Cuba

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2.5 out of 5.0 stars

É um tanto estranho ver hoje, com a perspectiva de 2013, o filme Cuba, que Richard Lester fez em 1979. O filme – exatamente como Havana, que Sydney Pollack realizou em 1990 – vê o mundo com o olhar de 1958. Mostra um país dominado por uma ditadura sangrenta e absolutamente corrupta, que precisava desesperadamente de uma revolução para romper com tudo aquilo.

Não há, não pode haver, entre pessoas de bem, quem defenda a ditadura de Fulgêncio Batista – e, portanto, quem seja contra a revolução liderada por um bando de jovens idealistas, que teve apoio popular e tomou o poder no final daquele ano de 1958.

zzcuba5O filme de Lester explicita de cara a corrupção que dominava Cuba naquele ano que seria o último da ditadura de Batista. Bem no início da narrativa, pousa no aeroporto de Havana um avião – da Compañia Cubana de Aviación – vindo de Nova York, Washington e Miami. Entre os passageiros que desembarcam está Robert Bates (o papel de Sean Connery), major aposentado do exército britânico, que atende a um chamado do general Bello (Martin Balsam), chefe do Exército de Batista, para ajudar na luta contra os guerrilheiros de Fidel Castro. E está também um rico empresário americano, chamado Gutman (Jack Weston), que chega para comprar empresas cubanas.

O inglês Bates é tratado com toda a deferência, e passa rapidamente pela alfândega, com a ajuda do capitão Raphael Ramirez (interpretado por um Hector Elizondo tão jovem que não o reconheci), assessor do general Bello.

O americano endinheirado Gutman, ao contrário, enfrenta guardas linha-dura na alfândega. O homem fica irritado: – “Que tipo de país é este, afinal? O que eu tenho que fazer para receber aquele tipo de tratamento?”

E o guarda da alfândega faz, com os dedos da mão, aquele gesto universal que significa dinheiro, bufunfa, monistrôni, nota, grana.

Mais claro, direto, impossível.

Um começo excelente, uma bela apresentação do país

Os primeiros dez minutos de Cuba são na verdade muito, muito bons. É um começo magnífico de história que o roteirista Charles Woods, também autor da história, do argumento, escreveu. Em tomadas ágeis, rápidas, num excelente ritmo – não depressa demais –, o filme nos apresenta os principais personagens. Vemos ainda no avião o major britânico, agora mercenário, estudando um relatório sobre a situação de Cuba; também no avião, vemos Gutman, o milionário americano gordão, enchendo a cara.

zzcuba7Há rápidas tomadas das ruas de Havana, movimentadas, cheias de gente: uma mulher de roupas espalhafatosas anda por lá, para susto de duas freirinhas, que fazem o sinal da cruz – ela é anunciada por seu assessor de imprensa como Miss Wonderly (Louisa Moritz), recém-chegada de Hollywood, para se apresentar duas vezes por noite num dos bons night-clubs da capital.

No Iate Clube de Havana, vemos um casal de jovens ricos. A bela mulher é Alexandra (interpretada por Brooke Adams), e seu marido, Juan Pulido (o papel de Chris Sarandon), veremos depois, é filho de um dos homens mais ricos da ilha, Don José Pulido (Walter Gotell).

O jovem Juan conversa com o tal general Bello – que, veremos depois, é a corrupção em forma de gente. O general Bello faz seu assessor, o capitão Ramirez, de cafetão: cabe ao pobre capitão contratar as putas para o próprio general e para seus convidados. Uma das profissionais que está ali também no Iate Clube recebe adiantado seu pagamento para entreter o major mercenário britânico.

Vemos também um jipe de polícia que conduz dois rapazes presos, evidentemente por suspeita de ajudar os fidelistas. Os dois rapazes pulam para fora do jipe em uma ponte sobre um braço de mar; um deles é fuzilado poucos segundos depois; o outro consegue pular na água e escapar. Veremos depois que ele se chama Julio (Danny De La Paz); o pai dele está preso pela polícia de Batista, e sua irmã Teresa (Lonette McKee) é empregada na fábrica de charutos da família Pulido e amante fixa de Juan Pulido.

A fábrica de charutos é tocada, na verdade, por Alexandra, a mulher de Juan. Juan dedica-se à boa vida: aos rabos de saia, à bebida e ao dolce far niente. O pai dele, Don José, cuida dos outros bens da família: as fazendas com plantações de cana e tabaco e a fábrica de rum.

Um país injusto, que servia de puteiro para americanos

Em suma: o retrato do país que o filme faz é aquele que foi tão difundido pela revolução castrista vitoriosa – até porque era o verdadeiro. Cuba era, até 1959, um país extremamente injusto, em que algumas poucas famílias eram riquíssimas, os funcionários do governo enchiam os bolsos de propinas e a imensa maior parte do povo era pobre. E, sendo a ilha tão bela, e tão pertinho de Miami, servia como um balneário e um puteiro para os americanos endinheirados ou até remediados.

O major Dapes tem excelente conhecimento de luta anti-guerrilha, desenvolvido durante temporadas na Malásia e em outros países. Mas, como diz para ele, com inesperada franqueza, o capitão Ramirez, muito provavelmente chegou a Cuba tarde demais. O regime já estava podre demais, os revolucionários tinham a simpatia de boa parte do povo, e ninguém, àquela altura, poderia impedir a queda da ditadura de Batista.

