Um Divã para Dois / Hope Springs

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3.0 out of 5.0 stars

Um Divã para Dois, no original Hope Springs, é uma absoluta delícia. Inteligente, sensível, gostoso, divertido – e ao mesmo tempo sério. E Meryl Streep e Tommy Lee Jones nos brindam com interpretações magistrais, encantadoras.

É – fiquei pensando – um dos melhores filmes feitos pelo cinemão comercial de Hollywood nos últimos muitos antes.

No making of de Querido Companheiro/Darling Companion, feito no mesmo ano deste filme aqui, 2012, o autor e diretor Lawrence Kasdan observou: “Hollywood não faz mais filmes sobre pessoas, em especial pessoas com mais de 60 anos”.

Pois Um Divã para Dois está aí para desmentir o grande Kasdan. Ou talvez seja a exceção que confirma a regra.

Meryl Streep estava, no ano de lançamento do filme, com gloriosos 63 anos. Tommy Lee Jones, com 66.

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Estão casados há 31 anos, Kay e Arnold, os personagens interpretados pelos dois grandes atores. Os dois filhos, Brad e Molly (Ben Rappaport e Marin Ireland), já vivem suas próprias vidas, cada um em sua casa, e Kay e Arnold estão agora sozinhos na casa confortável, ampla.

Na primeira seqüência do filme, Kay está de camisola, olhando-se no espelho. Suspira fundo, mexe nos cabelos. Vai até o quarto de Arnold; ele está deitado embaixo das cobertas, uma revista aberta diante dele. Kay bate na porta, ele diz “entre”. Parece surpreso com o fato de a mulher aparecer em seu quarto:

– “O que foi? O que você está fazendo?”

E ela, de pé junto da porta:

– “Eu só estava pensando que… Eu poderia dormir aqui hoje.”

– “Aqui? Por quê? Alguma coisa errada no seu quarto? Quente demais?”

Trocam mais algumas frases, e Kay volta para o seu quarto, o que havia sido, no passado, o quarto do casal.

zzhope2Veremos depois que faz uns quatro anos que não dormem na mesma cama. Depois que Brad saiu de casa, Arnold usou como desculpa uma dor nas costas para ir dormir no quarto deixado vago pelo filho – e assim ficou o casal. Não se tocam, mal se conversam.

Arnold é um homem de hábitos absolutamente regulares: levanta-se à mesma hora de sempre, deixa a pasta de trabalho na mesma cadeira da mesa da cozinha em que come sempre exatamente o mesmo café da manhã preparado por Kay, abre o jornal com um gesto sempre igual, despede-se de Kay de maneira sempre igual, e vai trabalhar. É contador. Kay trabalha algumas horas por dia numa loja de roupa feminina, e cuida da casa.

Às noites, enquanto Kay lava os pratos e arruma a cozinha, Arnold senta-se na confortabilíssima poltrona reclinável diante da TV ligada num canal de esportes – em geral um que dá lições sobre golfe.

Sem consultar o marido, Kay faz reserva para terapia para casais

E aí Kay resolve que quer ter seu casamento de volta. Ou refazer o casamento. Encontra numa livraria um livro de auto-ajuda para casais: “Você Pode Ter o Casamento Que Deseja”, subtítulo “Descubra sua vida em comum essencial, excitante”, escrito pelo doutor Feld. Na internet, vê que esse doutor Feld tem um Centro de Terapia Intensiva de Casais, numa cidadezinha do Maine, Hope Springs – o título original do filme é o nome da cidadezinha, que, formado pelas palavras “esperança” e “primaveras”, pode significar, em tradução literal, “a esperança pula”, “a esperança salta”.

Pela primeira vez na vida, faz algo sem consultar Arnold: reserva uma semana de terapia intensiva com o doutor Feld e compra as passagens de avião para o aeroporto mais próximo de Hope Springs.

Estamos com menos de dez minutos de filme.

Às vezes Hollywood escreve certo por linhas tortas

zzhope3Diz o IMDb que o papel de Arnold foi oferecido a Jeff Bridges, e ele recusou. Assim como Deus, às vezes Hollywood escreve certo por linhas tortas. Jeff Bridges é um grande ator – mas Arnold tinha que ser interpretado por Tommy Lee Jones. Jeff Bridges é bonitão – Arnold não poderia ser bonitão. Arnold, sujeito gasto pela vida, pela rotina, apegado às mesmas coisas de sempre, com enorme preguiça de experimentar, tinha que ser interpretado por um ator feioso, rosto cheio de rugas, um tanto barrigudo, sem charme algum – ou que, como Tommy Lee Jones, sabe perfeitamente como interpretar um sujeito feioso, sem charme algum.

