Os Homens São de Marte… E é Pra Lá Que Eu Vou

Nota: ★★★☆

(Disponível na Netflix em 4/2023.)

Acho que eu realmente sou de Marte, porque levei quase 10 anos até finalmente ver Os Homens São de Marte… E é Pra Lá Que Eu Vou, o filme baseado na peça de teatro de Mônica Martelli que por sua vez já havia feito um sucesso espetacular, e que, lançado em 29 de maio de 2014, bateu o recorde de bilheteria daquele ano, e foi visto no cinema por mais de 1,7 milhão de espectadores.

Isso aí nas salas de cinema, no escurinho do cinema. Sem contar com as exibições na TV aberta, na TV paga e no streaming ao longo de nove anos e tanto.

Só depois de 1,7 milhão de espectadores nas salas de cinema e de quase 10 anos é que pude verificar o que o Brasil inteiro está cansado de saber: que essa moça Mônica Martelli é uma maravilha, uma delícia, um talento encantador.

E confesso, já que não estou escrevendo para jornal ou revista, não tenho que fingir que estou sendo impessoal, e muito ao contrário, tudo o que escrevo neste meu site é personalíssimo, como dor de dente: eu tinha um pouquinho de medo de não gostar do filme.

Pelas referências todas, o filme – o primeiro de e com Mônica Martelli – era bom. Mas no fundo, no fundo, eu temia não gostar muito, achar meio bobo, meio óbvio, com atuações assim não muito boas.

Com três minutos de filme, eu me sentia como Ivana, a personagem de Julieta Diaz em Coração de Leão – O Amor Não Tem Tamanho, de Marcos Carnevale, co-produção Argentina-Brasil de 2013, uma das mais deliciosas comédias românticas das últimas muitas décadas. Como Ivana, eu dizia para mim mesmo: – “Me encantó!”

E é fascinante constatar que os maiores fenômenos do cinema brasileiro são duas mulheres – esta Mônica Martelli e, ao lado dela, Ingrid Guimarães.

Meio paulista, meio carioca – e as férias são na Bahia

Uma mulher beirando os 40 anos que vive de planejar e organizar casamentos – e, no entanto, ainda não passou ela própria pela experiência de atravessar a nave de uma igreja vestida de branco, conduzida pelo pai, ou, mais prosaicamente, assinar papéis em um cartório.

Não que este ponto de partida de um filme seja assim propriamente algo inédito ou pouco comum, né? Jennifer Lopez fez um sucesso danado 13 anos antes deste Os Homens São de Marte, em O Casamento dos Meus Sonhos/The Wedding Planner, e este é apenas um exemplo. Mas quem exigir ineditismos em comédia romântica é ruim da cabeça e doente do pé – e a verdade é que a história da wedding planner Fernanda Garcia é muito gostosa.

A história, a forma como ela é contada, os personagens e as paisagens que cercam a protagonista – e as atuações dos atores que os interpretam.

Gostei muito, para começar, da escolha dos realizadores de ser uma história passada ao mesmo tempo em São Paulo e no Rio de Janeiro, as duas maiores metrópoles do país, tão próximas em tantos aspectos e tão distantes em outros.

Muito do cinema brasileiro foi, no passado, ou paulista ou carioca – e era como se fossem duas cinematografias diferentes. A Atlântica e a chanchada eram eminente e basicamente cariocas, a Vera Cruz e uma tentativa de seguir elementos do cinema europeu foram fenômenos paulistas. Todo o universo bergmaniano de Walter Hugo Khoury é São Paulo puro, assim como o tom suave, bem humorado de Domingos de Oliveira é Rio de Janeiro como a bossa nova. O carioca Leon Hirszman enfocou o Nordeste, mas fez cinema paulista, enquanto o paulista Nelson Pereira dos Santos, que também fez obras sobre o Nordeste, marcou a carreira com filmes sobre o Rio de Janeiro.

Mas acho que dei uma viajadinha.

Fernanda Garcia-Mônica Martelli diz lá pelas tantas que nasceu em Copacabana, mas a empresa de planejamento e organização de casamentos que tem com seu sócio Aníbal fica em São Paulo. A empresa é paulista, mas Fernanda, Aníbal e sua funcionária faz-tudo Nathalie trabalham tanto em São Paulo quanto no Rio. O primeiro casamento organizado pela empresa que o filme mostra é no Rio.

