Anotação em 2010: O Falso Traidor é daqueles filmes que resistem incólumes ao passar das décadas. Feito em 1962, lançado agora em DVD no Brasil, não envelheceu nada. É uma bela, bem cuidada produção, um ótimo filme sobre a Segunda Guerra.
Um letreiro no início do filme informa que ele se baseia numa história real – e que as filmagens foram feitas nas cidades em que os fatos aconteceram, Estocolmo, Copenhagen, Hamburgo e Berlim. (Na época, Berlim Oriental.) O fato de as locações terem sido as reais é um indício claro de que é uma produção esmerada – não era uma coisa comum naquele início dos anos 60, em que os grandes estúdios costumavam filmar tudo em Hollywood mesmo.
Não dá para saber o quanto há de realidade, o quanto foi adicionado de ficção – até porque há diversas situações que parecem de fato romanescas. Muito provavelmente o personagem central, o empresário Eric Erickson, se baseia em um homem que realmente existiu.
A ação começa em Estocolmo, em 1942 – e a história é narrada por Erickson, interpretado por William Holden, então um dos grandes astros do cinema americano. Ele é um empresário que negocia com petróleo; nascido nos Estados Unidos, havia se radicado algum tempo antes na Suécia e adotado a cidadania sueca. Como aquele país era neutro na guerra iniciada em 1939, Erickson continuava fazendo negócios com a Alemanha, importando petróleo alemão para seu país de adoção. No momento em que a ação começa, ele está vendo sua própria fotografia no jornal: seu nome estava numa relação de pessoas tidas como colaboradoras do nazismo.
No seu trabalho, recebe um telefonema de um amigo americano em visita a Estocolmo; vai encontrar-se com ele num hotel, porque quer passar a sua versão da história para que ele a apresente a seus parentes que ficaram nos Estados Unidos – não é um colaborador do nazismo, é apenas um homem de negócios. Mas quem o espera no lugar marcado é um agente da inteligência britânica, Collins (Hugh Griffith), que sugere que Erickson passe a trabalhar como espião dos aliados, aproveitando-se de suas frequentes visitas a trabalho à Alemanha. Meio que sugere, meio que o chantageia para aceitar a missão.
Uma trama de espionagem, um bom clima de tensão
Erickson não tem outra saída: é aceitar ou aceitar. Começa então uma trama de espionagem, com os perigos de que sua atividade seja descoberta a qualquer momento pelos nazistas aumentando a cada nova ida a Berlim e a Hamburgo. A aparente colaboração cada vez mais estreita de Erickson com os nazistas o deixará mais e mais solitário – os amigos e a própria mulher se afastarão dele.
Nas viagens à Alemanha, conhecerá uma bela mulher, Marianne Mollendorf (interpretada pela excelente Lilli Palmer), casada com um oficial alemão destacado para trabalhar na França ocupada.
O diretor George Seaton, que também assina o roteiro – coisa pouco usual no cinemão de Hollywood da época –, consegue criar clima, suspense, tensão. O elenco é todo bom e está muito bem dirigido. William Holden está bem – e Lilli Palmer, linda e talentosa, dá um show.
Há belos diálogos sobre honra, dignidade, dever em meio a uma guerra contra um regime insano. Numa seqüência lá pela metade do filme, um amigo alemão de Erickson, o barão von Oldenbourg (Ernst Schroeder), diz uma frase fortíssima, depois de presenciar um frio assassinato de um operário pelos soldados nazistas:
– “Estranho. Você pode ler sobre centenas de atrocidades, ficar sabendo de milhares. Mas só precisa ver uma.”
Há um personagem absolutamente assustador, do qual eu me lembrava bem (tinha visto o filme ainda adolescente, em Belo Horizonte): um garotinho de 12 anos de idade, Hans (Helo Gutschwaber), filho de outro amigo do empresário-espião-à-força Erickson. O garoto é um nazista de corpo e alma, veste sempre um uniforme de juventude nazista, e está pronto a fazer o que for necessário em defesa do regime do Führer, até mesmo espionar o próprio pai – um chocante exemplo de como uma ideologia totalitária vira a cabeça da juventude, mediante a máquina de propaganda.
