O grande Max Von Sydow e a belíssima Ornella Muti devem muito provavelmente se envergonhar desta lamentável página de suas carreiras. Talvez estivessem precisando desesperadamente do dinheiro pago a eles pelo produtor Dino de Laurentiis, essa espécie de Cecil B. de Mille europeu. Tomara, pelo menos, que o salário tenha sido bom.
Porque Flash Gordon, feito em 1980, é uma porcaria, um abacaxi azedíssimo.
Max Von Sydow, ator de tantos grandes filmes de Ingmar Bergman, faz o papel do Imperador Ming, o Impiedoso, que reina no planeta Mongo e domina com mão de ferro um grande número de outros planetas. Ming é um tirano sádico: diverte-se com o sofrimento dos outros. Bem no início da narrativa, Ming resolve infernizar a vida de um planetinha longínquo – a Terra, é claro. Usa seus raios superpoderosos para tirar a Lua de sua órbita e lançá-la na direção da Terra. Enquanto a Lua não chega para o choque que destruí-lo, nosso pobre planetinha é arrasado por terremotos, tempestades de granizo quente, inundações, todos os tipos de desastres naturais possíveis.
Flash Gordon é interpretado por um tal de Sam J. Jones, um ator capaz de, por comparação, transformar o pessoal da Escolinha do Professor Raimundo em Laurence Oliviers. Flash é um herói do futebol americano, adorado por multidões de fãs; surge do nada, quando a narrativa está bem no início, e pega um avião em que os únicos passageiros são ele e uma moça que trabalha como agente de viagens, Dale Arden (interpretada por uma tal de Melodie Anderson). O avião enfrenta uma terrível tempestade de meteoritos e acaba fazendo um pouso forçado exatamente junto do laboratório do dr. Hans Zarkov (Topol).
Esse Hans Zarkov é um cientista maluco, que havia trabalhado muitos anos na Nasa, mas acabara expulso devido a suas maluquices – uma delas era a teoria de que um ser maligno atacaria a Terra.
Zarkov sequestra Flash Gordon e Dale Arden para que os três empreendam uma viagem até o planeta Mongo e de lá mudem o curso dos acontecimentos para impedir que a Terra seja destruída.
Ornella Muti, a romana de beleza esplendorosa que trabalhou com Ettore Scola, Mario Monicelli, Dino Risi, Marco Ferreri, Enrico Maria Salerno, Pasquale Festa Campanile, Volker Schlöndorff, faz o papel da princesa Aura, a filha do Imperador Ming.
A princesa Aura é taradinha, dá feito chuchu na cerca, engana os mil amantes e se engraça pelo terráqueo musculoso Flash Gordon, que a essa altura já está caidinho pela conterrânea Dale Arden.
A história em quadrinhos deu origem a série de TV, programas de rádio…
Não conheço nada sobre Flash Gordon. Tenho uma vaga, extremamente vaga lembrança de que, no Cine Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, costumava passar, nas matinês, episódios de um seriado feito para a TV americana com o herói.
Outro dia, fuçando nos DVDs da minha filha, dei com esse Flash Gordon, vi que tinha Max Von Sydow e Ornella Muti e peguei, pensando que poderia ser uma diversão agradável.
Lá pelos dez minutos de ação, pensei seriamente em desligar e ver um filme. Mas como sou doido varrido mesmo, e vejo tudo, como um avestruz, continuei até o fim. E, já que vi, então faço esta anotação.
Pelo que vi na internet, o roteiro – perpetrado por Lorenzo Semple Jr. – se baseia com fidelidade na história original de Flash Gordon. As tiras da história em quadrinho, desenhadas originalmente por Alex Raymond (1909-1956), começaram a ser publicadas em jornais americanos em janeiro de 1934. Virou série da TV americana entre 1954 e 1955 – deve ter sido essa que passou no cinema de bairro de Belo Horizonte. Deu origem a programas de rádio, a revistas de quadrinhos, a filmes produzidos em 1938 e 1940, a este filme aqui e também a uma série de TV de 2007.
Ebert diz que “essa ópera espacial cômica” é ridícula – e divertida
O filme tem um tom misto. Às vezes parece que ele se leva a sério; em diversos momentos, no entanto, dá a impressão de o diretor (Mike Hodges, o oitavo que os produtores procuraram e o primeiro a topar a tarefa), o roteirista e os atores estão gozando o próprio filme, fazendo uma sátira de si mesmos.
