Os Carrascos Também Morrem / Hangmen Also Die

2.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2011: Não resultou em um grande filme, na minha opinião, o encontro de dois dos maiores nomes da cultura alemã do século XX, o cineasta Fritz Lang (1890-1976) e o poeta, dramaturgo e ensaísta Bertolt Brecht (1898-1956).

Os dois estavam exilados nos Estados Unidos, fugindo do nazismo. Escreveram juntos a história deste Os Carrascos Também Morrem/Hangmen Also Die, que Fritz Lang filmou com base em roteiro assinado por John Wexley em 1943, em plena Segunda Guerra – e o senso de urgência, a necessidade de fazer um panfleto contra a barbárie nazista, uma peça do esforço de guerra, podem explicar em parte os defeitos do filme.

Há panfletos que funcionam como belos filmes, como, por exemplo, O Preço de uma Escolha/If These Walls Could Talk, em defesa do direito ao aborto, ou A Vida de David Gale/The Life of David Gale e Dois Homens Contra uma Cidade/Deux Hommes Dans la Ville, contra a pena de morte e os erros do sistema judiciário. Até mesmo filmes do esforço de guerra, enaltecendo o patriotismo, procurando manter elevado o moral de um povo, podem ser obras de arte, como Nosso Barco, Nossa Alma/In Which We Serve, que Noël Coward e David Lean co-dirigiram em 1942, um ano antes de Os Carrascos.

Não que o filme de Lang com base na história escrita por ele e por Brecht seja ruim. De forma alguma. Tem muitas qualidades – mas não chega a ser um grande filme, na minha opinião. Vou tentar justificar essa afirmação, mas antes é preciso fazer uma sinopse, uma apresentação da história.

          O Carrasco já mandara matar 50, mas queria matar mais, muito mais

A ação se passa toda em Praga, então capital da Checoslováquia, hoje da República Checa – o país estava sob o domínio dos nazistas, e o comandante supremo das tropas invasoras era Reinhard Heydrich (Hans von Twardowski), uma figura absolutamente asquerosa mostrada ao final da seqüência de abertura. Para os nazistas, ele era o Reichprotektor, o Protetor do Reich. Para as pessoas de Praga, de todas as classes sociais, era “O Carrasco”.

A seqüência de abertura mostra uma reunião da elite nazista em Praga – um grande bando de oficiais do Exército, das SS e da Gestapo. O tema da reunião é a resistência do povo checo à nova ordem estabelecida pelos invasores: uma importante fábrica de material bélico estava produzindo muito menos que deveria, por obra da sabotagem de renitentes checos. “O Carrasco” Heydrich já havia ordenado o fuzilamento de 50 trabalhadores, na tentativa de sufocar a rebeldia; não tinha havido progresso, e agora ele passa para os oficiais da Gestapo a responsabilidade de gerir a fábrica, sob a supervisão dele próprio. Quer que o número de fuzilamentos aumente muito.

Heydrich, no entanto, é baleado pouco depois dessa reunião, e fica entre a vida e a morte. O espectador não vê o atentado – o roteiro faz uma elipse, e mostra em seguida um homem que anda pelas ruas de Praga tentando encontrar um lugar em que se esconder. O homem, veremos depois, é membro da resistência tcheca ao invasor, um médico de um importante hospital, o dr. Franz Svoboda (Brian Donlevy, à direita na foto acima). Por um mero acaso, ele terá a ajuda de uma jovem, Mascha (Anna Lee), filha de um respeitado professor da universidade, Novotny (Walter Brennan).

Todos os esforços dos invasores vão se concentrar, então, na busca do homem que atirou em Heydrich. Será imposto o toque de recolher – quem for visto nas ruas após as 19h30 poderá ser fuzilado imediatamente. Centenas de pessoas serão presas, e uma vez por dia algumas delas serão fuziladas, até que seja identificado o atirador.

          O maniqueísmo leva a interpretações caricaturais demais

A trama que Lang e Brecht criaram a partir daí é engenhosa. Há surpresas, reviravoltas, revelações.

O que o filme pretende é mostrar todo o povo checo como heróico, milhões de pessoas unidas em torno do ódio ao invasor, e, no sentido inverso, mostrar todos os invasores e os colaboracionistas como a perversidade em si.

E aí os problemas vão se acumulando. O propósito maniqueísta pode ser compreendido – vivia-se a guerra contra a barbárie nazista –, mas não resulta em uma narrativa que se possa admirar. A atuação dos atores que fazem os nazistas e colaboracionistas é caricatural demais. E, do lado dos bons, do lado dos patriotas checos, incompreensivelmente Fritz Lang não consegue também obter boas interpretações. Brian Donlevy tem um rosto que parece pedra, imutável ao longo de todo o filme. E a jovem Anna Lee, que toda a boa intenção do mundo me perdõe, mas ela é muito fraca, fraca demais. Exagera em tudo – no pânico quando a personagem está em pânico, na calma, na tranqüilidade, quando se exige que a personagem mantenha controle.

Há diversas tomadas de grande beleza plástica, de impacto emocional – experiente com o uso de sombras desde os anos 20, que marcaram o expressionismo alemão, Lang cria bons momentos. A causa é a mais justa, a mais nobre que possa haver – mas não é um grande filme.