Um elenco multinacional
A situação em que o protagonista Erickson é colocado, de fingir que é um colaborador dos nazistas, e a tremenda solidão que passa a enfrentar, faz lembrar muito o Julio Desnoyers de Os 4 Cavaleiros do Apocalipse, outra grande produção daquele mesmo ano de 1962, também sobre a Segunda Guerra Mundial, dirigida por Vincente Minnelli; o personagem central era interpretado por Glenn Ford, outro grande ator americano, da mesma geração de William Holden (Ford é de 1916, Holden, de 1918).
O elenco reúne americanos, alemães, dinamarqueses e suecos – nos créditos iniciais, eles são agrupados de acordo com a nacionalidade. A sueca Eva Dahlbeck – que trabalhou com Ingmar Bergman – foi escolhida para fazer um papel bem pequeno, o da mulher de Erickson. E o alemão Klaus Kinski (com William Holden na foto), que mais tarde se tornaria um grande ator internacional, em filmes de grandes diretores, faz um pequeno papel numa das últimas seqüências do filme.
O espião autêntico perde na bilheteria para a fantasia de 007
O livro The Paramount Story faz várias observações que me parecem corretas sobre o filme: os personagens são bem construídos, têm bons diálogos que são convincentes; a atuação de William Holden é forte; a produção se valia da autenticidade da história, e o fato de as filmagens terem sido feitas nas cidades em que a ação se passa torna o filme mais respeitável. Tudo isso confirma o que eu já havia anotado antes de fazer um pesquisinha sobre o que já foi dito sobre o filme; mas o livro acrescenta uma bela sacada que não havia me ocorrido: a história de espionagem contada no filme não conseguiu concorrer, em termos de bilheteria, com os efeitos fáceis da série 007 – O Satânico Dr. No, o primeiro filme da série, com Sean Connery, foi feito naquele mesmo ano de 1962.
Leonard Maltin dá 3.5 estrelas em 4, e mata a sinopse em três frases curtas: “Holden percorre a Europa como um agente duplo durante a Segunda Guerra Mundial e se apaixona por Palmer entre várias missões perigiosas. Filmado em locações autênticas e com ótimo elenco. Baseado em história real”.
Em seu guia, Steven H. Scheuer também dá 3.5 estrelas em 4: “Detalhes fascinantes de espionagem, algumas situações tensas, excelentes atuações de Holden e Palmer”.
Cacilda: eu tinha cravado lá em cima 3.5 estrelas em 4 antes de ir aos alfarrábios. Mas não tenho testemunhas ou provas, fora o meu caráter.
Háhá, achei o filme no meu caderninho de adolescente: vi pela primeira vez no Cine Pathé, no dia 22 de maio de 1964, e tasquei 4 estrelas em 5 – na época, usava o esquema de até 5 estrelas. Um raro caso de unanimidade: Maltin, Scheuer, eu adolescente e eu velho, todo mundo dá ao filme o equivalente a 3,5 estrelas em 4.
O Falso Traidor/The Counterfeit Traitor
De George Seaton, EUA, 1962
Com William Holden (Eric Erickson), Lilli Palmer (Marianne Mollendorf), Hugh Griffith (Collins), Erica Beer (Klara Holtz), Ernst Schroeder (Barão von Oldenbourg), Eva Dahlbeck (Ingrid Erickson), Ulf Palme (Max Gumpel)
Roteiro George Seaton
Baseado no livro de Alexander Klein
Fotografia Jean Bourgoin
Música Alfred Newman
Produção Perlberg-Seaton, Paramount
Cor, 140 min
R, ***1/2
O filme é bem ruinzinho, William Holden já em seu período de decadência (principalmente por conta do alcoolismo)e que teria uma breve recuperação na telona através do western classudo de Peckimpah, Meu Ódio Será Sua Herança.
Uma jóia permanente do cinema! Bela estória, enredo, elenco, direção, impecáveis! Fotografia invejável. Enfim, no meu sentir, um verdadeiro clássico.