Sementes de Tamarindo / The Tamarind Seed

Nota: ★★★☆

Anotação em 2011: Sementes de Tamarindo, hoje pouco conhecido, obscuro, foi o segundo dos sete filmes que Blake Edwards dirigiu com sua mulher, a maravilhosa, multi-talentos Julie Andrews. Foram quatro comédias, uma comédia dramática, um drama familiar e um drama/thriller de espionagem – este aqui, feito em 1974, cinco anos depois que diretor e atriz-cantora se casaram.

É um típico produto da guerra fria. Julie faz o papel de Judith Farrow, secretária de um importante funcionário do Ministério do Interior britânico. Havia perdido o marido alguns anos antes da época em que se passa a ação – ele morreu num trágico acidente de carro, mostrado em uma rápida sequência bem no início da narrativa. Depois, havia tido um caso com um homem casado, Richard Paterson (David Baron), um militar britânico lotado na embaixada em Paris. Ao perceber que o caso era uma canoa furada, Judith pede férias, vai conviver com suas angústias em Barbados, no Caribe – está lá numa praia linda quando a ação começa, após créditos iniciais extremamente bem feitos, uma seqüência de belas imagens, ao som de uma melodia impressionante composta por John Barry, por coincidência o autor da trilha sonora dos primeiros filmes da série de James Bond, o 007 do serviço secreto inglês.

Também de férias em Barbados, hospedado no mesmo hotel, está Feodor Sverdlov, coronel do exército soviético, adido militar na embaixada da URSS em Paris – o papel do egípcio Omar Sharif, tornado astro mundial por dois filmes do mestre David Lean, Lawrence da Arábia, de 1962, e em especial Doutor Jivago, de 1965.

O russo bonitão joga todo seu charme para cima da bela inglesa.

As férias em Barbados bem observadas pelos ingleses e pelos soviéticos

Bela inglesa – e aqui é preciso enfatizar que Julie Andrews, então com 39 anos, nunca esteve tão bela quanto neste filme. E o marido diretor é plenamente consciente da beleza da mulher atriz, e a expõe sem pudor algum, muito antes ao contrário. Como a temporada de férias é em Barbados, vemos Julie Andrews de biquíni em diversas sequências – uma mulher sensacional, de babar.

Os movimentos da secretária de alto funcionário do Ministério do Interior e do coronel russo serão cuidadosamente acompanhados pelos dois lados, os britânicos e os soviéticos. Um agente da segurança britânico, Jack Loder (Anthony Quayle), recebe informações detalhadas sobre os passos do casal de férias em Barbados, assim como o embaixador soviético em Paris, o general Golitsyn (Oscar Homolka), mantém-se informado sobre tudo o que se passa na ilha caribenha com seu funcionário graduado.

Judith permite que Sverdlov lhe faça a corte; dançam à noite, almoçam e jantam juntos, passeiam juntos pela ilha, visitam um museu, discutem sobre um caso histórico de um escravo e uma semente de tamarindo, discutem até política, o marxismo, o capitalismo. Mas Judith não permite sexo. Resiste às insistentes cantadas. Sverdlov insiste, não desiste, mas a dama inglesa é de ferro – saiu de férias para se curar da dor de amor com o marido de outra, não quer entrar em outra fria naquele momento.

De volta a Londres, Judith enfrenta um duro interrogatório do agente de segurança Loder. O que ela disse para o russo? Que informação passou?

De volta a Paris, Sverdlov diz para o embaixador Golitsyn que está trabalhando incansavelmente para recrutar a funcionária britânica para agir como espiã para a União Soviética.

A traição conjugal é absolutamente comum – assim como a ideológica

Mas afinal: Sverdlov está mesmo tentando recrutar Judith para trabalhar como uma espiã para os soviéticos? Ou simplesmente se apaixonou?

A dúvida permanecerá na cabeça do espectador durante um bom tempo.

O roteiro de Blake Edwards se baseia num romance escrito por uma mulher, Evelyn Anthony. Evelyn Anthony, aprendo agora, ao escrever esta anotação, é o pseudônimo literário de Evelyn Ward Thomas, nascida em Londres em 1928, autora de romances históricos e, mais tarde, de romances sobre espionagem. The Tamarind Seed foi publicado em 1971 – Blake Edwards foi rápido na adaptação para o cinema.

