3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Este Evidências de um Crime é um thriller muito bom. É assim um filme com um espírito bem noir, numa aparência muito colorida, com uma câmara que parece a de um diretor de filmes publicitários. É uma mistura estranha, esquisita – mas que acaba sendo fascinante.
E não vai aí, na menção ao cinema publicitário, nenhuma crítica – é apenas uma constatação. O filme usa e abusa de super-hiper-big-close-ups bem feitíssimos, o que é uma característica dos comerciais. Vemos, ocupando a tela inteira, a campainha de uma casa, as mãos do protagonista se lavando na pia, uma tranca da porta da casa dele sendo fechada, o chaveiro dele sendo colocado num porta-chaveiros etiquetado, o celular dele sendo posto em cima de um móvel no hall de entrada da casa.
Várias dessas imagens em grande close serão repetidas algumas vezes ao longo do filme – mas nada disso é gratuito, não é apenas um maneirismo do diretor. Tem a ver com o que está sendo dito, tem função na narrativa. Com essas imagens de pequenos detalhes que ocupam toda a tela, o filme está demonstrando que o protagonista, Tom Cutler, interpretado por Samuel L. Jackson, o cleaner do título original, limpador, é um sujeito absolutamente metódico, de hábitos regulares, que segue uma rotina rígida, que repete sempre os mesmos gestos.
Um sujeito obsessivo por ordem – e sua vida vira de pernas pro ar
Tom Cutler é um obsessivo – tem obsessão por ordem, arrumação, limpeza, asseio.
E a história mostra um momento da vida dele em que tudo vira de pernas pro ar, a ordem é desfeita, vira tudo uma imensa confusão.
Tom Cutler é um ex-policial; aposentou-se, e criou uma empresa especializada em limpeza de locais onde houve crimes ou mortes violentas, as cenas de crime. Tem alguns empregados, mas ele mesmo vai à rua executar o serviço – metodicamente, organizadamente. Leva uma grande pasta com seus produtos químicos, entra nos lugares onde muitas vezes houve um banho de sangue, e os deixa, depois de algumas horas de serviço duríssimo, imaculadamente limpos. Faz isso de forma absolutamente legal, depois que a polícia e seus peritos já fizeram todo o serviço e autorizam que o local seja limpo.
Quando a ação começa, ao longo dos créditos iniciais, Tom Cutler está descrevendo – detalhadamente, metodicamente – o seu serviço para um grupo espantadíssimo de pessoas. Veremos que ele está numa reunião de turma de ginásio, que se reencontra 30 anos depois, aquela situação em que um pergunta para o outro: e aí, o que você anda fazendo? Alguém deve ter perguntado isso a Tom Cutler, e então, quando o filme começa, ele está respondendo, para assombro dos antigos colegas – detalhadamente, metodicamente, como tudo o que, veremos em seguida, ele faz na vida.
Tom é viúvo, tem uma filha de 14 anos, Rose (Keke Palmer), pela qual é apaixonadamente devotado. O roteirista Matthew Aldrich e o diretor Renny Harlin vão nos mostrar, aos poucos, de uma forma habilidosa, talentosa, que a mulher de Tom, a mãe de Rose, foi brutalmente assassinada durante uma tentativa de assalto, anos atrás, quando ele ainda era policial. Ficaremos sabendo também, lá pela metade do filme, o destino do assassino.
Bem no início da ação, Tom está na sua sala na empresa de limpeza, conversando com um funcionário, Miguel (Jose Pablo Cantillo). Miguel – saberemos mais tarde – é um ex-presidiário, para quem Tom, um homem de bem, deu uma segunda chance. Miguel diz ao patrão que quer sair do emprego: não agüenta o trabalho sujo, limpar sangue, ver cadáveres; tem sonhado com sangue. Tom diz que não quer perdê-lo; diz que ele pode continuar na empresa fazendo serviços internos. Miguel agradece, comovido, mas pergunta a Tom: Rose sabe o trabalho que o pai faz? E Tom responde uma frase maravilhosa: diz que sim, Rose sabe direitinho, não há segredo entre eles. “O que fazemos não é limpar sangue; é limpar raiva, tristeza.”
Estamos com uns 10, no máximo 15 minutos de filme quando a secretária entrega a Tom uma ordem de serviço. Parece tudo certo, há a permissão por escrito da polícia para que seja limpada a cena de um crime numa mansão.
É uma cilada. A vida daquele sujeito de bem, bom pai de filme, bom empregador, um trabalhador esforçado, vai virar um inferno.
Como nos melhores filmes noirs, tudo é podre, não tem saída
A trama é uma maravilha. O filme tem suspense, tem um excelente ritmo; os atores todos – Samuel L. Jackson, Eva Mendes, Ed Harris, Keke Palmer, Luis Gusman – estão muito bem. A fotografia é cuidadosa, esmerada, e os tais super-hiper-big close-ups são impressionantes.
Faltou justificar por que afirmei, lá em cima, que o filme tem um espírito bem noir. Tem. Como nos noirs dos anos 40 e 50, tudo é podre, tudo é corrupto, o sistema fede – não há saída. E o protagonista – exatamente como o vendedor de seguros interpretado por Fred MacMurray em Pacto de Sangue, como o andarilho desempregado interpretado por John Garfield em O Destino Bate à Sua Porta – vai descobrir que é o pato, o sucker, o pobre infeliz escolhido para pagar a conta, no meio de um imenso, interminável mar de lama.
Bem, agora vou me gabar um pouquinho. Às vezes erro feio nas minhas avaliações; mas às vezes acho que não sou de todo mal, que sei reparar as coisas. Disse lá na abertura desse texto que a câmara parece a de um diretor de filmes publicitários. Naturalmente, não sabia nada sobre o diretor Renny Harlin; nunca tinha ouvido falar nesse nome. Pois bingo! Está lá no AllMovie: Renny Harlin é um finlandês de Helsinki (nasceu em 1959), que fez muito sucesso com documentários e curtas comerciais. Foi parar em Hollywood, onde estreou em 1986 com um tal Born American.
Ora, ora, vejo que Renny Harlin está no Dicionário de Jean Tulard. “Depois do sucesso de Duro de Matar 2, especializou-se nos dramas de ação.” Tsk, tsk… A filmografia dele tem um monte de porcaria, além de Duro de Matar 2 – tem até A Hora do Pesadelo…
Pois bem. Ou ele estava escondendo o jogo, ou então aprendeu. Porque este aqui é um belo filme. Triste, duro, sério, belo filme.
Evidências de um Crime/Cleaner
De Renny Harlin, EUA, 2007
Com Samuel L. Jackson, Ed Harris, Eva Mendes, Keke Palmer, Luis Gusman, Jose Pablo Cantillo
Roteiro Matthew Aldrich
Fotografia Scott Kevan
Música Richard Gibbs
Produção Millenium Films, Sony Pictures
Cor, 92 min
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Título em Portugal: Sem Provas
2 Comentários para “Evidências de um Crime / Cleaner”