O Dia em que a Terra Parou / The Day the Earth Stood Still

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4.0 out of 5.0 stars

O Dia em que a Terra Parou foi um marco de imensa importância. E continua sendo um belíssimo filme, passados 62 anos.

Num dos vários especiais que acompanham o filme no DVD duplo caprichado, lançado pela 20th Century Fox em 2008, diz-se que foi o primeiro filme de ficção científica de bom orçamento feito por um grande estúdio de Hollywood, falando sobre aliens, alienígenas, extraterrestres que chegam à Terra.

O filme é de 1951. A partir dele, todos os estúdios passariam a produzir filmes de ficção científica, com todo tipo de extraterrestre chegando aqui.

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Os ETs que desembarcariam na Terra depois deste filme eram todos (acho que nem é o caso de dizer praticamente todos) o retrato do mal em si: eram invasores que queriam ou tomar riquezas da Terra para garantir sua sobrevivência ou simplesmente tomar a Terra.

Na verdade, os ETs dos filmes que vieram depois de O Dia em que a Terra Parou, ao longo dos anos 50, início dos 60, eram uma parábola, uma paráfrase, uma forma de amedrontar o respeitável público americano com a possibilidade da invasão do Grande Inimigo, o Comunismo, os soviéticos.

Dezenas e dezenas de filmes mostraram ETs invadindo as tranqüilas, pacíficas cidades americanas e espalhando por elas a destruição, o caos.

A esses filmes de ficção científica se juntaram produções de terror, muitas delas B, de baixo orçamento, mostrando monstros invadindo as belas cidades americanas e espalhando por elas a destruição, o caos. Aranhas gigantescas, monstros disformes, o escambau.

zzearth0Era a época da louca, insana paranóia da Guerra Fria. Os tempos da caça às bruxas, em que foi figura central o senador Joseph McCarthy, que enxergava comunistas ou filo-comunistas em todos os lugares, até embaixo das camas de personalidades proeminentes, e, em especial, na indústria do entretenimento, no show business de um modo geral e em Hollywood em particular.

Uma coisa alimentava a outra: a paranóia anticomunista dos comitês do Congresso americano, os filmes que mostravam invasores alienígenas que bem que poderiam ser os russos.

(Mais tarde, quando essa atmosfera sufocante já havia ficado para trás, o canadense Norman Jewison faria uma comédia para gozar aqueles tempos sombrios, que trazia a frase apavorante repetida no título: The Russians are Coming The Russians are Coming!, O que dá pra chorar dá pra rir.)

O Dia em que a Terra Parou não tem absolutamente nada a ver com essa onda de filmes paranóicos que veio depois. Muito ao contrário. O Dia que a Terra Parou é um filme que rema furiosamente contra esse tipo de maré. É anti-paranóias.

Se o eventual leitor ainda não viu o filme, não deveria ler os parágrafos seguintes

O extraterrestre que chega à Terra, enviado por uma civilização mil anos-luz à frente desta nossa, vem em nome da paz.

A confederação planetária vinha observando há tempos os movimentos erráticos dos terráqueos, mais ou menos como nós observamos os primatas – gorilas, chimpanzés, macaquinhos, micos. Acompanharam a evolução de nossas guerras desde os tempos das cavernas, até a pólvora, até o que eles entendiam como um primitivo estágio de desenvolvimento da energia nuclear.

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É bom lembrar as datas: o filme é de 1951, apenas seis anos após as explosões das primeiras bombas atômicas pelos americanos em Hiroshima e Nagasaki.

Até Hiroshima e Nagasaki, as populações dos planetas mais desenvolvidos observavam nossas briguinhas tribais com a mesma paciência com que vemos macacos brincando no zoológico. Quando começamos a aprender a usar a energia atômica para destruir, a comunidade interplanetária ficou em alerta.

A nave espacial que traz Klaatu (Michael Rennie) e seu gigantesco robô Gort (Lock Martin, invisível sob a roupagem metálica) vem, como diz a tag line, a frase promocional do filme, com um aviso e um ultimato. O aviso é: parem com essa brincadeira estúpida de guerrinhas tribais/internacionais. O ultimato é: ou vocês param, seus terráqueos imbecis, ou nós simplesmente eliminamos o planeta.

O recado é assim: não cabe, no nosso sistema planetário que já evoluiu e atingiu níveis bastante mais civilizados, em que não existem guerras, um planetinha mixuruca que possa botar nossa tranquilidade a perder.

