Uma Mãe Perfeita / Une Mère Parfaite

Nota: ★★☆☆

(Disponível na Netflix em 9/2022.)

No exato momento em que Hélène, a mãe perfeita do título, comemora seu aniversário em Berlim, com o marido Mathias e o filho mais novo, Lukas, sua filha Anya está quase em estado de choque em Paris.

Anya (Eden Ducourant), moça de uns 20 e poucos, havia deixado a família em Berlim para estudar em Paris, a cidade natal de sua mãe. Naquela noite de aniversário de Hélène (o papel de Julie Gayet), ela saía, absolutamente transtornada, do apartamento em que o dono, um rapaz que ela havia paquerado numa boate, acabava de ser assassinado.

As primeiras imagens que vemos, na abertura do primeiro dos quatro episódios da minissérie Uma Mãe Perfeita, de 2021. são de Anya dançando na boate, andando na garupa da motocicleta do rapaz, saindo em pânico do apartamento dele, caminhando pelas ruas. As tomadas são bem curtas, a montagem é rápida, frenética, e fogem da cronologia, embaralham-se.

É tudo muito rápido, exatamente como a montagem das tomadas iniciais. Testemunhas contam quem era a moça que dançou com a vítima do crime e saiu com ele da boate, e a polícia não demora nada para prender Anya.

Hélène também não demora nada a chegar a Paris para ficar do lado da filha. Nem a encontrar um bom advogado para defender Anya – ela imediatamente procura Vincent, seu namorado dos tempos de faculdade (o papel de Tomer Sisley).

E também rapidamente Hélène vai percebendo que Anya escondia dela diversas informações importantes: não vivia mais na moradia estudantil onde os pais achavam que ela estava; havia começado a trabalhar em um abrigo para mulheres vítimas de abuso, e passara a morar ali; tinha um namorado, um rapaz vindo da Líbia, imigrante ilegal.

Fatos importantes, que a moça escondia dos pais.

Hélène, a mãe perfeita, começa a ver, chocada, que não conhecia a filha.

Em Berlim, Mathias, o marido (Andreas Pietschmann), percebe que ele e a mulher não conheciam o filho. Assim como a irmã, Lukas (Maxim Driesen) também escondia coisas – e, embora nunca tivesse dito nada, tinha críticas seriíssimas a fazer aos pais.

A série se baseia em livro de autora americana

La Mère Parfaite é uma co-produção Bélgica-Alemanha-França. O diretor, Frédéric Garson, e a roteirista, Carol Noble, são franceses. O romance em que se baseia a série, no entanto, é de autoria de uma americana, Nina Darnton.

Nova-iorquina, de 1943, Nina Darnton já escreveu para diversos importantes órgãos de imprensa – The New York Times, Elle, House and Garden, Travel and Leisure, The New York Post, Newsweek. Além de The Perfect Mother, escreveu outros romances de sucesso e aplaudidos pela crítica, como An African Affair e Risking It All. Parece que nenhum desses três livros foi editado no Brasil.

No livro de Nina Darton, mãe e filha, respectivamente Jennifer e Emma Lewis, são americanas, e Emma está estudando na Espanha, onde é presa e acusada pelo assassinato brutal de outro estudante. Segundo a sinopse do livro feito pela Amazon, Jennifer está certa da inocência da filha e disposta a fazer tudo o que for necessário para levá-la de volta para casa. “Mas ela começa a imaginar se realmente conhecia sua filha (…), e passa a ter dúvidas. Um romance de angustiante suspense emocional, The Perfect Mother sonda o lado escuro da maternidade e as complicadas ligações entre mães e filhas.”

Muito do que diz a sinopse do livro está, sim, na série. As alterações quanto aos países – o crime acontecer na França e não na Espanha, a mãe sair da Alemanha e não dos Estados Unidos para ficar com a filha – não importam, não prejudicam em absolutamente nada. A adaptação disso aí pela roteirista Carol Noble apenas traz a ação mais para perto dos países produtores, só isso.