Aníbal é interpretado pelo niteroiense Paulo Gustavo, esse outro grande fenômeno do humorismo brasileiro deste século. A simpática Nat é o papel da carioca Dani Valente (à direita na foto abaixo).

Mais tarde, quando Fernanda e Nat conseguem tirar umas férias, viajam… para a Bahia, uai, é claro, é óbvio.

A geografia de Os Homens São de Marte é muito boa – o resto do Brasil que me perdõe.

“Não vou dar de cara pra esse sujeito, imagina…”

Não é que Fernanda não tenha casos, namorados, sexo. De forma alguma. Fernanda é uma mulher bem bonita – não é daquela coisa lindérrima acachapante, mas é bem bonita, atraente, gostosa. Muitos homens babam por ela. Só não rolava assim uma história mais séria, mais pra valer, mais pra eternamente mesmo que o eternamente seja, como diz o poeta, enquanto dure.

O primeiro caso que o filme mostra é com o chefe do pai do noivo do casamento que Fernanda, Aníbal e Nat planejaram e organizaram, no Rio. O noivo é filho de um assessor de um senador da República. O cara que paquera Fernanda na festa organizada por ela é o senador, um tal Juarez Brito Filho, papel de Eduardo Moscovis.

O segundo é um milionário, Robertinho Guimarães, o papel de Humberto Martins. O terceiro é um alemão que se desapegou das coisas materiais e vive em adoração da natureza numa praia paradisíaca da Bahia, Nick, o papel de Peter Ketnath.

Três homens, cada um muito diferente dos demais. Há um detalhinho em todos os três casos. Vemos Fernanda pensando alto, enquanto cada um dos homens ataca, começa o amasso: – “Não vou dar de cara pra esse sujeito, imagina, acabei de conhecer…”

E, em todos os três casos, ela dá.

Estão bem esses três atores, me pareceu – assim como também está bem o ator que faz o que será o quarto sujeito, o arquiteto Tom Rodrigues, o papel do galã Marcos Palmeira.

Todo o elenco está bem – mas é claro que Paulo Gustavo, com aquela sua verve toda, rouba todas as cenas em que aparece.

Na luta desde os 18, fez sucesso aos 37

“Fiz sucesso aos 37, tive filha aos 41 e me apaixonei novamente aos 50”, disse Mônica Martelli à repórter Marcia Disitzer, para a matéria de capa da revista Ela, do jornal O Globo, de 18 de dezembro de 2022.

Nascida em 1968 em Macaé, litoral Norte do Estado do Rio, de uma família de classe média alta (segundo ela mesma, de mãe “professora sindicalista”), Mônica Garcia Assis demorou um pouco para engrenar na carreira artística. Separada do marido empresário e vereador em Macaé, a mãe de Mônica se mudou para o Rio de Janeiro em 1980 com os três filhos – Mônica é a do meio. Em 1986, aos 18 anos, a moça passou no vestibular e chegou a fazer um ano de Direito, mas abandonou a faculdade e se mudou para os Estados Unidos para estudar cinema e dramaturgia; viveu dois anos em San Francisco, Los Angeles e Nova York, trabalhando como maquiadora para se sustentar. De volta ao Rio de Janeiro, começou a estudar jornalismo; chegou a se formar, mas nunca exerceu a profissão. Matriculada na Casa de Artes de Laranjeiras, tirou carteira profissional como atriz; aos 21 anos, teve um primeiro papel no teatro, na peça Torturas do Coração, de Ariano Suassuna.

Trabalhou no teatro por seis anos, até que fez um teste na Rede Globo e, em 1995, aos 27 anos, estreou na TV no programa Chico Total. E foi Chico Anysio que convenço a moça a mudar de sobrenome. Mônica encontrou o Martelli na sua própria família – era o nome de solteira de uma tataravó paterna.

O monólogo que ela mesma escreveu, com o título comprido de Os Homens São de Marte… E é Pra Lá Que Eu Vou, estreou em 2005, no Teatro Cândido Mendes, uma sala com 100 lugares.

Foi como se a moça tivesse gritado “Shazam!”

A peça virou um fenômeno nacional – e então, nove anos depois, durante os quais Mônica participou de novelas na Rede em Globo, virou este filme aqui.

A estréia da atriz no cinema havia sido em 2008, em Alucinados, um drama policial dirigido por Ricardo Santucci. O segundo filme foi um ano antes deste Os Homens São de Marte – em Minha Mãe é uma Peça: O Filme, de 2013, em que o protagonista, claro, era Paulo Gustavo, ela contracenou com Ingrid Guimarães e também com Herson Capri.