Produções pró-revolução com gostinho de Casablanca

Citei, lá em cima, Havana, o belo filme de Sydney Pollack em que Robert Redford, um jogador, aventureiro, acaba se apaixonando pela mulher de um cubano rico e revolucionário, interpretada por Lena Olin, no auge da beleza extraordinária.

Tem tudo a ver. Os dois filmes, Havana e Cuba, se parecem em diversas coisas. Ambos se passam nos estertores do regime de Batista; ambos são produções americanas, um país abertamente inimigo da Cuba de Fidel desde logo depois da revolução; remando contra a política oficial dos Estados Unidos, ambos simpatizam de forma inequívoca com os revolucionários.

E ambos têm um gostinho – ou gostariam muito de ter, pelo menos – de Casablanca: o amor em tempos de guerra.

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Sim, porque, da mesma maneira inesperada com que Ilsa Lund, de todos os cabarés e botequins do mundo, acaba aparecendo no de Rick Blaine, o major Dapes vai parar, entre todos os cento e tantos países do mundo, justamente naquele em vive sua grande paixão, Alexandra.

Alexandra não tem propriamente o charme de Ilsa Lund, nem Brooke Adams poderia pretender alguma comparação com Ingrid Bergman. Mas o personagem é interessante, fascinante mesmo. E é uma atriz que tem presença forte.

Não me lembrava de Brooke Adams.

Nasceu em 1949, em Nova York, estudou na High School for the Performing Arts e na School of the American Ballet, ambas de sua cidade natal. Diz dela o Baseline que foi atriz juvenil de teatro; sua carreira no cinema recebeu grande impulso com Cinzas do Paraíso/Days of Heaven, de Terrence Malick, ao lado de Richard Gere e Sam Shepard, e Os Invasores de Corpos/Invasion of the Body Snatchers, de Philip Kaufman, os dois de 1978. Estava no ponto mais alto de sua carreira quando interpretou o principal papel feminino no filme dirigido por Richard Lester. Nos anos seguintes, sua carreira declinou, enquanto fazia filmes de terror pouco importantes; nos anos 2000, participou de diversas séries de TV.

zzcuba6Lester, um americano que fez carreira no cinema inglês, ficará para sempre lembrado como o sujeito que dirigiu os dois filmes estrelados pelos Beatles, A Hard Day’s Night, de 1964, e Help!, de 1965. Em 1967, quando cada um dos Beatles procurava formas de se expressar individualmente, Lester dirigiu John Lennon em Como Ganhei a Guerra/How I Won the War.

Ao ver depois de velho Petulia, de 1968, com a estonteante beleza de Julie Christie, me desapontei bastante. Mas, no sentido contrário, tenho adoração por outro filme de Lester, Robin e Marian, de 1976, em que um Robin Hood velho e cansado, interpretado por Sean Connery, se reencontra com o amor da juventude – um papel lindamente perfeito para Audrey Hepburn, em um de seus últimos trabalhos.

Ainda se endeusa a revolução – mas já há quem discorde

Cuba começa bem demais – mas cai um pouco, à medida em que a ação vai avançando. Talvez por ter personagens demais, subtramas demais – nenhuma delas particularmente interessante ou muito bem desenvolvida. Não é um grande filme, na minha opinião – mas está longe de ser um filme ruim. Tem diversas qualidades, merece ser visto e revisto.

Mesmo por quem – como eu, como Mary, como a imensa maior parte das pessoas que conheço – foi no passado entusiasta da revolução cubana e hoje se entristece ao ver que os jovens idealistas se transformaram em ditadores caquéticos, em nada distantes do ditador que derrubaram há mais de meio século.

Mesmo diante dos evidentes sinais de apodrecimento da ditadura castrista, o cinema continua fascinado pela revolução cubana e os homens que a fizeram. Ernesto Che Guevara mereceu, entre muitas outras, homenagens de Walter Salles, no belo Diários de Motocicleta, de 2004, e de Steven Sordeberght, nas duas longas partes de Che, de 2008. Mas já começam a surgir filmes que questionam a própria revolução, como A Cidade Perdida, que o cubano Andy Garcia – nascido em Havana em 1956, três anos antes da vitória de Fidel e cia. – dirigiu e estrelou em 2005. Ainda bem. Como dizia Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.

Anotação em fevereiro de 2013

Cuba

De Richard Lester, EUA, 1979

Com Sean Connery (Major Robert Dapes), Brooke Adams (Alexandra Pulido), Jack Weston (Gutman), Hector Elizondo (Raphael Ramirez), Denholm Elliott (Skinner), Martin Balsam (General Bello), Chris Sarandon (Juan Pulido), Alejandro Rey (Faustino), Lonette McKee (Teresa), Danny De La Paz (Julio), Louisa Moritz (Miss Wonderly), Dave King (assessor de imprensa), Walter Gotell (Don Jose Palido)

Argumento e roteiro Charles Wood

Fotografia David Watkin

Música Patrick Williams

Montagem John Victor Smith

Produção Arlene Sellers e Alex Winitsky, United Artists. DVD FlashStar.

Cor, 121 min

**1/2

4 Comentários para “Cuba”

  1. Havana consegui encontrar e já assisti via online e, gostei demais. Se um dia estiver aqui no site, comento alguma coisa.
    Já este ” Cuba “, ainda não consegui online mas vou continuar tentando.

    Abraços, Sergio !!

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