Não me pareceu que estejam bem o diretor e os atores

Enquanto via os quatro episódios de Uma Mãe Perfeita, fiquei pensando que a história é melhor do que a série acaba sendo. A trama tem essa questão importantíssima, fundamental, que são as relações pais e filhos. Essa coisa de os pais se esforçarem para fazer tudo certo pelos filhos – mas, apesar de serem bem intencionados, de tentarem fazer o melhor, acabam ficando distantes do que os filhos realmente são. Essa dificuldade imensa, descomunal que é os pais serem de fato amigos íntimos, próximos dos filhos. Essa coisa maluca que é os filhos na adolescência se distanciarem, se fecharem, e passarem a não mais confidenciar aos pais o que está acontecendo em suas vidas.

Pelo que diz a sinopse feita Amazon, o livro se concentra bastante nesse tema, nessas questões.

Pois é – mas a série não. O roteiro não soube – ou não quis – se aprofundar nisso.

Sim, o distanciamento entre os pais e os filhos é citado algumas vezes – mas não se vai fundo na questão.

A série acaba se concentrando mais nos aspectos da investigação policial do que, de fato, nas relações familiares.

Não me pareceu segura, firme, talentosa a direção desse rapaz Frédéric Garson – embora esta seja já a terceira série que ele realiza, depois de Les Hommes de l’ombre (2016) e Insoupçonnable (2018).

Funciona muito bem a coisa de vermos várias vezes a sequência dentro da casa do jovem que acaba morto, Damien (Charles Créhange) – em versões diferentes, com variações de acordo com o que a garota Anya vai revelando ou escondendo.

Mas há preocupação demais com a montagem acelerada de tomadas curtíssimas. Há uma forçação para que haja cenas de ação – como quando Hélène e o advogado Vincent vão atrás dos traficantes. Há uma insistência em mostrar como é vil, má, cruel a mãe do rapaz assassinado, Claire (o papel de Vinciane Millereau) – Claire é empresária, dona de indústria, milionário, e portanto é vil demais, má demais, cruel demais, como adoram mostrar os filmes franceses e italianos, em especial.

E não me pareceram muito bem os atores, de uma maneira geral, mas em especial Julie Gayet, a atriz que faz a protagonista, a mãe perfeita do título.

Não que os atores estejam horrorosos, ruins demais da conta. Também não é assim. Mas não estão muito bem. Não passam emoção. Não dão sinceridade aos personagens, me pareceu.

Mas há algo muito pior, muito mais grave. Não é o caso de falar disso detalhadamente, porque seria spoiler dos bravos – mas a verdade é que o fecho da história é imoral. É anti-civilização.

Dizem que a trama se inspira no caso Amanda Knox

Há quem diga que a trama de Uma Mãe Perfeita se inspira na história real de Amanda Knox – um caso de imensa repercussão na imprensa internacional, que já deu origem a diversos, diversos documentários e filmes com atores. Não dá nem para dizer quantos com precisão. Um deles está comentado longamente aqui no + de 50 Anos de Filmes, A Face de um Anjo/The Face of an Angel (2014), do prolífico e sempre competente inglês Michael Winterbottom.

A americana Amanda Knox tinha 20 anos e era estudante em esquema de intercâmbio na cidade italiana de Perugia, na Úmbria, quando foi acusada pelo assassinato da moça com quem dividia a casa, a inglesa Meredith Kercher, de 21 anos. A morte da roommate de Amanda ocorreu em 2007, e a jovem ficou presa durante quatro anos; o caso se arrastou longamente na Justiça italiana.

Reportagem publicada no Observatório de Cinema, no UOL, em junho de 2022, época da estréia da série no Brasil, assinada por Alexandre Guglielmelli, diz já no título que Uma Mãe Perfeita se baseia em história real – e relata os fatos básicos da história de Amanda Knox.

