Os Garotos Estão de Volta / The Boys Are Back

[rating;2.5]

Anotação em 2010 (postada em fevereiro de 2011): Os Garotos Estão de Volta é um bom filme sobre temas duros, pesados: a perda da mulher, e, depois, o igualmente doloroso desafio de criar filhos sozinho.

O diretor Scott Hicks tem boas obras no amplo currículo: Shine – Brilhante, de 1996, Neve Sobre os Cedros/Snow Falling on Cedars, de 1999, Lembranças de Um Verão/Hearts in Atlantis, de 2001. Como em Shine – seu filme mais famoso, sete indicações ao Oscar, prêmio de melhor ator para Geoffrey Rush no papel de um pianista com enorme carga de problemas psicológicos –, neste seu novo filme ele também retrata um drama familiar real.

O roteiro, de Allan Cubitt, se baseia no livro autobiográfico de Simon Carr, um jornalista de esportes inglês. No filme, o protagonista – interpretado, com brilho, por Clive Owen – se chama Joe Warr; é um jornalista de esportes inglês que se apaixona perdidamente por uma jovem australiana praticante de hipismo, Katy (Laura Fraser). Por causa dela, abandona a mulher, Flick (Natasha Little), o filho Harry, que então estava com oito anos, e seu país. Muda-se para a Austrália, no outro lado do mundo, casa-se com Katy, têm um filho, Artie.

Vivem felizes, apaixonados – mas, quando Artie (Nicholas McAnulty) está aí com uns seis anos, Katy tem um câncer fulminante e morre.

Quando a ação começa, pai e filho estão viajando sozinhos pela Austrália. A morte de Katy é mostrada em flashbacks, e o passado de Joe Warr vai sendo contado aos poucos.

Superar a dor da perda – mostra o filme, com a ajuda da sensibilidade do diretor Hicks e a ótima atuação de Clive Owen – é aquela barra pesadíssima, que parece que não vai acabar nunca. Mas pior ainda, bem pior ainda, é ter que tocar a vida, e cuidar sozinho do filho pequeno.

Joe tem algumas sortes, algumas vantagens. Não tem problemas com falta de dinheiro; tinha refeito a vida na Austrália, é um excelente repórter, tem bom emprego em um jornal grande; Katy era filha de fazendeiros ricos; a casa que têm, perto do mar, longe da cidade (que deve ser Adelaide, embora o nome não seja citado no filme), é boa, confortável. Os sogros, Barbara (Julia Blake) e Tom (Chris Haywood), são gente boa, disposta a ajudar. Os chefes no jornal são compreensíveis, dão força no início.

Mas Joe tem também seus azares, ou problemas, que vão tornar as coisas todas muito difíceis. Seu primeiro filho, Harry (George MacKay), com todas as carências de ter sido abandonado pelo pai, demonstra desejo de passar uma temporada com ele – e, embora ainda não refeito da perda, ainda sem ter conseguido organizar a vida com o garoto Artie, Joe, bom sujeito, bom caráter, recebe em casa o filho mais velho.

O fato de morar longe da cidade e portanto do trabalho, numa casa isolada, é um tremendo complicador. Até porque, passado algum tempo, o jornal vai voltar a exigir sua presença, seu trabalho, tal como era antes da tragédia.

Mas o maior problema de todos é que Joe é homem.

          A verdade é que as mulheres são superiores a nós

O filme demonstra isso muito bem – foi a minha impressão, a minha sensação. Não sei se outros espectadores notarão isso tão claramente. Mas, para mim, o grande problema é que Joe é homem.

A verdade dos fatos é que as mulheres conseguem – sei lá como, por quê – ter jornada de trabalho dupla, tripla. Conseguem trabalhar fora, cuidar da casa e da educação dos filhos – mesmo quando estão sozinhas, são viúvas, ou separadas.

Os homens não conseguem.

Repito: sei lá como, por quê. O fato é que as mulheres são seres superiores a nós.

Se a situação fosse inversa, se o marido tivesse morrido, a mulher teria muito mais rapidamente conseguido reorganizar a vida. Não teria havido um livro autobiográfico, não teria havido um filme.

