algo um tanto incomum: está dito, em letras pequenas, no meio dos nomes da equipe técnica, que as sequências de ação foram dirigidas por Cliff Lyons. Estranho que o grande Michael Curtiz tenha terceirizado a direção das seqüências de ação, já que elas são muitas, e importantes. Mas talvez ele já estivesse se sentindo velho demais para isso.

Muito provavelmente estava: Michael Curtiz nasceu Manó Kertész Kaminer em Budapeste, em 1886. Morreria um ano depois do lançamento do filme, em 1962, aos 76 anos, deixando uma filmografia de mais de 170 títulos, em praticamente todos os gêneros. Teve cinco indicações ao Oscar de melhor diretor, por Capitão Blood (1935), Quatro Filhas (1938), Anjos de Cara Suja (1938), A Canção da Vitória (1943) e Casablanca (1944). Só levou a estatueta por este último, um dos clássicos mais adorados da História do cinema, se não o mais adorado de todos.

Os Comancheros foi seu último filme. Uma bela despedida.

Anotação em junho de 2015

Os Comancheros/The Comancheros

De Michael Curtiz, EUA, 1961

Com John Wayne (capitão Jake Cutter), Stuart Whitman (monsieur Paul Regret), Ina Balin (Pilar Graile),

e Nehemiah Persoff (Graile), Lee Marvin (Tully Crow), Michael Ansara (Amelung), Pat Wayne (Tobe), Bruce Cabot (major Henry), Joan O’Brien (Melinda Marshall), Jack Elam (Horseface), Edgar Buchanan (juiz Thaddeus Jackson Breen), Henry Daniell (Gireaux), Richard Devon (Esteban), Guinn Williams (Ed McBain)

Roteiro James Edward Grant e Clair Huffaker

Baseado no livro de Paul I. Wellman

Fotografia William H. Clothier

Música Elmer Bernstein

Montagem Louis Loeffler

Produção 20th Century Fox. DVD Fox.

Cor, 107 min

R, ***

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