Não conheço nada do que Evelyn Anthony escreveu, mas me parece importante notar que é uma história criada por uma mulher.

Todo o pano de fundo da trama é político, mas a espionagem se mescla com o pessoal – todo mundo espiona todo mundo, tudo se sabe, não há segredos íntimos. Os serviços de inteligência – e também o espectador – sabem quem transa com quem, quem trai quem, em termos afetivos. A traição conjugal é absolutamente comum – assim como a traição ideológica.

Tem toda a trama política, e é uma bela trama, engenhosa – mas o que mais importa, na verdade, é a ligação afetiva entre a inglesa e o russo. É, inegavelmente, uma história escrita por uma mulher.

É visível a paixão que o diretor sente por sua estrela

Além deste Sementes de Tamarindo, Edwards e Julie Andrews fariam juntos Lili, Minha Adorável Espiã/Darling Lili, de 1970, Mulher Nota 10, de 1979, S.O.B., de 1981, Victor/Victoria, de 1982, Meu Problema com as Mulheres/The Man Who Loved Women, de 1983, refilmagem americana de O Homem Que Amava as Mulheres, de François Truffaut, e Assim é a Vida/That’s Life!, de 1986.

Esta segunda das sete obras que fizeram juntos é um bom filme, competente, bem feito em todos os quesitos, em todos os detalhes. É visível a paixão que o diretor Blake Edwards tinha por sua estrela – é um filme feito para Julie Andrews brilhar, e ela, linda e talentosa, brilha. A trilha sonora de John Barry é absolutamente soberba; ele compôs a trilha de cerca de cem filmes, mas acredito que esta seja uma das mais belas. Blake Edwards percebeu a pepita de ouro que tinha nas mãos, e realçou a música o máximo que pôde.

Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: “Bem montada história de espionagem e romance passada em Londres, Paris e Barbados; mostra o que um diretor competente pode fazer com material tolo”.

Não concordo: não acho tola essa história de amor nos tempos da guerra fria.

O Guide de Films de Jean Tulard dedica muito mais espaço ao filme que o guia de Maltin. Após uma longa, detalhada sinopse, diz:

“Primeiro filme rodado por Blake Edwards na Grã-Bretanha após sua decisão de deixar os Estados Unidos, Top Secret (assim o filme se chamou na França) fecha uma série de obras que exploraram gêneros rigorosamente codificados. Como Darling Lili, é menos um filme de espionagem que uma love story sobre um fundo de espionagem, com a diferença de que o o cineasta trata aqui seu tema sem a intervenção de elementos estranhos, cômicos ou espetaculares, sem ironia, também, aceitando as regras do gênero e colocando de fato seu filme dentro da linha de melodramas assinados por Frank Borzage, Leo McCarey ou George Cukor, duas ou três décadas antes. No entanto, paralisado pelos estereótipos que desta vez ele não procura dinamitar, Edwards não reencontra a não ser episodicamente sua inspiração.”

Uns milhares de anos a mais de civilização fazem imensa diferença.

Um crime: no DVD, as legendas são lamentáveis

Um registro triste. Sementes de Tamarindo foi lançado em DVD no Brasil pelo selo ClassicLine, uma dessas empresas que têm CGC mas na prárica fazem pirataria. Como o filme não pertence a um grande estúdio, ou grande empresa distribuidora, deve certamente ter seus direitos autorais no limbo – e então pode ser lançado aqui sem que se pague nada a ninguém. Até aí, nada contra – melhor haver o filme disponível no Brasil.

Mas o que se fez com as legendas em português é um crime. O Procon deveria aplicar multa severa.

A expressão Home Office, que significa, evidentemente, Ministério do Interior, é traduzida, diversas vezes, por escritório domiciliar. Se o espectador não tiver algum conhecimento de inglês, simplesmente não ficará sabendo que Judith Farrow trabalha para o Ministério do Interior britânico.

Caribe vira “Caraíbas”.

Mistress, amante, uma hora lá aparece como “esposa”. Fairy tales, contos de fada, vira “histórias razoáveis”.

Um crime.