O produtor Dino de Laurentiis torrou cerca de US$ 30 milhões para fazer esta porcaria. Tem louco pra tudo – até para ver este filme hoje e escrever uma anotação sobre ele.
E não fui só eu.
Leonard Maltin dá 3 estrelas em 4 para o abacaxi: “Versão atualizada da história em quadrinhos é melhor do que se esperava, graças ao desenho de produção e aos figurinos de autoria de Danilo Donati, divertida trilha sonora de rock de autoria do Queen. Jones e Anderson ficam devendo como Flash e Dale Arden, mas a malvada princesa Aura de Muti (que faria qualquer homem se afastar do Bem) lidera um forte elenco de apoio”.
Roger Ebert também viu o filme – e escreveu sobre ele. Verdade que escreveu um texto curto, o que não é do seu estilo normal. Deu 2.5 estrelas em quatro e encerrou sua crítica assim:
Mike Hodges, o diretor inglês contratado por De Laurentiis para orquestrar essa ópera espacial cômica, faz jus à tradição visual das séries originais. Todos estão vestidos com capas e botas e usam cabelos ridículos. Há uma corte imperial para aplaudir e vaiar nos momentos apropriados. Tudo isso é ridículo? Naturalmente. É divertido? Sim, de uma certa forma, é.
Até Dame Pauline Kael perdeu seu tempo com essa ópera espacial cômica, para usar a bela designação de Roger Ebert. Sérgio Augusto, que selecionou, editou e traduziu o livro da grande crítica americana, deixou o filme de fora da edição brasileira (1001 Noites no Cinema, da Companhia das Letras). Uso duas frases dela:
“É como um conto de fadas que se passa em uma discoteca nas nuvens.”
“O diretor, Mike Hodges, consegue uma sensibilidade e ritmo de tira de quadrinhos.”
Nenhum dos três sequer comenta que é estranho ver Max Von Sydow desperdiçar seu talento nesta porcaria.
Anotação em junho de 2013
Flash Gordon
De Mike Hodges, EUA-Inglaterra, 1980
Com Sam J. Jones (Flash Gordon), Melody Anderson (Dale Arden), Max Von Sydow (Imperador Ming), Topol (Dr. Hans Zarkov), Ornella Muti (Princesa Aura), Timothy Dalton (Príncipe Barin), Brian Blessed (Príncipe Vultan), Peter Wyngarde (Klytus), Mariangela Melato (Kala)
Roteiro Lorenzo Semple Jr.
Adaptação Michael Allin
Baseado nos personagens criados por Alex Raymond
Fotografia Gil Taylor
Música Howard Blake e Queen
Montagem Malcolm Cooke
Produção Dino De Laurentiis Company, Starling Productions.
Cor, 111 min
1/2
Sabe Sergio, com certeza eu não me ariscaria a ver este filme.
Também vi grandes filmes com esse grande ator Max Von Sydow , alguns com certeza do Bergman. Mas, não faz minha cabeça, não.
Li muito os quadrinhos que antigamente falava-se “gibi”,do Flash Gordon.
Mas no radio não me lembro.
Recordo-me sim , no mesmo gênero , de ter
ouvido na Radio Nacional-RJ, “Radar o Homem do Espaço”. Assim como “O Anjo”, “Jerônimo o Herói do Sertão” – Filho de Maria Homem nasceu, Cerro Bravo foi seu berço natal.
Que saudades !! Voce lembra disso ?
Um grande abraço, amigo !!
Sérgio,
Tem uma amigo meu que diz que cada pessoa que chega ao final do “Globo Repórter” deveria receber uma medalha de Honra ao Mérito. Em se tratando de “Flash Gordon”, a homenagem poderia ser mantida.
À propósito, tem um “podcast” excelente sobre essa desgraça: http://td1p.com/podtrash-5-como-assim-flash-gordon-esta-chegando/.
E, aproveitando a sua aparente animação para ver filmes modernosos, recomendo o glorioso “A Reconquista” (http://www.imdb.com/title/tt0185183/).
Grande abraço!
André
caros amigos com certeza nossa infancia foi muito boa