Na verdade, como estão charmosos, esses dois gigantes, Meryl Streep e Tommy Lee Jones, que juntos possuem 130 anos de vivência, 140 filmes nos currículos, 138 prêmios, mais 200 outras indicações, interpretando esse casal sem charme, comum, gente como a gente, um contador e uma dona de casa – mas que ainda pode ter oportunidades novas na vida.

As interpretações deles são, repito, magistrais. Cada pequeno gesto, cada olhar, cada entonação é coisa de artista grande. Meryl Streep incorporou a dona de casa simples, simplória. Tommy Lee Jones parece ter sido sempre na vida um contador que não sabe viver fora da rotina.

Dá imenso prazer ver e rever cada seqüência em que eles aparecem – e eles aparecem em praticamente todas as seqüências do filme.

As sessões com o terapeuta impassível são hilariantes – e sérias

Há uma montanha de filmes que gozam, esculacham, arrasam os psiquiatras, os psicólogos, os livros de auto-ajuda e seus autores. Vários deles são bons – e uma gozação é sempre bem-vinda.

zzhope5Arnold, lá pelas tantas, até faz uma gozação bem humorada sobre o doutor Feld. Mas, em Um Divã Para Dois, o doutor Feld, o terapeuta de casais interpretado por Steve Carell com aquela cara de non-chalance dele, de meio sonso, não é um imbecil, nem um mau sujeito. Ao contrário. Acredita no que faz, e até que é bom de serviço.

Boa parte do filme se passa no consultório dele – ele sentado diante de Arnold e Kay, fazendo perguntas que são tremendamente embaraçosas, em especial para Arnold, mas também para Kay.

É possível até que muitos dos espectadores também fiquem embaraçados, diante dos questionamentos feitos pelo terapeuta de casais sobre sua vida íntima, sobre a forma com que fazem sexo, as fantasias que têm e não confessam.

As sessões do casal que não se encosta faz anos, que dirá fazer sexo, com o impassível, non-chalant, cara de sonso doutor Feld são hilariantes, engraçadíssimas – e com uma boa dose de seriedade.

O filme foi grande sucesso. Por que não fazem outros assim?

Foi o segundo filme do diretor David Frankel com Meryl Streep. Ele dirigiu também O Diabo Veste Prada, que é um bom filme – mas, pelo menos na minha opinião, este aqui dá de 10 a 0 no outro.

Como este é um filme do cinemão comercial de Hollywood, e trata de tema que Hollywood não costuma abordar, com bem disse Lawrence Kasdan, fui atrás de informações sobre dinheiro, prata, bufunfa.

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Será que falar de seres humanos, e de mais de 60 anos, é, necessariamente, um mau negócio, em termos industriais?

Segundo o IMDb, o filme teve um orçamento (estimado) de cerca de US$ 30 milhões. Altíssimo, a rigor, mas não para os padrões do cinemão comercial americano, não para um filme com três grandes atores que costumam dar bom retorno nas bilheterias. O Box Office Mojo, excelente site especializado em cifras, diz que o orçamento não está disponível, mas mostra que o filme rendeu, desde seu lançamento, em agosto de 2012, até janeiro de 2013, US$ 107 milhões – US$ 63 milhões no mercado doméstico e US$ 43 milhões fora de Estados Unidos e Canadá.

Epa! Um belíssimo faturamento, para um filme sem super-heróis, efeitos especiais, tiros, perseguições de carros e sangue esguichando pela carótida – ou seja, sem qualquer uma das características que fazem os jovens irem ao cinema.

Indústria é indústria. Se o produto deu lucro, a indústria pode seguir o mesmo filão. Oxalá!

Duas atrizes interessantes fazem participações especiais

Um detalhinho: o filme francês que está passando no cinema deserto de Hope Springs que Arnold e vão ver, como pretexto para tentar uma ousadia sexual (nos termos deles), é Le Dîner de Cons, do diretor Francis Veber, de 1998. Como tantos filmes franceses e de outros países europeus, teve uma refilmagem nos Estados Unidos, Um Jantar para Idiotas/Dinner for Schmucks, de Jay Roach. O ator principal é o mesmo Steve Carell que interpreta aqui o doutor Feld.