Parece, hoje, um documento histórico, importante, sem dúvida alguma. Mas não me pareceu um grande filme.

É fundamental, aqui, ver outras opiniões, muito mais respeitáveis que as minhas.

          Fartos elogios em ótimo guia francês e em guia chato inglês

Diz o Guide des Films de Jean Tulard, que dá 3 estrelas em um máximo de 4:

“O filme traz a marca de Brecht, mesmo que ele tenha se sentido traído pelo outro roteirista, Wexley, que assina sozinho (o roteiro). É necessário recolocar a obra dentro de seu tempo e ver nela sobretudo um filme de propaganda que não corresponde à verdade histórica. A maestria de Lang não é menos total na direção.”

Nem Pauline Kael, em seu 5001 Nights at the Movies, nem Georges Sadoul, na edição brasileira de seu Dicionário de Filmes, falam sobre o filme.

Leonard Maltin, que fala sobre 17 mil filmes, dá 2.5 estrelas e 4 e apenas uma linha que contém spoiler: “Drama da Segunda Guerra Mundial escrito por Bertolt Brecht; letárgica atuação de Donlevy como assassino de notório líder nazista; clímax excitante incluindo (spoiler, que deixo de fora).

O Cinemania, CD-ROM lançado pela Microsoft que era tão bom que não reeditaram mais, informa que o filme teve duas indicações ao Oscar – para trilha sonora, assinada por Hanns Eisler, e pelo som, dirigido por Jack Whitney. O que me pareceu muito estranho; costumo prestar especial atenção à trilha sonora, e confesso que a trilha do filme não deixou marca alguma para mim.

O Film Guide da Time Out inglesa, que em geral mete o pau em tudo quanto é filme, começa dizendo: “Maravilhoso filme de propaganda antinazista estruturado como um thriller noir”. Depois acrescenta: “Brecht, que trabalhou originalmente no roteiro com Lang, disse que suas idéias foram traídas pelo produto final, mas a insistência de Lang em que na maior parte do filme empregou o trabalho do escritor parece confirmada pelas diversas ótimas seqüências, com a ação tipicamente langiana sendo muitas vezes interrompidas por discursos que comentam didática e inteligentemente o que se passa. A atmosfera é negra e opressiva, os nazistas são retratados com gângsteres ideológicos, e os temas de lealdade e traição, resistência passiva e ativa são belamente trabalhados. Atuações soberbas de todos, enquanto a fotografia de James Wong Howe capta perfeitamente o espírito opressivo da cidade ocupada, onde os lugares para se esconder são poucos e jamais seguros.”

Não vou, euzinho, bater boca com o Film Guide da Time Out; a fotografia de James Wong Howe de fato é extraordinária (mais acima, antes de ir às outras opiniões, eu já havia anotado sobre as muitas tomadas de grande beleza plástica). E está corretíssima a observação sobre a sensação forte de opressão que é transmitida ao longo de todo o filme.

Agora, dizer que as atuações são soberbas…

          Uma bela caixa com as obras de Brecht no cinema

É necessário registrar dizer que Os Carrascos Também Amam – que eu tinha visto antes, em 2001, na TV a cabo – foi lançado no final de 2010 no Brasil como parte de um boxe interessantíssimo, caprichado, de três DVDs, chamado Brecht no Cinema. A caprichada edição da Versátil (www.dvdversatil.com.br) reúne, além deste filme de Fritz Lang, A Ópera dos Três Vinténs, dirigida por G.W. Pabst em 1931, Kuhle Wampe, com roteiro de Brecht e Ernst Ottwalt, de 1932, A Vida de Berltolt Brecht, o documentário de Joachim Lang de 2006 sobre o autor, e mais curta-metragens e depoimentos de três estudiosos da USP sobre a obra de Brecht.

Uma preciosidade.

Os Carrascos Também Morrem/Hangmen Also Die

De Fritz Lang, EUA, 1943

Com Brian Donlevy (dr. Franz Svoboda), Walter Brennan (professor Novotny), Anna Lee (Mascha Novotny), Gene Lockhart (Emil Czaka), Dennis O’Keefe (Jan Horek), Alexander Granach (Alois Gruber), Margaret Wycherly (tia Ludmilla Novotny), Nana Bryant (sra. Novotny), Billy Roy (Beda Novotny), Hans von Twardowski (Reinhard Heydrich), Tonio Selwart (Haas, chefe da Gestapo), Jonathan Hale (Dedic)

Roteiro John Wexley

Baseado em história de Fritz Lang e Bertolt Brecht

Fotografia James Wong Howe

Música Hanns Eisler

Montagem Gene Fowler Jr.

Produção Fritz Lang, United Artists. DVD Versátil

P&B, 131 min

R, **1/2

Título na França: Les bourreaux meurent aussi

9 Comentários para “Os Carrascos Também Morrem / Hangmen Also Die”

  1. Parabéns pelo texto informativo e crítico. Compartilho da opinião que não se trata de um grande filme. Ele é mais longo do que deveria e tem menos impacto do que poderia ter. Vale pela curiosidade histórica mesmo…

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