Nota:
Nada vem de graça na vida. Mesmo quando a gente acha que não deve nada a ninguém. Ao ver este O Cruzeiro/La Croisière, percebi claramente que fico me sentindo culpado se me diverto com um filme ruim, menor.
Chose de lóki.
O filme é menor mesmo. É uma comédia escrachada, beirando o pastelão, do cinemão comercial francês, daquele tipo que não tem qualquer tipo de compromisso com seriedade. É claramente voltado para o grande público, não para audiências cultas, cultivadas, educadas – imagino que mire o público acostumado a ver TV.
Só conheço um dos atores; possivelmente eles trabalham mais para a TV que para o cinema. E os atores atuam naquela forma exagerada, quase caricata, às vezes abertamente caricata, dos programas humorísticos de TV.
Praticamente toda a ação se passa dentro de um desses super ultra big transatlânticos – no caso específico, o MSC Fantasia, uma trolha onde cabem 3.900 passageiros e 1.300 tripulantes. Um super ultra big transatlântico fazendo cruzeiro lotado de turistas em si já é algo um tanto cafona, brega, boko moko, na minha opinião.
A trama criada pelas roteiristas Jeanne Le Guillou e Pascale Pouzadoux, esta última também a diretora, enfoca meia dúzia de personagens que viajam no naviozão, e que se envolvem nas situações mais embaraçosas, às vezes abertamente ridículas, estapafúrdias, quase sempre hilariantes.
E então eu gargalhava e me divertia à beça ao ver o filme – ao mesmo tempo em que me sentia culpado por estar gostando de um filme ruim, sem valor artístico, cultural, ou qualquer outro. Me sentia culpado – tanto filme importante para ver e comentar no site…
Mary, que ao contrário de mim é sã, simplesmente se divertiu. E muito.
Bem. Como sentimento de culpa é algo para eu discutir com o terapeuta (que não tenho), vamos em frente.
Uma fazendeira cujo marido some no naviozão, um sujeito traído pela mulher, uma ladra…
O filme começa em uma fazenda da Bretanha. Hortense (Charlotte de Turckheim, na foto acima) acaba de ser sorteada no Show Agrícola com o prêmio de duas passagens para um cruzeiro saindo de Marselha que passará pelas ilhas gregas. Hortense é uma fazendeirona rude, forte, grande. Ela e o maridão Pierrick (Franck Beckmann) jamais tinham posto o pé num navio.
Vemos então um mapinha da França, com a rota do casal de rudes fazendeiros desde a Bretanha, lá no alto, à esquerda do mapa, atravessando o país inteiro até o Sul, onde fica Marselha. Enquanto a rota vai sendo percorrida, temos o início dos créditos iniciais.
(Essa sacada, o mapinha da França, uma rota sendo percorrida ao longo de todo o país, havia sido usada em A Riviera Não é Aqui/Bienvenue Chez les Ch’tis, uma deliciosa comédia que foi um dos maiores sucessos de bilheteria na França nos últimos muitos anos. Creio que a diretora Pascale Pouzadoux se inspirou nela; tudo o que ela gostaria na vida, acho, seria ter ao menos parte do sucesso do filme de Dany Boon.)
Enquanto vão rolando os créditos iniciais, somos apresentados aos demais personagens, além do robusto casal de fazendeiros:
* Raphaël (Antoine Duléry), “casado há muitos anos”;
* Chloé (Nora Arnezeder, à esquerda na foto), “batedora de carteiras, coração arrasado”;
* Simone (Line Renaud), “viúva quatro vezes”;
* Alix (Marilou Berry, à direita na foto), “trabalha demais, desagradável, parisiense”.
Hortense, a fazendeira, vai perder o marido logo na chegada ao navio; eles estão na fila da recepção, Pierrick diz que precisa ir ao banheiro – e desaparece. Hortense fará o pessoal de bordo, os encarregados da segurança, procurar por Pierrick em todos os lugares. Ela tem certeza de que ele está escondido em algum lugar; costuma pregar peças nela – o desaparecimento, ela tem certeza, é apenas mais uma das peças que ele inventou.
A partir do desaparecimento de Pierrick, entrará em ação o chefe da segurança, um sujeito que se acha Bruce Willis.
Raphaël vê de longe sua bela mulher se encontrar feliz com o amante, e os dois subirem agarradinhos a escada para o navio. Vai entrar no navio como clandestino, em um dos carrinhos de bagagem. Visto pelo chefe de segurança, vai fugir, e acabar entrando num camarim dos artistas, de onde sairá travestido, em roupas de mulher. Homem travestido de mulher costuma render boas risadas, desde Quanto Mais Quente Melhor, e até antes da obra-prima de Billy Wilder de 1959, como por exemplo em Levada da Breca/Bringing up Baby, de Howard Hawks, de 1938, e então Pascale Pouzadoux usa o recurso.
