As Pontes de Toko-Ri / The Bridges at Toko-Ri

1.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: Produção de primeira, caprichada, bem cuidada, com elenco de grandes nomes, certamente um grande orçamento, As Pontes de Toko-Ri deve sem dúvida ter tido importância, em seus dias. Hoje, é um dinossauro.

Um animal pré-histórico, extinto há muito. Uma relíquia da guerra fria – ou, especificamente, da Guerra da Coréia. Tem a graça, a agilidade, o frescor de um porta-aviões, aquele treco gigantesco, desproporcional, sem sentido.

A lembrança do porta-aviões não é, de forma alguma, à toa: é num deles que se passa boa parte da ação. 

Era sobre tema atualíssimo, quando foi produzido e lançado, em 1954: a Guerra da Coréia, iniciada em 1950, tinha acabado em 1953. A ação do filme – baseado no romance de mesmo nome de James A. Michener, que foi um grande best-seller nos Estados Unidos – passava-se em novembro de 1952. Mais atual, impossível.

O papel principal, do tenente Harry Brubaker, um advogado de Denver, Colorado, que havia se alistado na Marinha como piloto de bombardeiro, coube a William Holden, galã então no auge da fama, um dos maiores astros americanos. Tinha feito o principal papel masculino em Nascida Ontem/Born Yesterday, grande sucesso de 1950, e logo em seguida o clássico de Billy Wilder sobre Hollywood, Crepúsculo dos Deuses/Sunset Boulevard.

Para o papel de Nancy, a elegante mulher de Brubaker, mãe de suas duas filhinhas, filha de um senador, que rompe com os regulamentos e vai a Tóquio visitar o marido, a dupla de produtores William Pearberg e George Seaton teve a sorte grande de contar com Grace Kelly (1928-1982), um dos mais belos rostos que já passaram em frente às câmaras.

Foi o quarto filme da curtíssima carreira de Grace, iniciada em 1951 e encerrada em 1956, quando trocou a fama mundial pelo sonho de virar princesa de verdade, ao se casar com o príncipe Rainier, do Mônaco. Com sua beleza fulgurante e imenso talento dramático, Grace Kelly deixou sua marca em poucos porém grandes filmes – Matar ou Morrer/High Noon, Amar é Sofrer/The Country Girl, Mogambo, Disque M para Matar, Janela Indiscreta, Ladrão de Casaca/To Catch a Thief e Alta Sociedade.

Fredric March, grande ator, dos mais importantes de Hollywood nos anos 30 e 40, faz o almirante George Tarrant, o protótipo do líder forte, sábio, de bom coração, que se afeiçoa pelo jovem tenente porque ele lhe faz lembrar seu próprio filho, morto na guerra.

Mickey Rooney, outro grande astro, interpreta Mike Forney, piloto de helicóptero que resgata os aviadores que eventualmente caem no mar – como o próprio tenente Brubaker, que, sem combustível ao voltar de uma missão, é obrigado a pousar no mar e sair depressa para as águas geladas do Pacífico antes que o avião afunde. Alegre, galhofeiro, tão brincalhão quanto brigão, o personagem de Mickey Rooney é feito para dar um pouco de leveza, de humor à trama pesadona que nem elefante.

         Na época, sucesso de público e crítica

Com esse elenco, baseado em best-seller, com uma fotografia ainda hoje impressionante – as diversas seqüências passadas no ar, feitas em aviões e helicópteros, são de um realismo impressionante –, tratando de um tema quente, uma guerra recém-terminada, o filme foi muitíssimo bem recebido por público e crítica.

 O livro The Paramount Story o define como um dos melhores filmes sobre a Guerra da Coréia, e diz que seu impacto se deve principalmente às cenas de ação no mar e no ar, filmadas em Technicolor com a cooperação da Marinha dos Estados Unidos. (Volto a falar da Marinha americana daqui a pouco.)

 Leonard Maltin dá 3.5 estrelas em 4 para o filme: “Drama poderoso, que faz pensar, baseado no best-seller de James Michener, focalizando os conflitos e façanhas do advogado Holden depois que é reconvocado pela Marinha para pilotar jatos na Coréia. As seqüência aéreas são admiráveis – os efeitos especiais ganharam um Oscar – e a absoluta futilidade da Guerra da Coréia é enfatizada.”

 A mim, parece que Maltin viu outro filme.

         O filme é citado por Alain Resnais em Ervas Daninhas

Em seu recentíssimo Ervas Daninhas/Les Herbes Folles, de 2009, o grande mestre Alain Resnais botou seu personagem Georges Palet, interpretado por André Dussollier, para assistir a um filme, num cinema de um subúrbio parisiense. Georges é um apaixonado por aviões, em especial os aviões antigos (assim como Steven Spielberg, assim como Jim Graham, o garotinho personagem central de Império do Sol), e o filme que ele vai ver é As Pontes de Toko-Ri. Resnais até faz a brincadeira de pôr para o espectador ouvir a fanfarra, a melodia-tema das apresentações dos filmes da 20th Century Fox – uma ironia danada, já que As Pontes de Toko-Ri é uma produção Paramount.

