Diário Perdido / Mères et Filles

3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: Diário Perdido/Mères et Filles é um belo filme, um drama familiar sobre mulheres de três gerações, feito com grande sensibilidade pela co-roteirista e diretora Julie Lopes-Curval.

A protagonista é Audrey (Marina Hands, numa interpretação soberba), uma mulher de uns 35 anos, profissional de sucesso, que se mudou dez anos antes da época da ação para Toronto, no Canadá. Quando o filme começa, Audrey está chegando à sua terra natal, uma pequena cidade no litoral, na região de Aquitaine, no Sudoeste da França, para duas semanas de férias.

Só o pai, Michel (Michel Duchaussoy) vai receber a filha na estação ferroviária. No momento em que Audrey se encontra com sua mãe, Martine (o papel de Catherine Deneuve), na casa dela, o espectador já percebe: a relação mãe e filha não é boa, não é afetuosa.  Martine é uma mulher fechada, travada, que não demonstra seus sentimentos hora alguma.

Audrey não conta para a mãe e para o pai, mas está grávida. É solteira: o pai é um amigo, amante ocasional, e ela planeja fazer um aborto, quando voltar para o Canadá.

Apesar de estar de férias, Audrey tinha viajado levando trabalho para fazer – está com um projeto importante nas mãos. Por não conseguir se concentrar na casa dos pais, e também por que ela e a mãe se irritam com a presença da outra, a moça decide se instalar na casa do avô, que havia morrido pouco tempo antes. É uma boa casa, de frente para o mar, para a praia. Foi ali que Martine e seu irmão mais novo, Gérard (Jean-Philippe Écoffey) foram criados.

Houve um drama na família: quando Martine e Gérard eram novos, ela com uns 11, 12 anos, ele com uns sete, oito, nos anos 50, a mãe deles, a avó de Audrey, Louise (Marie-Josée Croze), foi embora de casa, e nunca mais entrou em contato com o marido e os dois filhos. Audrey, portanto, jamais conheceu a avó. Mas agora, hospedada na casa que foi do avô, da avó e da mãe quando esta era criança, Audrey passa a ver Louise pela casa. Vê a avó que não conheceu conforme a viu em fotos, e conforme as poucas histórias que ouviu da mãe.

Louise queria trabalhar, ter uma vida independente; o marido, Gilles (Gérard Watkins), um careta, conservador, não permitia – e eram os anos 50. Um belo dia – é o que Audrey sempre ouviu contar –, Louise não suportou mais, saiu de casa, saiu inteiramente da vida da família.

Limpando a cozinha onde a avó ficava, Audrey acaba encontrando, escondido atrás de um armário, o diário de Louise. Meio diário, meio livro de receitas. Depois de lê-lo, Audrey fica cada mais intrigada, curiosa, querendo saber detalhes da história do avô e da avó que agora ela vê diariamente andando pela casa. Martine, no entanto, se recusa a falar sobre o assunto.

A descoberta do que exatamente aconteceu só virá no fim da narrativa. E a verdade que tinha permanecido escondida por tanto tempo é muito mais dura do que se poderia esperar.  

         Três gerações de mulheres, cada uma com seus problemas

É uma bela história sobre três gerações de mulheres, cada uma com seus problemas afetivos, psicológicos. Louise, a avó, queria liberdade numa época em que o machismo imperava de maneira forte e sufocante. A mãe, Martine, estudou, virou médica, casou-se, mas é uma pedra, não deixa que ninguém chegue perto dela; dedica-se à profissão como seu único ponto de contato com a vida, e todo o resto a aborrece. A filha, Audrey, conseguiu sucesso profissional num país estrangeiro, mas é solitária, não tem um namorado firme, acha que não está preparada para ser mãe.

Uma bela história sobre mulheres, criada por duas mulheres – a co-roteirista é Sophie Hiet –, dirigida por outra mulher. Julie Lopes-Curval, que chegou ao cinema depois de se formar em artes plásticas, dirige aqui seu quarto filme com a segurança e a precisão de uma veterana. Seu estilo é límpido, discreto – não há qualquer fogo de artifício, brincadeirinha de estilo, de forma. A presença da avó dentro dos dias de hoje – um fantasma rondando o presente da neta –é apresentada de forma suave, e fica absolutamente natural.

Todo o elenco está ótimo, perfeito. Catherine Deneuve, aquele monumento, está brilhante como a mulher seca, dura, fechada – mas o show é de Marina Hands, essa atriz de beleza forte, marcante, que já havia brilhado em Lady Chatterly, também dirigido por uma mulher, Pascale Ferran.

Um belo filme. Belo e triste.  

         Outros filmes sobre esse tema fundamental

É interessante o fato de o cinema francês ter feito, em 2009, este Mères et Filles, e o cinema americano ter feito, no mesmo ano, um filme quase homônimo, Mother and Child. Aproveito então indicar alguns  outros filmes sobre a relação pais e filhos já neste site:

Destinos Ligados/Mother and Child, de Rodrigo Garcia;

Garota Fantástica/Whip It, de Drew Barrymore;

Estão Todos Bem/Everybody’s Fine, de Kirk Jones;

O Indomado/Hud, de Martin Ritt;

Flores do Amanhã/Xiang Ri Kui, de Zhang Yang;

Imitação da Vida/Imitation of Life, de Douglas Sirk.

Preciosa – Uma História de Esperança/Precious, de Lee Daniels;

Bons Costumes/Easy Virtues, de Stephan Elliott;

Algo que Você Precisa Saber/Quelque Chose a te Dire, de Cécile Telerman.

Diário Perdido/Mères et Filles

De Julie Lopes-Curval, França-Canadá, 2009

Com Marina Hands (Audrey), Catherine Deneuve (Martine), Marie-Josée Croze (Louise), Michel Duchaussoy (Michel), Jean-Philippe Écoffey (Gérard), Carole Franck (Evelyne), Eléonore Hirt (Suzanne), Gérard Watkins (Gilles), Romano Orzari (Tom)

Argumento e roteiro Julie Lopes-Curval e Sophie Hiet

Fotografia Philippe Guilbert

Produção Sombrero Productions, France 3 Cinéma, Filmo, Canal +

Cor, 105 min

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Título em inglês: Hidden Diary

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