Os mestres da ficção científica com certeza aprovariam o filme

A trama de O Dia em que a Terra Parou tem tudo a ver com muito do que de melhor se fez na literatura de ficção científica em meados do século XX. Tenho aqui comigo a certeza de que Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Clifford D. Simak, Fredric Brown teriam, todos eles, assinado embaixo do roteiro de O Dia em que a Terra Parou.

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Há um livro de Simak, não me lembro mais qual, em que um personagem – vindo de um planeta muito mais desenvolvido do que a Terra, assim como o Klaatu da história – conta para um amigo terráqueo que seu povo acompanhou a evolução da espécie humana, sua história, desde as cavernas até o século XX. Ao observar a quantidade imensa de ódio, a tremenda capacidade dos homens de criarem motivos para fazerem guerras entre si mesmos, os sábios daquele planeta chegaram a pensar em extinguir a vida na Terra, planetinha tão pouco importante. Mas acabaram se decidindo a não fazê-lo. E então o personagem diz uma fala brilhante. Reconstituo de cor, sem exatidão, pelo sentido da coisa:

– “É muito difícil destruir vida inteligente. Os humanos são capazes de muita baixeza, muita vileza, mas têm inteligência. É difícil tomar a decisão de extirpar um planeta que chegou a produzir inteligência.”

Um filme que expressasse a angústia dos bem pensantes diante da ameaça nuclear

Num dos muitos especiais do DVD do filme, Robert Wise conta que, naquela época, 1950, 1951, estava contratado pela 20th Century Fox, então dirigida pelo chefão Daryl F. Zanuck. Zanuck o chamou e sugeriu a ele que falasse com o produtor Julian Blaustein, que tinha uma oferta. Sugestão de patrão – pelo menos antigamente a gente entendia assim – é uma ordem, e então lá foi Robert Wise falar com Julian Blaustein.

Era de Blaustein a idéia de fazer um filme de ficção científica que expressasse as angústias das pessoas bem pensantes diante da Guerra Fria e do crescimento dos arsenais nucleares.

Blaustein conta que leu dezenas e dezenas e dezenas de contos de ficção científica, procurando um que se ajustasse às suas idéias. Tinha finalmente chegado a uma história criada por um tal Harry Bates, e que aquela altura já havia sido tratada por um roteirista, Edward North.

zzearth5Blaustein deu o roteiro para Robert Wise ler. Wise tem inteligência até mesmo no seu sobrenome. Disse ao produtor que tinha adorado o roteiro, e que, claro, toparia fazer o filme.

Os críticos costumam xingar Robert Wise de clássico, acadêmico. Bom para ele

Tenho profunda admiração por Robert Wise desde muito cedo. Quando tinha 12 anos, vi e revi e revi de novo West Side Story, aquele filme extraordinário, maravilhoso, um dos melhores musicais já feitos, que de alguma maneira foi um corte na tradição dos musicais mais antigos de Hollywood e nos preparou para o grande salto seguinte do gênero, que viria com Bob Fosse em Cabaret e depois em All That Jazz.

Ainda era bem adolescente quando vi pela primeira vez, numa viagem a São Paulo, The Sound of Music, aqui A Noviça Rebelde – mas, embora ainda adolescente, soube perceber a grandeza do filme. Me lembro perfeitamente de ter visto que, muito mais que um filme para toda a família, um musical que poderia parecer ingênuo, careta, era também uma tomada de posição forte não só contra o nazismo, mas contra todos os regimes totalitários.

À medida em que fui ficando mais velho, passei a gostar cada vez mais de Robert Wise exatamente porque a crítica de nariz empinado o chama daquelas coisas que para ela é o pior xingamento que pode haver: acadêmico, clássico.

Que maravilha que são os filmes acadêmicos, clássicos, que contam uma boa história bem contada, sem encheções de saco, sem criativóis, sem fogos de artifício.

zzearth6Que maravilha que são os filmes de Truffaut, em comparação com a chatice de Godard. Os de Stephen Frears, em comparação com a chatice de Peter Greenaway.

Em um dos especiais do DVD, alguém lembra que Wise chegou à direção depois de ter sido montador. E o montador, Sergei Eisenstein mais que ninguém sabia, é o principal autor de um filme, depois do diretor.

E aí um dos muitos entrevistados nos especiais lembra Robert Wise foi o montador de Cidadão Kane.

O cara montou o filme mais badalado da história do cinema, o filme que reconstruiu a forma de narrar.

Robert Wise merece respeito.

O futuro vira passado depressa demais. Está aí 2001 que não me deixa mentir

Sim, o filme envelheceu.

