Embora feito em 1996, e em cores, Marte Ataca! é exatamente como um filme de ficção-científica preto-e-branco dos anos 1950 e começo dos 1960. Com a diferença de que, em vez de pretender meter medo, o filme de Tim Burton quer é fazer a audiência gargalhar.
Naquele período, foram feitos dezenas de filmes mostrando malvados ETs invadindo as tranqüilas, pacíficas cidades americanas e espalhando por elas a destruição, o caos. A esses filmes de ficção científica se juntaram produções de terror, muitas delas B, de baixo orçamento, mostrando monstros invadindo as belas cidades americanas e espalhando por elas a destruição, o caos. Aranhas gigantescas, monstros disformes, o escambau.
Na verdade, os ETs e os monstros daqueles filmes eram uma parábola, uma paráfrase, uma forma de amedrontar o respeitável público americano com a possibilidade da invasão do Grande Inimigo, o Comunismo, os soviéticos.
Era a época da paranóia da Guerra Fria, a paranóia de que os russos estavam chegando, os russos estavam chegando. Enquanto o macarthismo descobria comunistas comendo criancinhas embaixo de todas as camas, inclusive as de gente bem importante do governo, os donos dos grandes estúdios rendiam-se ao sanatório geral, e aceitavam e aprovavam a lista negra, o índex que bania qualquer diretor, ator ou técnico que já tivesse achado simpática a idéia de uma sociedade mais justa.
Isso aí não é uma interpretação original minha de Marte Ataca! De forma alguma. Além de o filme ser uma absolutamente clara alusão aos filmes dos anos 1950 e 1960, o próprio diretor Tim Burton explicita suas intenções.
Marte Ataca! é de 1996; veio logo após Ed Wood, o filme em preto-e-branco em que o diretor prestou homenagem ao homem que é considerado “o pior diretor de cinema de todos os tempos”. Para fazer Ed Wood, Burton seguramente andou revendo filmes em preto-e-branco dos anos 1950, aquelas produções B pavorosas, que hoje encantam muita gente exatamente por serem camp, trash, kitsch, lixo.
Nas notas que acompanham o DVD do filme, Tim Burton diz que, após Ed Wood, queria fazer um filme alegre – “do tipo de filme que cresci vendo. Sempre adorei os filmes de ficção-científica dos anos 50. Cresci vendo todos aqueles filmes sobre marcianos com cérebros grandes, e aquilo fica com a gente para sempre”.
Em conversas com os produtores da Warner Bros. – diz o texto no DVD –, lembraram-se da série de trading cards Marte Ataca! “Criada no auge da Guerra Fria, em 1962, pela Topps Company, os trading cards mostravam uma invasão de marcianos no estilo Guerra dos Mundos. No entanto, devido à natureza de algumas das imagens, os cards foram retirados do mercado após uns poucos meses.”
Trading cards – cartões para troca. Eis aí uma coisa tipicamente americana, como a Coca-Cola e o hambúrguer. Não me lembro de que tenha existido algo assim no Brasil. Aqui sempre tivemos as figurinhas para serem coladas em álbuns. Os trading cards são parecidos com as figurinhas, só que não há álbuns – são como cartas de baralho.
O filme tem uma imensa galeria de personagens – e uma penca de grandes atores
O fato é que aí está, dito com todas as letras pelo diretor e pela Warner no DVD do filme: Marte Ataca! se inspirou diretamente em um produto típico da guerra fria. Cartões para colecionar e trocar que mostravam, como nos filmes de ficção-científica, marcianos ou outros ETs de qualquer origem invadindo os Estados Unidos como temia-se que os comunistas estavam para fazer.
Marte Ataca! é isso: a Terra sendo atacada por milhares e milhares e milhares de alienígenas. Com o visual típico da imaginação desvairada de Tim Burton – e uma extraordinária penca de atores.
O roteirista que Burton convidou para criar algo que pudesse parecer com uma história foi Jonathan Gems. Se não conseguiu criar propriamente uma hitória, esse sujeito, seguramente trabalhando lado a lado com Tim Burton, conseguiu criar uma fantástica galeria de personagens, interpretados por diversos atores já famosos na época.
