Anotação em 2011: Tinha muita preguiça de ver A Rede Social. Nem sei muito bem por quê – talvez por não saber da riqueza da história, talvez até por ser uma das poucas pessoas que não usam o Facebook. Grande bobagem. O filme é muito, muito bom.
A atualidade, a velocidade com que as coisas foram acontecendo, a proporção que a coisa tomou – é tudo extremamente fascinante. A história de como foi a criação do Facebook é muito saborosa, os personagens são interessantes.
E a decisão de se fazer o roteiro mesclando, a cada momento, os acontecimentos lá do passado – imagine! tudo começou em 2003, outro dia mesmo! – com as sessões com os advogados das partes, à procura de um acordo extra-judicial, foi acertadíssima. Costumo em geral implicar com esse tipo de artimanha, de o roteiro ficar indo e voltando no tempo sem parar. E talvez nem fosse necessário, porque, de fato, a trama é rica – mas o fato é que a mistura do passado recente com o momento da briga via advogados por muito, mas muito dinheiro, tornou o filme ágil, dinâmico, com um tom de thriller.
Um tom de thriller. Bem, é a especialidade do diretor David Fincher, afinal. Ele fez Seven – Os Sete Pecados Capitais, de 1995, Clube de Luta, de 1999, O Quarto do Pânico, de 2002, Zodíaco, de 2007. E está, neste início de 2011, concluindo a refilmagem americana de The Girl with the Dragon Tattoo, a primeira parte da Trilogia Millennium, do sueco Stieg Larsson, que no Brasil se chamou Os Homens Que Não Amavam as Mulheres.
A rigor, não era preciso que os americanos filmassem de novo a história criada por Larsson, que já deu origem a um belo filme sueco, feito em 2009 por Niels Arden Oplev. Mas, como o cinemão comercial americano tem mesmo essa mania de achar que, se um filme foi feito fora das fronteiras do Império, então não existe, a escolha de David Fincher para dirigir a refilmagem é perfeita. O cara sabe fazer thrillers.
Zuckerberg, o criador do Facebook, se parece com Lisbeth Salander
E a verdade é que Mark Zuckerberg, pelo que mostra o filme (e tudo indica que ele seja bem fiel à história real), tem muitos pontos em comum com Lisbeth Salander, a anti-heroína criada pela imaginação fertilíssima de Stieg Larsson. Como Lisbeth Salander, Mark (maravilhosamente interpretado pelo garoto Jesse Eisenberg) é jovem demais, absoluto gênio em computação, com sérios problemas de desajustamento social, quase nenhum amigo no mundo.
A maior diferença entre os dois é que Lisbeth Salander, embora agressiva, capaz das mais inomináveis violências contra quem a agride, é infinitamente mais simpática do que Mark Zuckerberg.
Não li o livro que deu origem ao roteiro de A Rede Social, The Accidental Billionaires, de Ben Mezrich, mas foi uma bela sacada do roteirista Aaron Sorkin (cacete, como tem judeus nessa história!) abrir o filme com a conversa entre Mark Zuckerberg e sua então namorada, Erica (Rooney Mara), num pub pouco iluminado nas proximidades do campus da Universidade de Harvard. A conversa entre os dois já define perfeitamente para o espectador a personalidade do gêniozinho socialmente desajustado – sua empáfia, sua autoconfiança, sua presunção são tão gigantescas, tão ciclópicas, tão mamutianas quanto sua inteligência.
Logo após a conversa entre Mark e Erica, em que ela anuncia que o namoro havia acabado, vem uma seqüência extraordinária: diante de seus laptops, na moradia estudantil perto de Harvard, entre um gole e outro de cerveja, madrugada adentro, Mark hackeia diversos sites e cria um jogo de comparação dos rostos de todas as estudantes do campus e suas vizinhanças.
Muito provavelmente essa sequência é uma simplificação do que deve ter sido a história real. Não importa: um dos segredos de se contar no cinema uma história real é saber como transformar os fatos em elementos visuais atraentes. É permitido algum tipo de licença poética. Não se trata, afinal, de um documentário, mas de um filme baseado em fatos reais.