É claro que envelheceu. Ninguém e nada com 62 anos de idade deixa de envelhecer.

O maior sinal de envelhecimento do filme – achei, nesta revisão agora – foi o fato de a nave espacial escolher Washington para aterrissar.

É muita supremacia americana demais.

Tudo bem: a nave de Contatos Imediatos do Terceiro Grau também pousaria, em 1977, em território americano. Todos os alienígenas de todos os filmes americanos chegam à Terra via Estados Unidos. Fazer o quê? O Império se tem como o centro do mundo. Não é à toa que tão poucas pessoas nascidas naquele país saibam falar alguma outra língua que não o inglês.

A nave de Klaatu bem que poderia ter pousado em Nova York, perto das Nações Unidas. Seria uma forma de agradar à audiência americana e ao mesmo tempo não tornar a trama tão fragorosamente umbigocêntrica.

Mas tudo bem. Quis registrar isso, mas a rigor é detalhe.

O fato é que a nave espacial do planeta muitíssimo mais desenvolvido escolhe pousar em Washington, D.C. Tem até certa lógica. Era 1951, e o Império já era o Império, o país mais rico do mundo. Se o filme tivesse sido feito, digamos, em 1910, certamente teria pousado em Londres, perto da Downing Street, 10. Se se passasse em 500 D.C., teria pousado em Roma. Em 2.000 A.C, em Atenas, perto da Acrópole.

O mundo tem, de fato, suas capitais.

zzearth99Num dos especiais, um rapagão chamado Robert Skotak, que trabalha como supervisor de efeitos especiais e só nasceria décadas depois de o filme ter sido feito, faz o seguinte comentário:

“As únicas coisas que ficaram antiquadas no filme são as mesmas que ficariam em qualquer filme. O que ficaria antiquado daqui a 50 anos, se pegarmos um filme atual: os carros, o vestuário, o modo de falar. Essas coisas que mudam a cada 15 anos.”

Na visão absolutamente técnica de um supervisor de efeitos especiais, o visual de O Dia é fascinante.

E é bem verdade. O visual é moderníssimo.

O futuro vira passado muito depressa. 2001 era algo distante quando em 1968 o perfeccionista Stanley Kubrick fez seu 2001 – Uma Odisséia no Espaço. Em pouco tempo, muito do que era o futuro para Kubrick virou cinzas do passado. O mesmo se deu com Blade Runner, outro dos melhores filmes de ficção científica jamais feitos. Muito do que Ridley Scott imaginou que ainda existiria no futuro virou pó em pouquíssimo tempo. Em pelo menos um desses dois filmes extraordinários cita-se a PanAm, e a PanAm já faliu; várias outras empresas cujos logos aparecem neles já viraram poeira da história.

O visual de O Dia é tão brilhante quanto o de 2001 e de Blade Runner. A nave, o interior da nave – é tudo invenção genial, para aquela época tão pré-computador que era 1951.

É um filme de concepção absolutamente avançada para o seu tempo.

Um dos entrevistados nos especiais que acompanham o filme no DVD diz estranhar que Robert Wise tenha feito apenas mais um filme de ficção científica na vida, O Enigma de Andrômeda/The Andromeda Strain, de 1971. Naturalmente, ele queria dizer que, se Wise quisesse, teria sido um gênio da ficção científica.

Mas Wise era um sujeito que se metia a fazer todo tipo de filme. Jamais virou especialista em nada.

Uma abertura sensacional: belíssimas imagens e a música de Bernard Herrmann

Bem-aventurados sejam os realizadores que fazem de tudo. As sequências de abertura são nada menos que geniais.

Ainda durante os créditos iniciais, vemos imagens belíssimas, em esplendoroso preto-e-branco, do universo. É como se a câmara estivesse na nave de Klaatu, viajando rumo à Terra a 6.500 quilômetros por hora. Vemos a Via Láctea, depois chegamos ao Sistema Solar, à atmosfera terrestre.

E logo em seguida Robert Wise põe em prática o que aprendeu como montador – e monta, com uma absoluta maestria, as diversas tomadas de várias partes do mundo, Índia, Inglaterra, França, Estados Unidos, pessoas de todos os cantos ouvindo as notícias sobre a chegada de uma nave vinda do espaço, de outro mundo.

A música é de Bernard Herrmann, outro da trupe de Cidadão Kane. Somente quatro anos depois, em 1955, em O Terceiro Tiro/The Trouble with Harry, ele começaria sua colaboração de muitos anos com Alfred Hitchcock.