Joe Warr come o pão que o diabo amassou na tentativa de reorganizar a vida após a morte de Katy. Sofre que nem um condenado – e, é claro, faz sofrer o filho menor, o filho maior.

Faz sofrer também, um pouco, o espectador. Eu, pelo menos, sofri junto com ele; fiquei com pena dele, coitado. Até porque, repito, é um bom sujeito, um bom caráter. Mas é homem: cuidar da casa, do trabalho e dos filhos, ao mesmo tempo, é demais. O bicho comete erros – não tem jeito.

É isso. Um bom filme, valorizado por grandes interpretações de todo o elenco. Os garotos George MacKay e Nicholas McAnulty estão ótimos. À altura do bom Clive Owen.

Um bom filme. Nada excepcional, extraordinário – mas sensível, honesto.

Os Garotos Estão de Volta/The Boys Are Back

De Scott Nicks, Austrália-Inglaterra, 2009

Com Clive Owen (Joe Warr), Emma Booth (Laura), Laura Fraser (Katy), George MacKay (Harry), Nicholas McAnulty (Artie), Julia Blake (Barbara), Chris Haywood (Tom), Erik Thomson (Digby), Natasha Little (Flick)

Roteiro Allan Cubitt

Baseado no livro de Simon Carr

Fotografia Greig Fraser

Música Hal Lindes

Com música de Sigur Rós

Montagem Scott Gray

Produção BBC Films, Miramax, The South Australian Film Corporation, Tiger Aspect Productions. DVD Califórnia Filmes

Cor, 103 min.

**1/2

4 Comentários para “Os Garotos Estão de Volta / The Boys Are Back”

  1. Não é mesmo um filme extraordinário, mas gosto bastante dele. Acho que já vi umas quatro vezes, e em todas gostei do mesmo tanto. Primeiro, pq tem o Clive Owen com seu sotaque britânico e sua voz sexy. Segundo, pq o filme é bom, e eu gosto de filmes assim, que retratam a vida das pessoas, o dia-a-dia, o trabalho, as relações, a casa, a viagem, a hora da comida e até a lavação de roupa.
    De quebra, é um filme com crianças, e eu adoro filmes com crianças. E apesar do assunto triste de perder um ente querido, isso não faz com que ele fique pesado.

    Ele fala de um tema bastante comum na vida real, mas pouco abordado nos filmes: o homem que se separa ou abandona a primeira mulher e o filho, depois se casa novamente, tem outro filho com a nova mulher e daí acaba por “esquecer” o filho do primeiro relacionamento.

    É interessante ver que mesmo tendo o costume de ajudar a mulher nos afazeres domésticos, ainda assim, depois que ela se vai, Joe fica perdido no meio da sua própria bagunça e sujeira (homem bagunceiro e sujão pelo jeito também é algo globalizado). Ou seja, mesmo quando o marido ajuda a mulher em casa, o comando geral e a parte mais pesada sempre sobra pra ela. Já disse Adélia Prado que os homens são fraquinhos e as mulheres são desdobráveis.

    Embora sem carisma, tb achei que os meninos são bons atores. O mais velho tem todo o jeito e a carinha de filho abandonado, carente, que sofre ao ver que o pai só tem fotos com o irmão mais novo. Mas é um bom menino, foi bem educado, apesar da mãe ressentida e do pai ausente, e não guarda raiva do irmão menor.
    Dá um pouco de pena ver o caçula tendo que se virar sozinho, calçar o sapato, pegar roupa limpa no varal. Mas ao mesmo tempo, gostei dessa criação mais independente (infelizmente, as mulheres ainda criam os filhos de forma machista, dando tudo na mão).

    No fim, é bom ver a relação do pai com os meninos. Apesar de tudo, ele não fugiu da responsabilidade; a maioria teria entregue o menino à avó materna, e não teria recebido o mais velho para passar um tempo com ele, num momento tão difícil.

  2. Gente,gostei muito tb, e aquela resposta do pai p/ a pergunta: Por que não posso falar palavrão aqui? ADOREI, ÓTIMA, INCRÍVEL, queria lembrar exatamente com todos as letras…
    Abç
    PS:Excelente blog

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