Quando, por volta das 4 horas de uma madrugada no outono de 2003, o chefe do sistema de segurança da rede de Harvard é acordado com o aviso de que a conexão poderá cair devido ao tráfego intenso, estamos com apenas uns dez minutos de filme, e David Fincher já fisgou inapelavelmente seus espectadores.
O ritmo de thriller vai se manter inalterado ao longo das duas horas exatas que dura este A Rede Social. É hipnotizante.
Uma bela seqüência que só uma produção cara é capaz de fazer
Nem todo produto do cinemão comercial de Hollywood é necessariamente ruim. É impressionante o que se pode fazer, quando há um bom orçamento à disposição de um diretor talentoso, que domina seu ofício.
Pensei nisso quando, a narrativa já se aproximando do final, David Fincher encena uma tradicional corrida de remo na Inglaterra em que os irmãos Winklevoss (Armie Hammer e Josh Pence), representando a Universidade de Harvard, disputam cada centímetro com uma equipe de holandeses.
Cacete: para filmar aquela sequência da regata, que dura ao todo não mais que uns três minutos, a produção deve ter gasto uma fortuna. Com o dinheiro investido para nos apresentar três minutos de regata, Domingos Oliveira faria uns cinco longa-metragens.
Mas é um momento importante da história. É o momento em que, após uma conversa rapidíssima e inesperada com o príncipe Albert, do Mônaco (que, aliás, cita seu avô, o pai de Grace Kelly), enfim, após meses e meses de discussão, o mais renitente dos irmãos Winklevoss se rende à vontade do irmão e do terceiro sócio, Divya Narendra (Max Minghella), e aceita ir à Justiça contra Mark Zuckerberg, exigindo dele uma imensa fortuna como indenização por ter, segundo o entendimento deles, roubado sua idéia.
Depois que, naquela madrugada de 2003, a brincadeirinha inventada por um Mark Zuckerberg enfurecido com o pé na bunda da namorada havia atraído 22 mil cliques e ameaçado derrubar a rede de Harvard, os Winklevoss e Divya haviam procurado o gêniozinho da programação, o hacker praticamente sem amigos. Eles estavam tentando criar uma rede social que pudesse ser usada pelos estudantes de Harvard para marcar encontros, conversar, e precisavam de um programador gêniozinho. Expuseram suas idéias para Mark, e ele topou trabalhar no projeto.
Mas aí, em vez de trabalhar para os três caras que o haviam procurado, Mark bolou por conta própria, com a ajuda do seu único amigo, Eduardo Saverin (Andrew Garfield, na foto acima), um programa que chamou de thefacebook.com.
Deu no que deu.
Foi através de uma frase que o príncipe Albert do Mônaco disse, após a regata, na Inglaterra, que os sócios Cameron e Tyler Winklevoss e Divya Narendra ficaram sabendo que o Facebook havia chegado também à Europa. Até então querendo resolver a pendenga como um cavalheiro, o mais renitente dos irmãos Winklevoss finalmente concordou com seus dois sócios: era para partir para o pau na Justiça contra o filho da puta do Mark Zuckerberg.
Felizmente o diretor David Fincher tinha um bom orçamento à mão. A seqüência da regata é um brilho.
Foi também uma bela, ótima sacada encerrar o filme sobre o mais jovem bilionário do mundo ao som da excelente (e menos ouvida do que deveria, até por mim mesmo) “Baby, You’re a Rich Man”, dos Beatles. A música se encaixa como uma luva na última seqüência do filme – e é interessante que uma produção de 2010, sobre fatos acontecidos a partir de 2003, resgate uma canção composta nos longínquos, distantes, pré-históricos anos 1960. Um bom toque para lembrar aos jovens que o mundo não começou quando eles nascerem.