Mônica tinha planos para um terceiro filme

Não sei se Mônica Martelli e Ingrid Guimarães, esses dois fenômenos, voltaram a participar de uma mesma produção. Creio que não, que foi aquela única vez. Mas com os amigos Paulo Gustavo e Herson Capri Mônica voltaria a trabalhar já no filme baseado no monólogo que ela escreveu e foi sucesso imenso no teatro. Paulo Gustavo, claro, fez o segundo papel mais importante, o de Aníbal, sócio de Fernanda; e Herson Capri colaborou no roteiro, além de fazer uma participação especial como ator, juntamente com a filha Luísa, na sequência em uma galeria de arte,.

O roteiro do filme – o registro é absolutamente necessário – é assinado por Mônica Martelli & Susana Garcia & Patricia Corso, com a colaboração de Herson Capri & Pedro Aguilera.

Susana Garcia, também é preciso registrar, é a irmã caçula de Mônica, e é casada com Herson Capri e mãe de Luísa e também de Lucas e Sofia.

E foi Susana que, em 2018, dirigiu a sequência deste Os Homens São de MarteMinha Vida em Marte também tem Paulo Gustavo como Aníbal e Marcos Palmeira como Tom Rodrigues. Mais uma participação de Anitta.

Susana dirigiria ainda Minha Mãe é uma Peça 3: O Filme, de 2019 – o filme que seria o último da carreira de Paulo Gustavo. E dirigiria ainda Filho da Mãe, um documentário sobre o amigo Paulo Gustavo, morto em maio de 2021.

Antes da morte do amigo, Mônica fazia planos de escrever a continuação de Minha Vida em Marte – o que seria o terceiro filme com seu alter-ego Fernanda Garcia. À repórter Marcia Disitzer, da revista Ela, contou – em dezembro de 2022, repito – que, com a morte de Paulo Gustavo, ela pensou em desistir dessa continuação. Depois mudou de idéia. Como sempre se inspirou na sua própria vida, pensou: “Estou passando por um luto tão profundo que vou fazer a Fernanda perder o melhor amigo, e abordar esse tema”.]

(Na edição da revista Ela em que foi capa, em dezembro de 2022, Mônica Martelli foi também contra-capa, no anúncio de jóias da H. Stern. Ela é assim, espaçosa…)

Pode ser que venha aí um terceiro filme sobre a vida de Fernanda Garcia em que ela perca o melhor amigo. Tomara que seja um bom filme. Se esse terceiro filme com a personagem Fernanda Garcia não rolar, que venham outras filmes de e com Mônica Martelli. Tomara que essa moça ainda faça muita coisa boa na vida.

Anotação em abril de 2023

Os Homens São de Marte… E é Pra Lá Que Eu Vou

De Marcus Baldini, Brasil, 2014

Com Mônica Martelli (Fernanda Garcia)

e Paulo Gustavo (Aníbal),

Daniele Valente (Nathalie), Eduardo Moscovis (senador Juarez Brito Filho, o caso número 1), Humberto Martins (Robertinho Guimarães, o caso número 2), Peter Ketnath (Nick, o caso número 3), Marcos Palmeira (Tom Rodrigues, o arquiteto)

e José Loreto (Marcelinho, o D.J.)., Alejandro Claveaux (Lourencinho Dantas, o noivo rico), Milhem Cortaz (o escritor na livraria), Ana Lúcia Torre (tia Sueli), Júlia Rabello (a taróloga), Cláudia Missura (a manicure), Flávia Garrafa (a vendedora da joalheria), Natallia Rodrigues (Amanda), Otávio Martins (Júlio César), Priscila Assum (Luciene)

e, em participações especiais, Irene Ravache (Maria Alice Dantas, a mãe do Lourencinho), Herson Capri (o homem da galeria de arte), Luisa Capri (a filha do homem da galeria de arte), Lulu Santos (ele mesmo)

Argumento e roteiro Mônica Martelli & Susana Garcia & Patricia Corso

Com a colaboração de Herson Capri & Pedro Aguilera

Fotografia Pedro Farkas

Música Plínio Profeta

Montagem Marcelo Moraes

Casting Luciano Baldan

Desenho de produção Marinês Mencio

Figurinos Letícia Barbieri

Produção Karen Castanho, Fernando Fraiha, Biônica Filmes, BR3 Produções Artísticas, Capri Produções, Globo Filmes.

Cor, 108 min (1h48)

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