Não vejo muitos paralelos entre o assassinato de Meredith Kercher e o desse fictício Damien Carnau. A única coisa que Amanda Knox tem em comum com essa Anya do livro e da série – me parece – é o fato de ser uma estudante em sistema de intercâmbio que é acusada de um crime fora de seu país natal. Mais nada. Quis, no entanto, registrar que há essa versão de que Uma Mãe Perfeita se baseia na história de Amanda Knox – que, aliás, depois de tudo, tornou-se jornalista, escritora e ativista. Escreveu um livro de memórias, Waiting to Be Heard, que se tornou best-seller, e participa de grupos e projetos em defesa de pessoas condenadas injustamente.

A Anya de Une Mère Parfaite jamais teria esse destino.

Bem. Não dá para não falar de outra história real – a história real da atriz Julie Gayet, que faz a protagonista, a mãe perfeita do título.

Julie Gayet é uma mulher bonita, bem bonita. Não achei – repito – que ela esteja bem no papel de Hélène, mas fiquei com a sensação de que já havia visto filme com ela – embora não me lembrasse qual. Sim, já havia visto. Este site tinha já dois filmes com ela, Meu Melhor Amigo/Mon Meilleur Ami (2006), de Patrice Leconte, e O Palácio Francês/Quai d’Orsay (2013), de Bertrand Tavernier.

No texto sobre este último, conto uma história fantástica, deliciosa, sobre Julie Gayet.

Em janeiro de 2014, a revista francesa Closer – uma publicação do tipo assim de Caras, Quem, basicamente voltada para a vida de celebridades – trouxe uma matéria exclusiva, realçando na capa a palavra “exclusif” sobre o título principal, em caixa alta: “L’AMOUR SECRET DU PRÉSIDENT”.

François Hollande, o presidente da República, traía a primeira-dama, Madame Valérie Trierweiler, jovem, bela, ex-jornalista, com a atriz Julie Gayet.

Foi um baita escândalo.

Mas parece que l’amour secret du président era coisa séria. Vivem juntos até hoje, e recentemente, no dia 4 de junho de 2022, casaram-se no papel. Exatamente um dia depois da estréia mundial de Uma Mãe Perfeita na internet.

Anotação em setembro de 2022

Uma Mãe Perfeita/Une Mère Parfaite

De Frédéric Garson, Bélgica-Alemanha-França, 2021

Com Julie Gayet (Hélène Berg, a mãe),

Eden Ducourant (Anya Berg, a filha),

e Tomer Sisley (Vincent Duc, o advogado), Andreas Pietschmann (Matthias Berg, o pai), Maxim Driesen (Lukas Berg, o filho), Cyril Gueï (capitão de polícia Julien Mani), Sylvain Dieuaide (Franck), Emilia Nöth (Mia, a amiga de Lukas), Halima Ilter (Maryam), Hatik (Bash, o traficante), Inès Spiridonov (Julie Gauthier, a amiga de Anya), Frédérique Tirmont (Elisabeth), Clotilde Mollet (a psicóloga da polícia), Vinciane Millereau (Claire Carnau, a mãe de Damien), Charles Créhange (Damien Carnau, o rapaz assassinado), Éléonore Costes (Audrey Carnau, a irmã de Damien), Julien Lopez (Kamal Mawasen, o namorado de Anya). Saliha Bala (a mãe de Farida, paciente de Mathias), Maïmouna Toure (Soumia, a colega de Anya)

Roteiro Carol Noble, com a colaboração de Thomas Boullé    

Baseado no livro “The Perfect Mother”, de Nina Darnton

Fotografia Virginie Saint-Martin      

Música Pascal Lafa

Casting Stéphane Finot

Figurinos Anne-Sophie Gledhill

Produção Iris Bucher, Peter Nadermann, Quad Drama, Netflix. Nadcom FIlm, AT Production, R.T.B.F.

Cor, cerca de 190 min (3h10)

**

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