Uma história que é um símbolo de sua época
A história do Facebook, de Mark Zuckerberg, de seu sócio Eduardo Saverin, da traição de Mark ao compromisso assumido com os irmãos Winklevoss e Narendra, a entrada em cena de Sean Parker, o inventor do Naptster, a disputa na Justiça, tudo isso é de fato um episódio sintomático, emblemático, sobre os valores deste início de século e milênio. O filme de David Fincher pode servir como um gostoso passatempo, um bom thriller, uma boa diversão, uma bela reconstituição de um fato histórico importante. Mas pode também servir como um importante documento de como funcionam os princípios morais, os valores, como se estrutura a sociedade, o capitalismo, na era da informática. Um vasto material a partir do qual se pode pensar muito.
Como era de se esperar de um filme que conta a gênese de uma ferramenta usada por mais de 500 milhões de pessoas, A Rede Social foi e ainda é um grande sucesso comercial. Custou US$ 40 milhões; lançado nos Estados Unidos em 1º de outubro de 2010, rendeu US$ 96 milhões só no mercado americano, e, no total, US$ 224 milhões. O dado é de abril de 2011 – computa, portanto, apenas os primeiros sete meses após a estréia.
E foi também um grande sucesso na área dos prêmios. Ganhou 84 prêmios e teve 67 outras indicações. Levou três dos oito Oscars a que concorreu, e quatro dos seis Globos de Ouro.
Não sei, não, mas muito provavelmente é, entre os filme de Hollywood que não têm um tiro, uma explosão, uma perseguição de carro, o de maior bilheteria dos últimos muitos anos.
Merecidíssimo sucesso.
A Rede Social/The Social Network
De David Fincher, EUA, 2010
Com Jesse Eisenberg (Mark Zuckerberg), Andrew Garfield (Eduardo Saverin), Justin Timberlake (Sean Parker), Armie Hammer (Cameron Winklevoss), Josh Pence (Tyler Winklevoss), Max Minghella (Divya Narendra), Rooney Mara (Erica Albright)
Roteiro Aaron Sorkin
Baseado no livro The Accidental Billionaires, de Ben Mezrich
Fotografia Jeff Cronenweth
Música Trent Reznor e Atticus Ross
Produção Columbia Pictures, Relativity Media, Scott Rudin Productions. DVD Sony.
Cor, 120 min
***1/2
Como eu já estou farto de tropeçar nesse Faceboock, é em sites, é em jornais, é em fóruns, seu lá mais aonde, e como não sei nada, absolutamente nada disso e dessa gente e nem quero saber, não vou ver o filme.
Pode ser o melhor filme de sempre, mas não quero.
Jose Luis, voce esta perdendo um filme de primeira. Gostei de A Rede Social. Gostei bastante. É um filme rápido! Tanto pelas discussões quanto pela edição, o espectador tem de ficar atento à tela, para não perder o fio da meada. As cenas são tensas e servem para apresentar uma bela geração de novos atores.A Rede Social é um filme dos bons. Um filme modernoso dos bons.
Sei não, sei não, você fica me fazendo rever minhas decisões. Até gosto do Fincher (obviamente Clube da Luta tem tudo pra agradar uma psicóloga, né) mas o mote do filme não me apetecia em nada. Ler este texto muda tudo. Vou ver, vou ver (mas depois dos antiguinhos na fila).
Caro Danilo,
O que você diz ainda me convence mais a não ver – “É um filme rápido! Tanto pelas discussões quanto pela edição, o espectador tem de ficar atento à tela, para não perder o fio da meada.”
Não gosto muito de filmes rápidos, alguns até fujo deles e não quero saber nada, mesmo nadíssima coisa dessa tal meada.
Mas que maravilha: três leitores inteligentes comentando o filme no meu site! Obrigado, e um abraço!