Bernard Herrmann é um compositor de sinfonias. É muito mais erudito do que propriamente autor de trilhas sonoras.

As imagens iniciais do filme já são uma maravilha. Com a música sinfônica, ampla, de Bernard Herrmann, ficam mais belas ainda.

Creio que Kubrick gostaria de ter tido Herrmann para fazer a trilha de 2001 – Uma Odisséia no Espaço.

zzearth8Recentemente, fiquei sabendo que Kubrick encomendou a Alex North a trilha sonora de 2001, e o grande compositor criou a trilha. (Estava disponível uns anos atrás naqueles programas piratas, e até a baixei para meu iTunes.) Kubrick, perfeccionista, pentelho, recusou a trilha do compositor laureado, e usou temas já conhecidos. Acertou em cheio. A montagem do osso com a espaçonave é uma das mais antológicas da história do cinema, e é quando começamos a ouvir o “Danúzio Azul” de Strauss.

A trilha que Bernard Herrmann criou para O Dia é maravilhosa. Muito do que se fez em termos de música para filmes de ficção científica a partir daí se inspirou no quer Herrmann compôs.

Em 2008, cometeram uma refilmagem do clássico

É necessário registrar que, em, 2008, cometeram uma refilmagem, com o mesmo título original e o mesmo título no Brasil. O novo O Dia em que a Terra Parou foi dirigido por Scott Derrickson, e teve Keanu Reeves no papel de Klaatu e a belíssima Jennifer Connely no de Helen Benson, que havia sido o de Patricia Neal. Gastaram US$ 80 milhões para fazer a refilmagem. Não tenho a menor curiosidade de ver esse filme.

Leonard Maltin dá 4 estrelas, a cotação máxima: “Drama que é um marco histórico da ficção científica sobre digno alienígena (Rennie) que vem para a Terra para dar uma aviso anti-nuclear, fica para aprender que sua visão pacifista é compartilhada pela maioria dos humanos – mas não por todos. Atuações brilhantes, com roteiro maravilhoso de Edmund North, trilha ambiental de Bernard Herrmann. E lembre-se: Klaatu barada nikto!”

Esse “Klaatu barada nikto” é o recado que o alienígena pede a Helen Benson (o personagem da maravilhosa Patricia Neal) que transmita ao robô gigante Gork, quando a narrativa se aproxima do final.

zzearth9O guia Cinebooks’ dá ao filme a cotação de 4 estrelas em 5. Diz o guia: “Trabalhando com a adaptação extremamente letrada e bela que Edmund H. North fez da história ‘Farewell to the Master’, de Harry Bates, Robert Wise criou um clássico da ficção científica. Enviado por uma federação de planetas para ordenar que o povo da Terra pare seus testes nucleares antes que o planeta seja destruído, Klaatu (Michael Rennie), uma figura semelhante a Cristo, desce em Washington, D.C., com sua nave espacial, acompanhado pelo gigantesco robô Gort.”

Aqui o Cinebooks’ narra praticamente toda a trama, até o final, para então fazer as considerações: “Atuações soberbas de todos os atores, direção contida de Wise e uma magnífica trilha sonora de Bernard Herrmann ajudam a manter este filme tão relevante hoje quanto era em 1951”.

O texto do Cinebooks’ foi escrito em 1986, quando o filme tinha 35 anos. Agora, passados outros 27 anos, a frase continua valendo. É um filme tão relevante hoje quanto foi 62 anos atrás.

Anotação em junho de 2013

O Dia em que a Terra Parou/The Day the Earth Stood Still

De Robert Wise, EUA, 1951.

Com Michael Rennie (Klaatu), Patricia Neal (Helen Benson), Hugh Marlowe (Tom Stevens), Sam Jaffe (Dr. Barnhardt), Billy Gray (Bobby Benson), Frances Bavier (Mrs. Barley), Lock Martin (Gort), Drew Pearson (ele mesmo),

Roteiro Edmund North

Baseado em história de Harry Bates

Fotografia Leo Tover

Música Bernard Herrmann

Montagem William H. Reynolds

Produção Julian Blausteinm, 20th Century Fox. DVD Fox.

P&B, 92 min

R, ****

12 Comentários para “O Dia em que a Terra Parou / The Day the Earth Stood Still”

  1. gostaria de obter esses filmes antigos e dublados de varios generos mas nao acho com boa qualidade muitos na internete nao sao perfeitos vc poderia indicar alguma pessoa que tenha essa preocupaçao de qualidade? demomento agradeço pela atenção e aguardo resposta

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