Outro detalhinho: Um Divã para Dois traz, em dois papéis mínimos, minúsculos, ínfimos, duas atrizes importantes, que já trabalharam como protagonistas em diversas produções. Não que isso seja incomum. Mas é estranho que elas não tenham aparecido, nos créditos iniciais, como participações especiais.

Mimi Rogers aparece em uma única sequência: é a vizinha do casal Arnold e Ray, uma que gosta de cachorros, e que uma vez acendeu uma fantasiazinha sexual na cabeça de Arnold.

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Elisabeth Shue (na foto) também aparece em única sequência. Faz papel da gerente do bar ao qual Kay vai sozinha, após um dia duríssimo em que Arnold estava especialmente enervante. Bartender é uma espécie de psicólogo, que ouve os bêbados com a paciência de um terapeuta, e a personagem de Elizabeth Shue – que aparece muito rapidamente, mas aparece com um decote generoso, de fazer jus à sua aura de atriz sensualíssima – percebe depressa que a coroa que se senta no balcão do bar está na cidade com toda certeza para consultar o famoso doutor Feld.

E aí ela grita para os clientes que frequentam seu bar:

– “Quem aí não faz sexo há muito tempo, levante a mão!”

Metade dos fregueses levanta a mão.

Um Divã para Dois é mesmo um delicioso filme que, embora feito pelo cinemão comercial americano, fala de seres humanos. E de mais de 60 anos. Aleluia, irmãos!

Anotação em janeiro de 2013

Um Divã para Dois/Hope Springs

De David Frankel, EUA, 2012

Com Meryl Streep (Kay), Tommy Lee Jones (Arnold), Steve Carell (Doutor Feld),

e Jean Smart (Eileen, amiga de Kay), Ben Rappaport (Brad, o filho), Marin Ireland (Molly, a filha), Patch Darragh (Mark, o genro), Brett Rice (Vince, amigo de Arnold), e, em participações especiais, Elisabeth Shue (Karen, a mulher do bar) e Mimi Rogers (Carol, a vizinha)

Argumento e roteiro Vanessa Taylor

Fotografia Florian Ballhaus

Música Theodore Shapiro

Montagem Steven Weisberg

Produção Columbia, Management 360, Escape Artists, Mandate Pictures. DVD Imagem Filmes.

Cor, 100 min

***

8 Comentários para “Um Divã para Dois / Hope Springs”

  1. O filme é bem feito, os atores estão mesmo muito bem, mas eu achei a história meio deprê. Fiquei pensando no porquê das pessoas deixarem o casamento chegar a esse ponto (e não é necessário ter 31 anos de união para tanto) e em como perdem a capacidade de se abraçar e se tocar, etc. É triste também ver como a rotina massacra a vida, e como relacionmentos caem facilmente no automático se não damos uma sacudida de vez em quando (e até quando as mulheres vão ser aquelas que lavam a louça e preparam a comida, desde o café da manhã até o jantar? O Alnord é um típico machista, ainda por cima, um dos piores tipos que existem: os que reclamam do preço do restaurante de uma cidade turística. Aliás, homem que reclama do preço de qualquer coisa é sempre um chato; principalmente porque esse tipo só reclama quando é pra dar alguma coisa para a mulher). Também achei de última, quando na hora dos votos, a Kay disse que ia deixar o cabelo mais comprido porque ele gostava daquele jeito. Acho ridículo uma mulher deixar o cabelo assim ou assado por causa de marido/namorado/ficante. Cabelo é algo tão pessoal, e ela vai deixar para o parceiro escolher o comprimento? Peloamor! Pensando bem, os dois tinham comportamento conservador.

    Não senti empatia pelos personagens, mas fiquei com pena da Kay, em vários momentos. Apesar do lado baixo astral, há mesmo cenas divertidas. Achei que o Steve Carrel, que geralmente faz comédias, está perfeito, soube atuar na medida certa. Um tom a mais ou a menos e o personagem ficaria chato e/ou caricato.

    Gostei de ver a Marin Ireland, apesar do papel pequeno. Assisto a duas séries nas quais ela atua, é uma boa atriz.

    Enfim, o filme é bom, bem feito, tem seus pontos positivos, mas talvez pela falta de identificação acho que não é algo que eu veria de novo.

  2. gostei demais!!! é um filme simples de pessoas reais com problemas reais e até comuns entre casais mais velhos que se amam mas deixaram de declarar o seu amor!!!! adorei as performances de meryl e tommy e o terapeuta são d+++++!!!!!

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