Bon Appétit

3.0 out of 5.0 stars

Mais um dos tantos filmes recentes que usam a gastronomia como pano de fundo da história, este Bon Apppétit tem uma série de características bastante interessantes – e alguns paradoxos.

É uma comédia romântica, tem todo o jeitão de uma comédia romântica. No entanto, não tem muitas situações abertamente engraçadas. Ao contrário: há muito drama, desencontro. Não há casal feliz. Os amores são problemáticos, mal correspondidos, ou não correspondidos.

É um filme pan-europeu: co-produção de Espanha, Alemanha e Suíça, lançado em 2010, passa-se nesses três países. Os personagens e atores são de diversas nacionalidades – espanhóis, alemães, um italiano, suíços. No entanto, não fala, nem de longe, da profunda crise econômica que se abate sobre a União Européia. Não toca no assunto. É como se não houvesse crise alguma. Todos estão bem empregados, sem problema de dinheiro. Até mesmo o pai do personagem central, um basco hoje vivendo em Madri, num país onde o desemprego alcança absurdos 20%, tem um ótimo emprego.

E aí me ocorre que é fascinante a união desses três países para produzir o filme: um deles é mais rico de todos na União Européia, o outro é o mais antigo paraíso fiscal do planeta, que não aderiu ao euro, e o terceiro é um primo mais pobre, um dos PIGS. Estranha união.

O filme é repleto de belíssimas imagens de Zurique

Apontar esses dois paradoxos aí acima não significa, de forma alguma, falar mal do filme. São apenas duas características dele que me pareceram interessantes. É um filme muito bom, sincero, sensível, gostoso de se ver.

O protagonista da história é Daniel, natural de Bilbao, País Basco – e é interpretado por Unax Ugalde (nas fotos), ele também basco. E aqui vai também, se não propriamente um novo paradoxo, pelo menos uma pequena estranheza: Daniel, ao contrário de tantos bascos, eternamente separatistas, ou no mínimo sempre ciosos de sua própria língua, se diz espanhol, e não basco, e fala espanhol, e não basco.

Quando o filme começa, Daniel está chegando a Zurique – e o filme todo será repleto de belíssimas imagens da cidade. Bon Appétit, espanhol-alemão-suíço, é um filme que trata Zurique com o amor apaixonado com que Woody Allen costumava filmar Nova York, ou a paixão pelo Rio de Janeiro com que Bruno Barreto filmou Bossa Nova, para dar dois exemplos bem nítidos de absoluta devoção de realizadores por suas cidades natais.

O diretor David Pinillos é espanhol de Segóvia, mas sua câmara mostra uma Zurique estupidamente bela, magníficos prédios de não mais de cinco andares, avenidas amplas, rios largos, um lago, pontes elegantes, bondes atravessando a paisagem sem ruído e sem poluição – e, ao fundo, de qualquer lugar se veja, gloriosas montanhas. Mary, asinhas nos pés sempre, já queria fazer as malas para conhecer Zurique.

Desde a primeira cena em que Daniel e Hanna se vêem, dá para perceber – vai rolar história

Mas então Daniel está chegando a Zurique. É um garotão aí de uns 35 anos, mas parece bem mais jovem, muito agasalhado para o inverno suíço, barba por fazer. Fala ao celular com a namorada, Eva (Xenia Tostado); o espectador ainda não a vê, nem a ouve, mas, pelo tom com que Daniel fala com ela, fica muito claro que, na cabeça dele, a história não anda bem. Na verdade, para Daniel a história com Eva está desandando; a uma menção de Eva de que poderia viajar para ficar com ele, o rapaz argumenta que seria melhor que ela não viesse – ele estará muito ocupado, precisando trabalhar muito.

Daniel chega, tudo indica, com um bom currículo, e consegue emprego na cozinha de um restaurante finíssimo, elegantérrimo, chamado W – W, inicial de Wackerle, o sobrenome Thomas, o patrão (interpretado por Herbert Knaup).

Na cozinha, Thomas – que havia sido um chef famoso, e ainda gosta de estar lá, dando as ordens mais importantes – o apresenta aos novos colegas. Hugo (Giulio Berruti), um jovem italiano, é agora o chef, e Daniel será o seu segundo, seu braço direito. E há Hanna (Nora Tschirner, nas três fotos deste post), a sommelière, sommelieuse – ih, cacildabecker, sommelier tem feminino? Bem, Hanna é a entendida em vinhos da casa.