Basicamente, há quatro núcleos de personagens, distribuídos por diferentes locais dos Estados Unidos. Há o núcleo de Washington, a capital federal, o de Nova York, o de Las Vegas e o do interiorzão do Kansas.
Jack Nicholson faz, com todas as caras e bocas de Jack Nicholson, o presidente da República, James Dale. Glenn Close faz a primeira-dama, uma dondoca idiota, e Natalie Portman, garotinha de tudo, aos 15 anos de idade, faz a primeira-filha, uma aborrescente típica.
O presidente Dale tem quatro principais auxiliares – todos eles, como a imensa maioria dos personagens, caricaturais, beirando (ou ultrapassando bastante) o ridículo. Martin Short faz o assessor de imprensa Jerry Ross. O inglês Pierce Brosnan faz o professor Donald Kessler, o assessor para assuntos científicos, que, naturalmente, tem o maior respeito pelos marcianos, uma civilização superior, e a absoluta certeza de que eles vêm em paz.
O grande Rod Steiger faz o general Decker, um falcão absoluto, que quer logo atacar as naves que se aproximam da Terra – uma imitação bem caricatural dos generais falcões do Dr. Fantástico de Stanley Kubrick. Já Paul Winfield faz o general Casey, que, apesar de general, é bem menos guerreiro e aguerrido do que seu colega Decker.
São tipos caricaturais, mas divertidíssimos. Poucos deles são simpáticos
Em Nova York ficam as sedes das redes de TV, e lá que está o casalzinho 20 formado por Sarah Jessica Parker e Michael J. Fox. Sarah é Nathalie Lake, uma apresentadora de programas vespertinos de variedades e bobagens; Fox é Jason Stone, um repórter do jornalismo mais, digamos, sério.
Mas para quem o professor Kessler – por sugestão, claro, do assessor de imprensa Ross – dará uma entrevista exclusiva? Claro, para a mocinha ingênua, que não saberá fazer as perguntas adequadas.
O núcleo de Las Vegas inclui personagens que não têm muito a ver entre si, a não ser o fato de que estão em Las Vegas.
Annette Benning, lindinha, faz um dos personagens mais divertidos deste filme cheio de personagens divertidos, embora caricaturais. Ela é casada com um milionário que pretende construir em Las Vegas um novo e gigantesco, fabuloso empreendimento imobiliário; é alcoólatra, limpa faz três meses apenas, e lutando para ficar sóbria mais um dia. Dondoca absoluta, é chegada a um papo new age, e espera com ansiedade a chegada dos marcianos para ajudar a tornar melhor este nosso insensato mundo.
O marido dela, Art, um tipo assim bem interiorano, bem brega, que ficou milionário rapidamente (e muito provavelmente de maneira ilegal), é interpretado por Jack Nicholson. Tim Burton presta assim uma segunda homenagem ao Dr. Fantástico de Kubrick, em que Peter Sellers faz três papéis diferentes.
Danny DeVito faz o papel de um jogador inveterado.
Mais adiante na narrativa, nesse grupo de Las Vegas, surgirá o cantor Tom Jones, no papel dele mesmo. Tim Burton goza a cara de Tom Jones usando Tom Jones para interpretar a si próprio – será que o cantor percebeu que estava sendo ironizado, massacrado?
E há ainda Jim Brown, fazendo o papel de Byron, um ex-boxeador que teve seu tempo de glória e agora trabalha num cassino, vestido de faraó do Egito. Byron está separado da mulher, Louise, uma motorista de ônibus de Washington, D.C.; como tantos outros casais separados em filmes de Hollywood e na vida real, amam-se muito, provavelmente mais do que na época em que estavam juntos.
Louise é interpretada por Pam Grier, a bela atriz que foi uma das grandes estrelas filmes chamados de blackexplotation dos anos 60 e 70. Jim Brown, quando era jovem e tinha belíssima estampa, foi o protagonista, em 100 Rifles, um western de 1969, de um dos primeiros abraços entre uma pessoa de pele negra com outra de pele dita branca, no caso Raquel Welch, e conta-se que, para as cenas de abraço, a moça teria exigido um pano para que sua pele dita branca não encostasse na pele mais escura do colega.
