1.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Este filme dirigido pelo inglês Michael Apted, que tem bons filmes no currículo, com Jennifer Lopez como a grande estrela, começa como um conto de fadas que vira um pesadelo. Aborda um tema sério, pesado, importante, a violência doméstica – para, a partir da metade final, desandar irremediavelmente num filme daqueles de lutas marciais.
Logo depois de ver o filme, ao entrar rapidamente no AllMovie para pegar os nomes dos atores, vi uma frase interessante: “This Jennifer Lopez vehicle…” Acho que não temos uma expressão exata para traduzir essa noção – o filme que é um veículo para um astro. Um filme como veículo, meio, instrumento para que um determinado astro brilhe e atraia filas para a bilheteria.
Impressionante como as modas mudam rapidamente, como grandes astros deixam de ser grandes astros num piscar de olhos. Passaram-se apenas oito anos depois que esse filme foi feito, em 2002 – naquela época, Jennifer Lopez estava no auge, como atriz e cantora, a ponto de se fazer um filme para servir de escada para seu brilho. De lá para cá, o brilho dela foi sumindo, como uma seminova que explode e morre; as platéias cansaram-se dela depressa; talvez tenha havido uma superexposição de sua figura, com o badalado caso com o ator Ben Affleck, outro que sofreu com superexposição; mas o fato é que a moça, que em 1997 foi eleita pela revista People como uma das 50 pessoas mais bonitas do mundo, teve seis discos de platina ao lançar o primeiro álbum, foi a primeira atriz latina a receber US$ 1 milhão por um papel (em Selena, de 1997), tem meio que rolado ladeira abaixo, e hoje possivelmente tem mais gente que não gosta dela do que fã. Minha amiga Jussara Ormond, por exemplo, se recusa a ver qualquer filme em que apareça J.-Lo.
O sujeito parece um príncipe encantado – é um espancador de mulher
Bem, mas vamos ao filme. J.-Lo interpreta Slim, uma garçonete de um bar assim-assim em Los Angeles; é filha de criação do dono do bar, e sua maior amiga é a colega Ginny (interpretada por Juliette Lewis, outro cometa, que passou pelo cinema com grande brilho mas muito depressa, e atualmente se dedica mais à música que aos filmes).
Bem no início da ação, aparece no bar um sujeito que importuna Slim. Entra em cena um sujeito, meio cavalheiro da Távola Redonda, defensor dos fracos e dos oprimidos, e dá um chega pra lá no importunador. É um tipo grandão, vistoso; Ginny incentiva Slim a partir para cima do cara. Não temos nem dez minutos de filme e Slim está se casando com o Sir Lancelot de Los Angeles, que se chama Mitch (Bill Campbell) e acontece de ser – não é que a moça tem uma sorte do tamanho da bunda? – muito, muito rico.
Tudo acontece muito depressa – tão depressa quanto os astros param de brilhar. Com 15 minutos de filme, temos que Slim deu a Mitch a filha que ele pediu – e Gracie, a menininha, já está ali com uns cinco, seis anos. Será só lá quando estamos com uns 20 minutos de filme que Slim e o espectador ficarão sabendo que Mitch é, na verdade, sob aquela pele de Sir Lancelot, o filho da mãe mais filho da mãe que pode existir: é um touro machista, possessivo, infiel – e espancador de mulher.
O tema violência doméstica, abuso dentro da família, é sério demais. Poucos dias antes, tínhamos visto uma beleza de filme espanhol sobre o assunto, Pelos Meus Olhos/Te Doy Mis Ojos, dirigido por Icíar Bollaín, em 2003. Por uma grande coincidência, na véspera eu tinha pensado na possibilidade de criar uma nova tag no site, Violência Doméstica e Abuso.
E o esquisito é que, à medida que ia vendo este filme aqui, pensava: cacilda, mas já vi isso. Consultei as anotações, não achei nada, mas sem dúvida eu já havia visto este Nunca Mais, provavelmente durante uma zapeada – minhas anotações têm falhas, lacunas.
E aí descamba-se para um filme de luta marcial
As reações de Slim depois de ser espancada, de descobrir quem era de fato o marido com quem já havia vivido pelo menos seis anos, são erráticas. Nenhum problema com isso – são provavelmente erráticas as reações da imensa maioria das mulheres que apanham, porque é extremamente difícil encontrar uma saída. E Slim, como muitas outras mulheres espancadas, não tem profissão, não trabalha, vive do dinheiro do marido.
A questão é que o roteirista Nicholas Kazan – filho do grande Elia Kazan – cria uma história que, de drama familiar, descamba para o filme de lutas marciais, à la os jean-claude van damme, os steven seagal da vida. Tem até perseguição de carro, essa insuportável mania americana.
Aí o filme mergulha na idiotice.
Ah, sim, é preciso registrar que J.-Lo voltaria a interpretar uma mulher que apanha do marido, três anos depois, em 2005, em Um Lugar para Recomeçar, do sueco Lasse Hallström, ao lado de Robert Redford e Morgan Freeman. Não chega a ser um grande filme, mas é muitíssimo melhor que este Nunca Mais.
O diretor Michael Apted, veterano, experiente, já fez coisa muito melhor. Como, por exemplo, O Destino Mudou Vida/Coal Miner’s Daughter, de 1980, em que Sissy Spacek interpreta a cantora country Lorreta Lynn, mulher que teve uma vida mais dramática que a das canções que interpretou. Ou Mistério no Parque Górky, de 1983, sobre crimes na União Soviética que parecem comuns mas vão revelar uma grande trama política por trás. Ou ainda Julgamento Final/Class Action, sobre um desses casos David x Golias na Justiça, um advogado de rígidos e bons princípios enfrentando uma poderosa indústria automobilística representada por um gigantesco escritório de advogados onde trabalha a própria filha dele.
O AllMovie desconstrói este Nunca Mais em uma crítica que termina assim: “É um conceito esquemático de Hollywood que só serve para entregar uma meia hora de catarse cheia de adrenalina no fim”.
Falou e disse.
Nunca Mais/Enough
De Michael Apted, EUA, 2002
Com Jennifer Lopez (Slim), Bill Campbell (Mitch), Juliette Lewis (Ginny), Dan Futterman (Joe), Fred Ward (Jupiter)
Argumento e roteiro Nicholas Kazan
Fotografia Rogier Stoffers e Rodney Taylor
Música David Arnold
No DVD. Produção Columbia
Cor, 115 min
27/2/2010, com Marynha.
R, *
Título em Portugal: Basta
Acredita que quando entrei no site pra ler o post de hoje e vi a foto dela torci o nariz? rs. Daí vi que era só uma estrela e pensei em não ler. Mas o que o vício da leitura de um bom site não faz? Mesmo sabendo que não vou ver o filme resolvi ler só pra ver vc gongando, rsrs, e de repente, não mais que de repente dou de cara com meu nome.
“Sorte do tamanho da bunda” foi ótimo! E tem mesmo, né? Pra ter feito tanto sucesso com tão pouco talento. Tem muita gente melhor que ela na obscuridade.
Voce se acha “The Big Critic” cof cof… que nem sabe a diferença entre Kung Fu e Kravmaga, no filme, ela aprende o Kravmaga, que é uma tecnica de defesa criada pelas forças armadas Israelenses, as vezes é bom se informar direito, só um toque 😉
Agradeço ao educado, simpático CriCriTiCu pela correção. Eu me referia, no texto, a kung fu. Graças a CriCriTiCu e sua demonstração de profundo conhecimento do assunto, retirei a expressão inadequada.
Sérgio