Chloé, a batedora de carteiras de coração arrasado, preenche o requisito belíssima mulher jovem sensual, necessário a qualquer filme que pretenda fazer sucesso na bilheteria. A moça Nora Arnezeder é de fato lindíssima, uma coisa extraordinária. Logo de cara vai roubar a bolsa de Alix, a workaholic, e depois atrairá para a cabine um ricaço, que depenará depois de amarrá-lo prometendo um sexo selvagem.
Simone, a viúva rica (à esquerda na foto abaixo), entra no navio que conhece bem – é useira e vezeira em viajar em cruzeiros daquele tipo – com um passageiro clandestino, Bernard, seu cãozinho de estimação, o último grande amor de sua vida. Bernard proporcionará algumas situações hilariantes da história.
E, finalmente, Alix, a workaholic, vem na história para que o espectador ria dos presunçosos parisienses e de todos os que dedicam a vida a trabalhar demais com prazer de menos. Alix vai andando no meio daquela multidão de 3.900 passageiros e 1.300 tripulantes empurrando todo mundo, grosseiramente, e repetindo o bordão: “Eu não estou de férias”. Trabalha numa grande corporação, e está ali para achar um determinado homem de negócios para que ele assine um contrato milionário. Na verdade, Alix está sendo vítima de uma brincadeira pesada de seus colegas: o tal sujeito não está no navio; os colegas de Alix queriam que ela tirasse uns dias de férias à força no navio. Alix passará o tempo todo tentando encontrar uma forma de sair do transatlântico para voltar ao trabalho.
Marilou Berry, de família de gente do cinema, começou a carreira adolescente
Vejo que Charlotte de Turckheim, uma parisiense da classe de 1955, tem 55 títulos como atriz – a maior parte filmes e séries para a TV, como eu desconfiava.
Line Renaud, que faz a rica viúva Simone, veterana nascida em 1928, fez 60 filmes, boa parte deles também para a TV. Ela trabalhou no já citado A Riviera Não é Aqui.
Marilou Berry é parisiense, de 1983, e vem de uma linhagem de gente de cinema. É filha da atriz e diretora Josiane Balasko e Philippe Berry, sobrinha do ator Richard Berry. Sua carreira é mais no cinema que na TV; vejo agora que, bem jovem, adolescente ainda, ela fez um dos papéis principais em um belo filme, Questão de Imagem/Comme une Image, de Agnès Jaoui, de 2004. É uma das atrizes que mais exageram nos gestos e nas caretas, neste filme aqui – mas parece que foi o que a diretora pediu, exagero, over-acting.
Nora Arnezeder, bela como se tivesse sido desenhada no Photoshop, também é parisiense, e mais jovem ainda – nasceu em 1989. Sua filmografia tem apenas 12 títulos; começou na TV, mas seus trabalhos mais recentes são no cinema.
E, finalmente, Pascale Pouzadoux, a diretora e co-roteirista, de quem jamais tinha ouvido falar. Atriz de filmes para a TV francesa desde 1990, 15 títulos no currículo como atriz. Este O Cruzeiro é seu terceiro longa-metragem como diretora.
Então é isso aí. O Cruzeiro não tem qualquer finesse – muitas vezes sem humor é bem grosseiro. Não tem sérias considerações sobre a vida o amor a morte. O que ele tem é piada, piada atrás de piada.
Não é um bom filme – mas é engraçadérrimo. Pessoas que sabem viver, que não são assoladas por sentimentos idiotas de culpa, vão se divertir à beça ao vê-lo.
Anotação em outubro de 2012
O Cruzeiro/La Croisière
De Pascale Pouzadoux, França, 2011
Com Charlotte de Turckheim (Hortense), Line Renaud (Simone), Marilou Berry (Alix Sainte-Beuve), Antoine Duléry (Raphie), Nora Arnezeder (Chloé), Armelle (Marie-Do), Stéphane Debac (Diego), Jean Benguigui (o comandante), Camille Japy (Camille), Franck Beckmann (Pierrick Lebouillonec)
Roteiro Jeanne Le Guillou e Pascale Pouzadoux
Música Érica Neveux
Produção Fidélité Films, Wild Bunch, Mars Distribution, TF1 Films Production.
Cor, 100 min
**
eu amei este filme alem de ser engraçado o que o autor quis mostrar o estilo de vida de alguns mudaram depois de o cruzeiro o seu modo de pensar