Sementes de Tamarindo/The Tamarind Seed

De Blake Edwards, EUA-Inglaterra, 1974

Com Julie Andrews (Judith Farrow), Omar Sharif (Feodor Sverdlov), Anthony Quayle (Jack Loder), Dan O’Herlihy (Fergus Stephenson), Sylvia Syms (Margaret Stephenson), Oscar Homolka (general Golitsyn), Bryan Marshall (George MacLeod), David Baron (Richard Paterson), Celia Bannerman (Rachael Paterson)

Roteiro Blake Edwards

Baseado no romance de Evelyn Anthony

Fotografia Freddie Young

Música John Barry

Montagem Ernest Walter

Figurinos Christian Dior

Produção Incorporated Television Company (ITC), Jewel Productions, Lorimar Productions, Pimlico Films. DVD ClassicLine

Cor, 123 min

***

Título na França: Top Secret

7 Comentários para “Sementes de Tamarindo / The Tamarind Seed”

  1. Formidável matéria sobre “Sementes de Tamarindo”, Sérgio. Também concordo com você, Julie está realmente belíssima e é um prazer vê-la nesse filme que mescla romance e espionagem. Rolou química entre Julie e Omar, e a maravilhosa música de John Barry realmente estabelece o clima! E você assinalou muito bem: a tradução deixa muito a desejar. Além dos absurdos que você apontou, existem muitos outros. Preciso rever o filme para lembrar de todos, mas agora recordo-me de “stop crying” como “para de gritar”, ao invés de “pare de chorar”, que era o que Omar dizia Julie ao atender o telefone aos prantos. Outra cassetada hilária é “secretário masculino” kkkk pode? E apesar de não entender nada de russo, parece-me que Omar chama Julie de “dushinka” e não “pushinka” hehe, que penso corresponder ao inglês “darling” – querida.
    Enfim, um filme bem romântico, com lindas locações, muito bem dirigido por Blake e Julie no auge da beleza. E ainda aparece de bikini pela primeira vez nas telas – e está em plena forma!!! Grande abraço e parabéns, Sérgio!

  2. Uma das questões mais peculiares, a meu ver, é que por padrões técnicos talvez o filme não devesse se encaixar no estilo de Blake Edwards; mas é através dele que o diretor mostra sua versatilidade. Edwards ficou marcado pela comédia, em especial do gênero “slapstick”, mas nunca temeu sair de sua zona de conforto. E na maioria das vezes obteve sucesso diante das experiências.

    Não há sombra de dúvidas que Julie Andrews foi a sua musa do primeiro ao último instante de sua carreira – a partir do momento em que se envolveram. Usar Julie como uma das principais protagonistas de sua carreira não parte de uma opção cômoda, gerada pelo love affair, e sim de uma atitude que demonstra irrevogável respeito e admiração pelo talento da mesma.
    Exibir a esposa em seus filmes, seja pelo formidável talento ou pela beleza, deve ter sido motivo de grande orgulho pra Blake. Aqui, por exemplo, as características físicas de Judith na verdade são uma extensão da Julie com quem ele convivia diariamente: o estilo, cor e corte de cabelo que ela usou durante toda a década de 70; a forma de se vestir; a maquiagem básica, feita somente para realçar a beleza…
    Se a composição geral dos filmes que seguem a partir daqui são bons ou não, independe. Se a missão é fazer Julie brilhar, de maneira ou outra, Blake não falha nunca.

    E a relação musical que Blake cria para a trama de seus filmes sempre é muito interessante e distinta. Sempre foi muito feliz em utilizar a melodia de Henry Mancini, mas escolher John Barry para “Sementes…” foi uma grande sacada. E John Barry é sensacional! A composição da trilha-sonora de Entre Dois Amores (Out of Africa) está entre as minhas preferidas – linda, linda, linda.

    Quanto ao DVD e a produção do mesmo: trágico. Puro descaso. A legenda, de fato, é digna de reclamação no Procon. É por essas e outras que o filme permanece obscuro, assim como o seu DVD.

    Enfim, excelente matéria, Sérgio. Você levantou ótimas questões. Abraços e parabéns, mais uma vez!

  3. gosto do ator Omar e vi recentemente(ontem pra ser mais exato!)um filme em que ele já idoso interpreta o apóstolo Pedro!é um ator com uma presença que sempre passa força,masculinidade,dignidade em cena!e se julie Andrews continua uma bela senhora hoje em dia em sua juventude então deveria derreter corações!ainda mais em uma praia paradisiaca em Barbados!! gostei da homenagem que a Lady Gaga fez a julie no Oscar 2015!

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