Sérgio
Eu também não acreditava no filme. Mas fiquei impressionado. José Luiz, nossos gostos são opostos, pois eu já prefiro ficar bem longe de filmes motótonos. Mas penso que você deve arriscar, hein…
Olá, Sérgio,
Crítica afiada, palavras muito bem escolhidas para descrever um filme excelente sobre um assunto tão batido como as redes sociais. Facebook é uma moda como outras, mas sua história virou um filme marcante. Seu site é líder dos meus acessos desde que vi aqui o post sobre Os Piratas do Rock.
Li em algum lugar uma comparação com Cidadão Kane ( sobre o tema, não sobre o formato). Mesmo não gostando, como José Luís, da saturação do Facebook, o filme é sim extremamente bem feito com um roteiro que parecia comum (jovem ambicioso, inescrupuloso vence na vida etc). David Fincher sabe fazer filmes de crítica social. Embora seja uma jogada milionária de propaganda do Facebook é a prova de que o criador permitiu que fosse retratado cruelmente, mais uma vez provando que tudo – absolutamente tudo – pode ser comprado.
É um filme curioso, desculpem, pelo sexismo, onde as garotas são absolutamente descartáveis, o que afinal não deixa de ser mais uma “denúncia” embutida. É um filme inteligente, que apesar da campanha maciça e agressiva no ínicio, acho que perdeu o Oscar exatamente pela saturação e do oba-oba, que não deixa de ser ironicamente como o Facebook, “estourou”, deu um boom e depois cansou.
🙂 Não se preocupem em tempo de Orkut, tweeter e facebook, não demora e aparece outra coisa.
Pois eu acompanho o José Luís ao não sentir qualquer apetência em ver um filme cujo enredo me diz absolutamente… ZERO! Não sou adepto das chamadas redes sociais, mais não seja por causa da proliferação de convites que diariamente inundam o meu outlook.
Não, muito obrigado, existem (e existerão sempre) outros filmes igualmente bons ou melhores e que têm a vantagem de conseguirem apelar bem melhor à minha disponibilidade.
E isto apesar de gostar bastante dos filmes do David Fincher.
Apesar do meu comentário aí de cima resolvi dar uma chance ao filme este fim de semana, uma vez que ele passava na TV por cabo.
Afinal…, foi o filme que não deu qualquer chance para mim. Aguentei apenas o primeiro quarto de hora – toda aquela “verbosidade” me cansou sobremaneira.
Às vezes sucede-me isto com alguns filmes que toda a gente fala, que parecem ser grandes êxitos. Este foi mais um, entre tantos outros.
Hê hê… Acho que compreendo sua preguiça diante daquela falação toda, Rato… Mas você provavelmente admite que há também, de nossa parte, uma natural animosidade com o assunto, essa coisa dos nerds, dos geninhos da informática. E a própria figura do tal do Mark Zuckerberg é bastante repulsiva.
Acho, no entanto, que é um bom filme. Também resisti a ele, a princípio, mas gostei mais do que poderia imaginar. É feito com competência.
Mas, como se diz em Minas, cada um, cada um…
Um abraço, caro Rato!
Sérgio
Também tenho preguiça de ver esse filme. Vi o livro uma vez, e dei uma folheada. Achei chatíssimo. Tudo bem que filme é diferente, mas não me apetece. Nem acho o Facebook tudo isso.
Jussara, cara amiga, o José Luís, o Rato, eu, nós temos idade para não ver este filme. Você é jovem demais, não tem desculpa…
Um abraço!
Sérgio
Depois que eu vi o filme, me deu vontade de fazer um curso de informática e bolar alguma coisa pra ficar rico! Existem alguns problemas nesse plano:
1- Entrar em Harvard;
2- Ser muuito bom em matemática (mas muito bom meeeeeeesmo!!!!!);
3- Ser muito bom em análise de sistemas, informática etc (mas muito bom meeeesmo!!!!);
4- Aí fazer uma empresa start-up realmente muito boa e depois ganhar muito dinheiro (mas muito dinheiro meeeeesmo!!!!!)
Lembrando que tem milhares de CDFs por lá tentando um lugar ao sol, após passar por tudo isso, aí é fácil!