A câmara do diretor David Pinillos, as expressões de Daniel e de Hanna, tudo indica, de cara – e estamos com menos de dez minutos de filme – que aí vai ter.

Hanna parece interessada por Daniel, mas é amante do patrão

Ao final da primeira noite de trabalho de Daniel, Hugo propõe a ele e Hanna uma bebidinha num bar. Assim como durante o trabalho, conversam em inglês, segunda língua para o espanhol, o italiano e a alemã. Conversam sobre amor, sexo. Num momento em que Hanna sai da mesa, Hugo conta que teve um caso com ela – fantástico, mas durou apenas uma semana.

Hugo fica no bar para tomar mais uma, Daniel e Hanna saem caminhando. Hanna dá um beijo nele.

A bela moça vai chamar sempre a atenção de Daniel, como se estivesse se oferecendo. Mas ele rapidamente ficará sabendo que Hanna é amante do patrão, Thomas; a relação já dura bastante tempo.

Daniel vai ficar cada vez mais interessado pela colega.

Em meio a muitas sequências na cozinha, uma porção road movie

O filme tem muitas seqüências na cozinha do restaurante. O diretor David Pinillos usa e abusa daquele esquema de montar tomadas que mostram o passar do tempo mais rápido, e funciona maravilhosamente bem no ambiente agitado, de movimentos frenéticos dos profissionais experientes na cozinha.

Todo o filme tem uma montagem bem feitíssima. Não é à toa: Pinillos teve carreira como montador. Este aqui foi seu primeiro filme como diretor.

Uma outra característica interessante de Bon Appétit é a limpeza impecável de todos os ambientes, externos ou internos. Tudo o que aparece na tela é limpíssimo, cuidadíssimo, como se tudo tivesse acabado de ser pintado de novo. Parece coisa de quem veio do cinema publicitário.

O filme terá momentos de road movie: Daniel, Hugo e Hanna fazem uma viagem de carro de Zurique até Bilbao – e, mais para o final, haverá uma viagem de carro de Zurique até Munique.

E de fato é fascinante como Bon Appétit é uma comédia romântica cheia de dramas e desencontros. É como se se invertesse o belo verso de Vinicius – a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida. Para os autores, parece que a vida é o drama do desencontro, embora haja alguns encontros na vida.

Bon Appétit deu a David Pinillos o Goya – o Oscar espanhol – de melhor novo diretor. É um nome para se guardar, assim como os dos dois jovens, belos e competentes atores principais, Unax Ugalde e Nora Tschirner.

Anotação em janeiro de 2012

Bon Appétit

De David Pinillos, Espanha-Alemanha-Suíça, 2010

Com Unax Ugalde (Daniel), Nora Tschirner (Hanna), Giulio Berruti (Hugo), Herbert Knaup (Thomas), Elena Irureta (a mãe de Daniel), Xenia Tostado (Eva)

Argumento e roteiro Paco Cabezas, David Pinillos e Juan Carlos Rubio

Fotografia Aitor Mantxola

Música Marcel Vaid

Produção Morena Films, ARRI Film & TV Services, Egoli Tossell Film, Eurimages, Euskal Telebista (ETB), Instituto de Crédito Oficial (ICO)

Cor, 91 min

***

4 Comentários para “Bon Appétit”

  1. Foi bem difícil encontrar esse filme, e a versão que eu encontrei e baixei era toda dublada em espanhol com sotaque da Espanha. A vantagem é que por ser dublado era mais fácil pra entender, mas fora isso, perdeu-se muito nas interpretações. Não sei se foi por esse motivo, mas achei as atuações bem mais ou menos, mesmo as do Unax Ugalde e da Nora Tschirner. Prestei bastante atenção às expressões faciais, e achei ambos meio careteiros. O cara que faz Hugo, colega deles, está mais para modelo que para ator. A história achei meio fraca também, com alguns momentos bons, como a parte em que os três pegam a estrada. O que mais gostei foi da gastronomia, de mostrarem a comida sendo preparada, as movimentações e correria na cozinha de um restaurante metido a besta; eu gosto de filmes que falam sobre comida, chefs, restaurantes, e isso para mim, foi o que salvou. Ao fim e ao cabo me pareceu uma história ruim e mal contada, uma espécie de dramalhão mexicano, com atores bonitinhos mas ruins.

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