Os personagens interpretados por Pam Grier e Jim Brown são das pouquíssimas figuras simpáticas de toda a imensa galeria que povoa Marte Ataca!
Os realizadores Jerzy Skolimowski e Barbet Schroeder têm participações especiais
E, finalmente, há o núcleo do interiorzão de Kansas, a família Norris. Os Norris são pobres, moram num trailer – o pai (Joe Don Baker), a mãe (O-Lan Jones) e o filho mais velho (interpretado por um jovem e já careteiro Jack Black) são daquele tipo de americanos que adoram uma arma, uma guerra. O filho mais velho vai se alistar no Exército para ajudar o país a enfrentar a invasão marciana.
Já o filho mais novo, Richie (interpretado por Lukas Haas, o garotinho que testemunha o crime em A Testemunha, de Peter Weir) é gente boa, cabeça tonta, desligadão. Quase tão desligado quanto a vovó Florence, que tem Alzheimer (e é interpretada pela veterana Sylvia Sidney).
Dois realizadores estrangeiros fazem pequenas participações especiais no filme – seria uma forma de Tim Burton tentar dizer que é, ele mesmo, um diretor de respeito? O polonês Jerzy Skolimowski faz um cientista, Dr. Zeigler; e Barbet Schroeder interpreta Maurice, o presidente da Ferança.
É uma grande bobagem, sem dúvida. Mas é também uma gostosa diversão
Vixe. Deu uma trabalheira danada apenas apresentar os personagens do filme.
E já tá bom demais. É passar logo para as considerações finais.
É uma grande bobagem? Ah, sem dúvida alguma. Não tem sentido algum, lógica alguma.
Mas é também divertido, bastante divertido. O visual é aquela coisa poderosa, imaginativa, fascinante, que é a marca registrada de Tim Burton. A música de Danny Elfman casa-se perfeitamente com as imagens, doidas, belas, às vezes até bem fascinantes.
Para escapar de qualquer pensamento sério, depois de um dia especialmente estressante, é uma boa pedida.
Anotação em setembro de 2013
Marte Ataca!/Mars Attacks!
De Tim Burton, EUA, 1996
Com (em Washington) Jack Nicholson (presidente James Dale), Glenn Close (primeira-dama Marsha Dale), Natalie Portman (Taffy Dale), Pierce Brosnan (Professor Donald Kessler), Martin Short (assessor de imprensa Jerry Ross), Rod Steiger (General Decker), Paul Winfield (General Casey), Lisa Marie (a garota marciana);
(em Nova York) Sarah Jessica Parker (Nathalie Lake), Michael J. Fox (Jason Stone);
(em Las Vegas) Jack Ncholson (Art Land), Annette Bening (Barbara Land), Danny DeVito (jogador), Tom Jones (ele mesmo), Jim Brown (Byron Williams), Pam Grier (Louise Williams);
(no interior do Kansas) Lukas Haas (Richie Norris), Sylvia Sidney (vovó Florence Norris), Jack Black (Billy Glenn Norris), Joe Don Baker (o pai de Richie e Billy), O-Lan Jones (Sue Ann Norris);
(em participações especiais) Jerzy Skolimowski (Dr. Zeigler), Barbet Schroeder (Maurice, o presidente da França),.
História e roteiro Jonathan Gems
Baseado na série de cartões criada por Len Brown, Woody Gelman, Wally Wood, Bob Powell e Norm Saunders
Fotografia Peter Suschitzky
Música Danny Elfman
Montagem Chris Lebenzon
Produção Warner Bros. DVD Warner Bros.
Cor, 106 min
R, **1/2
Tirando a questão da bobagem que é uma palavra que não entendo, acho que este comentário está certo, o filme é muito divertido e está muito bem feito, há cenas memoráveis como quando a Glenn Close olha para o teto e grita: Ai o lustre da Nancy Reagan! que lhe cai em cima. O elenco do filme é um espanto, segundo li, toda a gente queria entrar no filme. Para matar os marcianos um jovem descobriu a canção “Indian Love Call” que é mesmo uma coisa nauseabunda capaz de fazer muitos estragos. Experimentem ouvir.
Um dos poucos filmes do Tim Burton que me agrada. Também lhe daria um estrela mais.