Eu tinha visto o filme que Georges Palet vai ver em Ervas Daninhas quando era bem garoto, em Belo Horizonte. Tá lá no meu caderninho: vi em 19/8/1962; claro que era uma reestréia, uma reprise, como se dizia na época, mas o filme passou no Cine Metrópole, então o melhor da cidade. Não sei o que aquele garoto de 12 anos entendeu do filme, mas na época ele deu cotação máxima para As Pontes de Toko-Ri. Acho que daria cotação máxima para qualquer filme com Grace Kelly e William Holden.

Nunca mais tinha revisto.

Saiu agora há pouco em DVD pela própria Paramount, numa coleção chamada Clássicos Paramount. Ediçãozinha falsamente caprichada: tem uma sobrecapa externa e, lá dentro, uma foto promocional do filme, com os jovens e belos Holden e Grace, mas absolutamente nenhum extra. Só o filme, em cópia ótima, mas sem um especial.

E então sentei para ver.

Logo após os créditos iniciais, há o seguinte letreiro, em corpo grande, ao som de uma melodia marcial:

“Apresentamos orgulhosamente este filme como um tributo à Marinha dos Estados Unidos e especialmente aos homens das Forças Navais Aéreas e de Superfície da Frota do Pacífico, cuja colaboração tornou possível este filme.”

Quase desisti.

         Quase um filme didático sobre como funciona um porta-aviões

É um dinossauro. Um porta-aviões.

Parece um daqueles filmes de esforço de guerra, feitos em especial nos Estados Unidos e na Inglaterra ainda durante a Segunda Guerra Mundial, para conquistar o apoio da população, dar força moral às famílias dos que lutavam no front.

Há longas, longas seqüências que parecem se destinar exclusivamente a demonstrar ao respeitável público civil como é o funcionamento de um porta-aviões, como é difícil aterrissar numa plataforma de uns tantos metros no meio do mar.

Os diálogos são apavorantemente cheios de clichês.

Em um belo bar de um belo hotel a quase 100 quilômetros de Tóquio, o forte, sábio e bom almirante interpretado por Fredric March conta para a lindíssima mulher do tenente sobre as mortes de seus dois filhos, na guerra; sobre como sua mulher perdeu a graça de viver e sua nora perdeu a razão e a noção, e prepara a linda jovem senhora para eventualmente perder o seu marido diante do fogo do traiçoeiro inimigo comunista.

Depois desse diálogo feito para ser comovente, emocionante, a linda jovem senhora do tenente muda totalmente sua maneira de ver a vida.

Nada de denúncia sobre o absurdo da guerra. Muito ao contrário: um elogio à guerra, que é ruim, mas é necessária – se os comunistas tomassem a Coréia, diz o mesmo forte, sábio e bom almirante, depois seria o Japão, a Indochina.

A teoria do dominó.

Em suma: uma porcaria.

         Entre uma ponte e outra, uma distância de milhares de anos-luz

O diretor Mark Robson (1913-1978) fez filmes demais. Começou como montador da RKO, depois fez elogiados filmes de horror, que abriram para ele, como diz Jean Tulard, “a possibilidade de filmar para o produtor Stanley Kramer algumas obras mais ambiciosas, como O Invencível (com Kirk Douglas) e Clamor Humano (sobre o racismo). Mostra-se então como um realizador corajosamente engajado, reputação confirmada pelo excelente A Trágica Farsa, sobre corrupção nos circuitos de boxe, já evocado em O Invencível. Lamentavelmente, muitas comédias laboriosas (Abaixo o Divórcio), melodramas pseudo-exóticos, filmes de guerra (As Pontes de Toko-Ri) destruíram a boa reputação de Robson.”

Em As Pontes de Toko-Ri, percebe-se que o diretor andava com mão pesada. Sutileza, leveza não era com ele.

Interessante é lembrar que, oito anos depois, em 1962, a dupla de produtores William Pearberg e George Seaton voltaria a trabalhar com William Holden, desta vez em um ótimo filme sobre a Segunda Guerra Mundial, O Falso Traidor/The Counterfeit Traitor.

Entre As Pontes de Toko-Ri, de 1954, e O Falso Traidor, de 1962, William Holden se veria de novo às voltas com a Guerra da Coréia e com outra ponte a ser destruída. No melodramão Suplício de uma Saudade/Love is a Many Splendored Thing, de 1955, interpretou um jornalista americano que se apaixona em Hong Kong por uma linda filha de chineses e ocidentais, interpretada por Jennifer Jones. E, em 1957, fez um militar americano que foge de um campo de prisioneiros de guerra japonês e depois tem que voltar até lá com a missão de sabotar uma ponte que os próprios prisioneiros aliados tinham acabado de construir.

Só que entre As Pontes de Toki-Ri e A Ponte do Rio Kwai vai um Grand Canyon, uma distância de alguns milhares de anos-luz.

As Pontes de Toko-Ri/The Bridges at Toko-Ri

De Mark Robson, EUA, 1954

Com William Holden (tenente Harry Brubaker), Fredric March (almirante George Tarrant), Grace Kelly (Nancy Brubaker), Mickey Rooney (Mike Forney), Robert Strauss (Beer Barrel), Earl Holliman (Nestor Gamidge)

Roteiro Valentine Davies

Basedo no romance de James Michener

Fotografia Loyal Griggs

Montagem Alma Macrorie

Música Lyn Murray

Figurinos Edith Head

Cor, 103 min

Produção William Perlberg, Paramount Pictures

R, *

6 Comentários para “As Pontes de Toko-Ri / The Bridges at Toko-Ri”

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